Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O drama subliminar na música de sucesso

 

A música popular de sucesso esconde um drama subliminar: a tensão entre o beat, ritmo, melodia e harmonia. E essa tensão é resolvida pelas seguintes maneiras: imposição de uma estrutura circular, o tempo padrão, a linguagem tatibitate e dependência oral e a auto-referência. Se Freud estiver correto ao afirmar que toda produção simbólica humana como a arte, religião e mitologia partilham do mesmo processo primário da elaboração neurótica do inconsciente como o devaneio, o sonho e o pensamento infantil, essa tensão presente na música seria aquela existente entre inconsciente e sociedade. A diferença, é que no hit popular essa tensão é mais ampla: a luta entre as necessidades mercadológicas da indústria do entretenimento e a liberdade.

“Ai Se Eu Te Pego” de Michel Teló, “Vem Dançar com Tudo” de Robson Moura e Lino Krizz (tema da novela “Avenida Brasil” da TV Globo) e “Eu Quero Tchu Eu Quero Tcha” de João Lucas e Marcelo. Por mais que torçamos o nariz para esses hits efêmeros, temos que admitir que esses produtos midiáticos expõem de forma explícita os mecanismos de criação da indústria do entretenimento. São exemplos didáticos pelo seu esquematismo, repetição e clichê.

Ouvir essas músicas não é apenas um tipo de entretenimento, mas em termos de conteúdo significa viver. Numa análise estrutural da harmonia das canções populares percebe-se uma estrutura básica periódica ou cíclica refrões e riffs que se repetem criando uma tensão que aprisiona a melodia. A música termina sempre exatamente onde começou, o que explica, em geral, o final da canção terminar lentamente em BG: nenhum processo é concluído porque nada aconteceu.

Para pesquisadores alemães sobre a canção de massas como S. Schädler (“Das Zyklische und das Repetitive: Zur Struktur populärer Musik” In: Prokop, Dieter: Medienforschung, 2011) e Carmen  Lakaschus (“Die Kommunikationswirkung des Werbefernsehens”, Bauer, 1973) , o tempo cíclico das canções corresponde à própria natureza cíclica dos eventos da vida cotidiana: amor, objetos, sexualidade, natureza etc.

Ao analisar o fenômeno da música de massas esses pesquisadores aproximam-se bastante das ideias sobre emoção estética em Freud como descarga (neurótica) de intensidades afetivas por meio de condensações e deslocamentos (em termos linguísticos por metáforas e metonímias). Schadler faz uma interessante análise estrutural da canção popular ao descrever uma espécie de “drama subliminar” que ocorreria no interior de cada sucesso: afetos, emoções, aspirações e desejos em tensão com a ordem social do tempo cíclico e repetitivo das normas e demandas sociais, representados na música na tensão entre ritmo, riffs e refrões cíclicos que confinam da melodia.

Os momentos progressivos da
estrutura musical erudita
em Charles Mingus: o
desenvolvimento do tema

Estrutura musical erudita X estrutura cíclica

Na estrutura erudita (o que não significa somente a música clássica) o tempo na música possui um caráter transformador: o tema (a melodia inicial) é anunciado para ser desenvolvido em fugas (como na música clássica) ou nos solos instrumentais do jazz. Um motivo é usado repetidamente criando uma tensão com o tema que se desenvolve até retornar à melodia inicial, encerrando-se a música. O tempo cíclico da vida cotidiana é dessa maneira simbolizado em uma “condensação”. Pegue o exemplo de “Orange Was the Color of Her Dress” de Charles Mingus (veja vídeo abaixo) onde o tema lânguido inicial é desenvolvido passando por diversos solos que dialogam com um motivo que se repete fazendo a transição das diferentes “fugas”. Dessa maneira revivemos simbolicamente o drama do dia-a-dia (catarse).

Na estrutura erudita a melodia é igualmente prisioneira do tempo cíclico, porém o tempo é transformador: o tema é desenvolvido em todas as variações e possibilidades podendo criar momentos “progressivos” para o psiquismo do ouvinte – transcendência ou até epifania, embora, ao final, retornarmos à repetição do cotidiano.

Ao contrário, Schadler argumenta que na música de massas esse tempo cíclico da própria vida é “purificado”, superficializado e quantificado: a melodia é ordenada em trechos repetitivos, sem conexão interna e sem alterações.

Por exemplo, em “Ai Se Eu Te Pego” a melodia, cantada por Teló pelo riff repetitivo da sanfona fazendo a harmonia, vai num crescendo até ser cortada pelo refrão “ai se eu te pego”. O tema não é desenvolvido, sugere uma fuga com o crescimento da melodia, mas é imediatamente contida pelo refrão.

A crítica feita aos hits de que são meramente repetitivos e clichês esconde a dramaticidade, tensão e dinamismo presentes no arranjo da música popular que reflete a derrota dos ouvintes diante do princípio de realidade.

“Uma dramaticidade muito especial realiza-se diante dos nossos ouvidos (…) o drama da depreciação do hot [a melodia] pelo padrão, a dramaticidade da negação daquilo que é livre, que já reside no interior do hot, a dramaticidade do estabelecimento do preciso, do calculável, seu triunfo sobre o desviante, a eliminação do tempo qualitativo pelo quantitativo. Contra a primeira suposição de ter encontrado na área da música popular uma fuga do cíclico, encontramos a interferência, o estabelecimento do repetitivo no cíclico. Esse é o segredo da música popular”. (Schädler, S. “Das Zyklische und das Repetitive: Zur Struktur populärer Musik e Lakaschus” In: Prokop, Dieter: Medienforschung, 2011, p.56).

Por isso a música popular é curta, em torno de 2 minutos e 3 minutos e 45 segundos: qualquer prolongamento além desse decurso crítico poderia expor, de forma explosiva, a insustentabilidade dessa estrutura de coexistência dessas duas formas de tempo – a melodia contra as formas cíclicas dos riffs e refrão.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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