Aquiles Rique Reis
Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.
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Mais que um CD

Recebi o pacote que me foi entregue pelo carteiro. Abri-o. Era “Voando na Canção” (Sala de Som), primeiro disco do compositor Fred Falcão. Sobre o fundo branco da capa havia uma dedicatória: “Prezado Aquiles, a saga de um compositor brasileiro na ânsia de mostrar o seu trabalho!”

Confesso que as palavras me embatucaram. Por que um compositor brasileiro, com a bagagem de Fred Falcão, tem dificuldade para fazer com que sua obra chegue ao público?

Fred Falcão é, infelizmente, um dentre muitos em situação igual: talento que se obscurece por falta de quem o ilumine; aptidão para criar canções que se perde num emaranhado de “certezas” estapafúrdias, quase sempre pautadas por uma perversa lógica mercadológica; habilidade negada às pessoas, levando-as a crer que a música brasileira se resume ao que toca nas rádios de sucesso. Bahh!

Belezas perdidas com o passar do tempo. Ouvintes privados de um tipo de música à qual não se permite possibilidade de comparação com o que mostram as televisões. Gerações sem ter amplo acesso à diversidade monumental da música brasileira. Compositores sentindo-se órfãos de pais vivos; desamados por quem não tem ocasião de conhecê-los e, assim, amá-los; desvalorizados por quem se recusa a dar-lhes chance de se mostrarem capazes de proporcionar admiráveis recursos culturais.

“Voando na Canção” tem catorze faixas (uma bônus) distribuídas entre intérpretes que já gravaram músicas de FF ao longo de sua carreira.

Lá estão Os Cariocas cantando “Regressiva” (Fred Falcão), numa vocalização cheia de bossa.

Zé Luiz Mazziotti gravou “Jura”, bossa nova de Fred Falcão em parceria com Ed Wilson. O vozeirão do Zé vem embalado com arranjo de Gilson Peranzzetta, que brilha no acordeom, enquanto o sax de Mauro Senise e a guitarra de Chiquito Braga criam sons de apurada qualidade.

“Memória de Nós” (FF e Marcello Silva), por sua vez, vem na voz de Clarisse Grova. Bela canção com arranjo de Luiz Avellar. Após suave introdução do piano (Avellar), Grova surge, enquanto o baixo de Jorge Elder encaixa as notas em meio aos toques sutis dos pratos da bateria (Rafael Barata).

“Ainda Te Amando” (FF, Maurício Einhorn e Alberto Chimelli) é um instrumental em que brilham o piano de Cesar Camargo Mariano, que também toca teclado, e a harmônica mágica Einhorn. Som supimpa.

Guinga criou o arranjo para “Céu de Brilhante” (FF e Andrea Barros). Apenas com o violão dele a acompanhá-la, Sanny Alves é responsável por um belo momento do CD.

“Shirley Sexy” (FF e Arnoldo Medeiros), sucesso na voz de Marília Pêra na trilha da novela “O Cafona”, está presente na interpretação das Chicas, que, com forte pegada pop, dá vida nova ao sucesso de 1971.

Para além de um bom disco, “Voando na Canção” é um pedido de socorro jogado ao mar dentro de uma garrafa. Um grito de alerta para chamar a atenção para belas canções que não fazem mais parte do dia a dia dos que amam a música brasileira, música que tem em Fred Falcão um de seus bons nomes.

Aquiles Rique Reis

Músico, integrante do grupo MPB4, dublador e crítico de música.

1 Comentário

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  1. farofa

    Cada vez mais o ostracismo é o legado para os músicos/criadores, de fato.

    O mercado sempre impôs seu gosto mu$ical, mas de uns tempos para cá a coisa piorou muito, foi quando pretensos estudiosos passaram a valorizar o “é isso que o povo gosta”, com beneplácito da classe média “esclarecida”. 

     

    Alexandre Figueiredo, no Mingau de Aço, em sua cruzada quase solitária, demonstra de forma cabal como isso vem ocorrendo.

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