Direitos humanos e centralidade do trabalho – parte 1

Como havia dito no último texto postado, pretendo fazer uma análise dos direitos humanos a partir da obra de Marx e de autores marxistas. Para isso, faz-se necessária a investigação de algumas noções introdutórias, para, depois, mostrar quais serão os seus reflexos no estudo do direito.

Em alguns instantes, já com o pedido de desculpas antecipadas ao leitor que conhece de forma mais profunda os temas que abordarei, optei pela simplificação. O mais importante será a divulgação, com a maior clareza possível, de conceitos que não são fáceis de serem apreendidos. Reconheço o risco da opção, mas prefiro isso a me tornar um sujeito impenetrável ou um “intelectual encastelado”.

Começo pela questão do trabalho – essencial tanto no jovem, quanto no Marx da maturidade.

O que distingue o homem dos demais seres vivos é o fato de que, pelo seu trabalho, produz e reproduz as suas condições de vida. O trabalho, pois, é categoria central de existência do ser humano e aparece, na obra da juventude de Marx, como um elemento ontológico, isto é que constitui o homem enquanto ser humano. György Lukács, um dos maiores marxistas do século 20, usa, inclusive, a expressão “ontologia do ser social”.

Como esse elemento aparece de forma insistente na obra do jovem Marx, e em vista desse dado intrínseco ao homem como seu elemento distintivo na natureza, alguns autores identificam esse período como um momento mais humanista de Marx, em que ainda não teria se dedicado às questões mais estruturais, que realmente esclareceriam o fenômeno do capitalismo. O mais célebre exponencial desse pensamento é Louis Althusser, que identifica esse humanismo com resquícios mais idealistas em obras como os “Manuscritos econômico-filosóficos” (obra de extrema importância para a obra de Lukács).

Nessa fase, o realce, por exemplo, é o da relação do homem e a transformação da natureza pelo trabalho, além de categorias como a alienação. Dessas questões, importantes para a análise dos direitos humanos, falaremos mais tarde.

Já em sua maturidade, Marx inclui o trabalho como dado central para entender o processo econômico de produção e circulação do capital. Nesse instante, ao discutir em especial com os economistas clássicos, como David Ricardo e Adam Smith, o trabalho aparece como o único meio de produção capaz de valorizar o valor. Explico.

Aqui é importante perceber que todas as mercadorias possuem valor de uso e valor de troca.

O valor de uso da mercadoria é qualidade intrínseca, inerente a ela, no sentido de que, conforme a sua natureza, atenda às necessidades humanas. Uma cadeira serve para se sentar, assim como uma faca para cortar os alimentos. Esses são os valores de uso de uma cadeira e de uma faca.

O valor de troca faz aderir uma qualidade extrínseca às mercadorias no sentido de que, segundo a natureza das relações sociais (e não somente à sua própria) marcadas pela exploração do trabalho alheio, passam a ser mensuradas no mercado. Aqui não bastam as qualidades específicas de que são dotadas, mas também as qualidades sociais de que passam a ser incorporadas, determinadas pela quantidade de trabalho despendido para a sua produção. No mercado, realiza-se uma troca de equivalentes. Uma faca, observada a quantidade de trabalho necessário para que fosse produzida, poderia valer duas cadeiras, e assim por diante. No entanto, para evitar que todos precisem ir com facas e cadeiras para o mercado, o que seria impossível, constituiu-se mercadoria considerada o equivalente universal: o dinheiro.

Perceba-se: troca de mercadorias e o dinheiro já existiam antes do capitalismo. O que então faz com que sejam percebidas como forma específica do capital? A resposta está exatamente na mercadoria chamada força de trabalho. Ou seja, de novo o trabalho como central na teoria de Marx.

Sendo o trabalho o único meio de produção que produz valor, no capitalismo, a grande sacada é a sua dominação e expropriação por outro que detém os demais meios de produção, como forma de acumulação de sua riqueza. Prestem atenção: o trabalho como fator de riqueza das nações, no lugar de coisas inanimadas, como os metais ou a terra (para os fisiocratas), já havia sido percebido por autores como Adam Smith (“A riqueza das nações”). No entanto, a sua expropriação como forma de acúmulo de riqueza de uma classe e montagem de todo um sistema (o capitalismo) é obra do engenho de Marx.

Vamos explicar melhor como o trabalho é o único valor que gera valor.

Uma pedra, na natureza, é apenas uma pedra. Descoberto que se trata de uma jazida de plutônio, trata-se de matéria-prima importantíssima. No entanto, acreditar que a jazida ou os instrumentos utilizados no seu processamento é que geram a riqueza se trata de uma ingenuidade.

Sem o trabalho de alguém que, devidamente preparado, descobrisse as propriedades daquela jazida ou mesmo sem a descoberta, pelo trabalho humano, das formas de processamento, aquela jazida seria, na natureza, uma como tantas outras. Mas não apenas o trabalho intelectual é importante aqui. Esse de nada valeria sem o esforço de operários que realizam, com a força de seus músculos, o processamento.

Portanto, nem matéria-prima e nem máquinas, como se costuma pensar, produzem a riqueza do capitalista. O que produz a sua riqueza é a apropriação do trabalho alheio, para gerar valor (mais-valia). Assim, detendo os outros meio de produção, o capitalista quer agregar valor a esse capital e somente pode fazê-lo por meio da exploração do trabalho alheio.

O trabalho, nessa fase da obra de Marx, que culmina com “O Capital” em seus três livros, assume uma conotação menos ontológica e passa a estar mais ligado às relações sociais de produção e reprodução da vida material.

Logo, dinheiro ou troca de mercadorias aqui somente têm sentido com a apropriação da força de trabalho alheia, esta também considerada agora no capitalismo como mercadoria. Essa é a grande sacada do capitalismo em relação aos outros modos de produção. Para que se possa aumentar a extração da mais-valia, diversamente de outras expropriações que já ocorreram anteriormente no seio da sociedade, é importante que o possuidor desta mercadoria (força de trabalho) se sinta livre e igual a qualquer proprietário, para operar no mercado a sua troca.

Essa nova relação social específica, que diverge de troca de mercadorias em uma sociedade com escravos (antiguidade) ou com servos (idade média), promove uma nova dimensão do valor de troca das mercadorias em geral, com o dado específico de que a mercadoria força de trabalho aparece – apenas aparece, atenção para esse termo – como se fosse realizada por sujeitos proprietários que são tratados como livres e iguais. Mais adiante veremos a importância que o direito assume na atribuição dessa “igualdade e liberdade”.

Nesse momento de maturidade da obra de Marx, a figura da alienação é substituída pelo fenômeno do fetiche da mercadoria. Mais tarde veremos como essas noções, bem como tudo sobre o que discorremos antes, são indispensáveis para a análise crítica dos direitos humanos.

Pelo instante, ficamos por aqui, convidando a todos que assistam ao vídeo seguinte do nosso amigo Ricardo Antunes. Ricardo é um dos maiores sociólogos do trabalho do mundo e profundo conhecedor do marxismo. O vídeo nos ajuda na compreensão da teoria do valor e de sua importância no mundo atual.

Até o nosso próximo encontro.

Redação

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