As Canções de Alceu Valença

Do Alceuvalenca.com.br

Alceu Valença e Luiz Gonzaga

Nasci e fui criado em São Bento do Una, no agreste de Pernambuco, escutando a música de Gonzaga e as matrizes que ajudaram a consolidar seu estilo. Cresci escutando os aboiadores, os emboladores, os cegos de feira, os tocadores de sanfona de oito baixos e por aí vai. Então, eu também sou fruto desta cultura, logo existem semelhanças estéticas e conceituais entre a obra de Luiz e a minha. Em meu novo show, que percorreu 40 cidades em 13 estados ao longo deste ano, resolvi manifestar esta identidade nas músicas de Luiz – como “Vem Morena”, “Xote das Meninas”, “Sabiá”, “Cintura Fina”, “Numa Sala de Reboco”, “Juazeiro” – mas também explicitar esta influência no meu repertório, em canções como “Cabelo no Pente”, “Coração Bobo”, “Anunciação”, “Embolada do Tempo” e muitas outras.

Nosso primeiro encontro aconteceu no início de minha carreira, durante um show em Juazeiro do Norte (CE). Vi aquele senhor na plateia, achei-o parecido com Gonzaga. Fiquei observando de longe, de cima do palco. Mas ele estava sem chapéu e eu achei sua cabeça muito grande, fiquei em dúvida se era ele mesmo. Quando o show terminou, ele veio me abraçar e disse, naquele jeito peculiar: “Vim de novo Exu só pra lhe ver”. Fiquei pensando: “será que ele gostou do meu som, pesado e com guitarras?” e perguntei o que ele achou da música que eu fazia. Luiz respondeu: “adorei, Alceu. É uma banda de pífanos elétrica”.

Naquela mesma noite, Luiz me convidou para tomar café da manhã em sua casa, em Novo Exu. Eu estava em excursão com minha banda e deveríamos tomar o caminho contrário ao da casa dele, na direção de Fortaleza. Mas não podia deixar de atender a um convite do Rei do Baião e viajamos, de ônibus, cerca de 30 KM para chegar a Novo Exu, no sertão do Araripe. Quando estávamos nos aproximando da cidade, percebemos que uma caminhonete piscava os faróis para o nosso ônibus. Paramos e ouvi a voz de Luiz dizer: “diga para Alceu vir aqui comigo na caminhonete”. Cumpri a ordem. Quando finalmente chegamos, vimos nosso ônibus estacionar e os integrantes da banda e da técnica começaram a descer. Desceu um, dois, três, dez, doze, quinze, vinte, vinte e cinco… até que Luiz virou pra mim e perguntou: “Alceu, quantas pessoas viajam com você?”. Eu disse: “umas vinte e sete”. E ele, resignado: “O café dá pra trinta” (risos). Uma das pessoas que me acompanhavam nesta excursão era a jornalista francesa Dominique Dreyffus, que conheceu Gonzaga naquela oportunidade, e anos mais tarde publicou a melhor biografia sobre o Rei do Baião (“A Vida do Viajante”, editora 34).

Algum tempo depois, gravei em dueto com Luiz a música “Plano Piloto”, que fiz em parceria com Carlos Fernando, numa homenagem a Brasília. A primeira parte era mais ligeira, a segunda mais dolente, como um xote, mais próxima do estilo dele. Daí ele falou: “Alceu, você canta a primeira parte, que é mais ligeirinha. Deixa que eu faço a segunda”. Quem se interessar em escutar, pode encontrar a gravação na internet. Ao longo de minha carreira, gravei “Vem Morena”, “Cintura Fina”, “Baião”, “Xote das Meninas”, entre outras músicas.

Recentemente, gravei “Sala de Reboco”, ao lado da jovem cantora e sanfoneira Lucy Alves, do grupo Clã Brasil, daqui de João Pessoa.  A coisa se deu de uma maneira totalmente natural. Conheci o grupo pela internet e chamei Lucy para fazer uma participação na turnê. Num dos ensaios, começamos a improvisar “Sala de Reboco”, em dueto, e o negócio foi ficando elegante. Levamos ao palco e o entusiasmo foi tanto que decidi gravar a música e rodar um videoclipe em Olinda. O clipe, com direção de Gustavo Caldas, pode ser visto no http://www.youtube.com/watch?v=TtjKb0w1gsE&feature=youtu.be e no site www.alceuvalenca.com.br.

Em nosso último encontro, durante um show no Recife, em homenagem a ele, já na cadeira de rodas, Luiz pediu aos artistas presentes que cuidassem de seu legado: “Não deixem meu forrozinho morrer” – dizia, em tom suplicante. O Brasil precisa redescobrir sua identidade, sua trilha sonora. Hoje, no nordeste, temos um panorama muito diluído, sobretudo por conta de grupos que dizem fazer forró, mas que estética e conceitualmente estão muito distantes do legado de Gonzaga. Há também os oportunistas que pegam carona no centenário e despejam homenagens vazias ao Rei do Baião. Mas o legado de Gonzaga está acima de tudo isso e fico feliz ao ver também muitas pessoas fazendo o forró verdadeiro, não apenas no Nordeste, mas em São Paulo, Minas, Espírito Santo, Rio, passando por cima destas “dificuldades” e mantendo viva a chama do baião, do forró, do xote e do xaxado.

                                                                                               Alceu Valença

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador