Monark para presidente do Brasil, por Eduardo Borges

O ambiente que incensou Monark e seus congêneres já vinha sendo consolidado desde 2010 com uma plêiade de figuras toscas, com pose de intelectual, ocupando espaço da mídia tradicional e alternativa

Reprodução Youtube

Monark para presidente do Brasil, por Eduardo Borges

O Brasil passou a última terça feira quase monotemático, só se falou do youtuber Monark e sua nefasta defesa do direito de existência de um possível partido nazista brasileiro legalizado. Buscando certo didatismo vou dividir este artigo em três partes. Na primeira, darei uma rápida introdução sobre quem é Monark e o que ele representa simbolicamente na blogosfera. Em seguida, farei uma reflexão sobre o que identifico como um seletivismo moralista que tem se tornado atávico no Brasil desde, no mínimo, 2010. Por fim, farei uma pequena repercussão do “caso Monark”.

O jovem senhor Bruno Aiub, de 31 anos, conhecido nacionalmente como Monark ganhou fama a partir de 2010 ao tornar-se um dos maiores youtubers de games do Brasil. Quem teve filho criança nesse período (como é o meu caso) se acostumou a ouvir o nome Monark quando o youtuber fazia suas peripécias na telinha do computador dando dicas de jogos de MineCraft e League of Legends. Semelhante a outros youtubers famosos como Felipe Neto e Rezendeevil, Monark faz parte de uma geração de jovens empreendedores que de certa forma “inventaram” uma formula para ganhar muito dinheiro se divertindo. Contudo, a “diversão” exigia bastante dedicação e sacrifício, pois solicitava deles uma longa jornada de trabalho diante do computador e um desgastante e diário exercício de criatividade para seduzir e manter uma audiência que se mostrava sedenta pelo novo espaço midiático de entretenimento nascido na era da internet.

O tempo passou e esses jovens se tornaram ricos e famosos, e o universo gamer começou a ficar pequeno para eles. Poderosos e do alto de seus milhões de seguidores alguns deles perceberam que o ambiente político e social gestado a partir de 2010, pautada em uma polaridade política disforme e inconsequente, abriu a possibilidade de que neófitos desqualificados fossem transformados ou pela mídia tradicional ou pelas mídias alternativas em verdadeiros oráculos do conhecimento. Figuras que em tempos outrora estariam se comportando como o idiota da aldeia, como bem nos lembrou Humberto Eco, de repente foram alçadas à condição de “analistas” políticos. Medíocres, esses indivíduos não encontraram alternativa para angariar público que não fosse vomitando ódios e fake News. Criou-se um caldo de cultura política escatológica, transformando o debate político no Brasil em um verdadeiro vale tudo. É justamente nesse ambiente raso e obscurantista que figuras como Monark vão não só se formarem intelectualmente, como encontrar uma porta alternativa de ganharem mais dinheiro verbalizando opiniões sobre os mais diversos assuntos. No caso de Monark, mostrando-se um empreendedor bastante arguto, foi buscar em uma experiência vitoriosa do americano Joe Rogan a ideia de um podcaster cuja estrutura consiste em um programa de entrevistas em forma de bate papo com pauta livre. O estilo foi o pulo do gato de Monark, seu sucesso gerou uma infinidades de imitadores, e povoou o universo do You Tube com “debates” dos mais variados temas, porém, com mediadores com pouca ou nenhuma qualificação para a função. No entanto, esses programas, até por tratar com a mesma métrica convidados que alternam entre pessoas sérias e qualificadas e verdadeiros picaretas, transformaram-se na grande tribuna a nutrir e formar a opinião pública brasileira a cada episódio ou corte.  

Mas o ambiente que incensou Monark e seus congêneres já vinha sendo consolidado desde 2010 com uma plêiade de figuras toscas, com pose de intelectual, ocupando espaço da mídia tradicional e alternativa e ajudando a estabelecer os parâmetros da mediocridade e do irracionalismo que desembocaria, em 2018, na figura impensável de Jair Bolsonaro. Incensados pela grande mídia, indivíduos infantilizados e rasos como Kim Kataguiri (ele volta novamente no final do texto) chegaram a se tornar colunista daquele que se auto intitula o maior jornal do país, a Folha da família Frias. Um certo economista, chamado Constantino, com um estilo raivoso, medíocre, mas raivoso, surgiu vomitando o receituário de um liberalismo de manual, aquele que repete o mantra do Estado grande e gastador. Como o discurso desses novos tempos deveria alcançar a complexidade de um Twiter ou WatsApp, logicamente que para a tosca direita liberal brasileira um Constantino seria mais útil do que um Lara Resende ou um Armínio Fraga.  Uma tal de Joice Hasselmann, explicitamente mitômana, ganhou notoriedade nadando de braçada no mar de obscurantismo e mentiras em que se tornou a blogosfera. Hasselman foi campeã das chamadas fake News, coroada em 2018 pela acusação, sem uma única prova, de que uma “grande revista” havia recebido R$ 600 milhões para falar mal do então candidato da extrema direita Jair Bolsonaro. A intenção de Hasselman com a big fake news era aliar a revista Veja (chamada por ela de grande revista) com o PT, o suposto pagador da bolada. O nível de cinismo da hoje parlamentar foi tão grande que os números estratosféricos (600 milhões) foram desmoralizados quando tempos depois o semanário da editora Abril foi comprado por R$ 100 mil reais. Mas, na época, isso pouco importava. O que realmente importava era criar o beligerante ambiente antipetista e antiprogressita, pautado em ódios gratuitos e mentiras deslavadas, e viabilizar a chegada a Brasília de uma malta de tresloucados como Kataguiris, Hasselmans, Zambelis, Kicis junto com o Napoleão Jair Bolsonaro. Os que não foram para Brasília, aportaram na função de “comentaristas” em uma famosa emissora de rádio paulista o que inclui ex-BBB, ex-atleta olímpica, humoristas em busca de holofotes, olavistas (um deles organizou um livro do falecido astrólogo e juntamente com o editor reaça deu-lhe um título que é uma verdadeira piada pronto: “O Mínimo Que Você Precisa Saber Para Não Ser Um Idiota”), e até “ex-jornalistas” que abriram mão de suas carreiras e dignidades em nome de uma bajulação grotesca e nonsense. Juntos, essa gente criou um verdadeiro esgoto de escatologias e mentiras.

De Curitiba, uma dupla de simples funcionários públicos, se tornavam estrelas de primeira grandeza do moralismo seletivo nacional, ganhando prêmios e dinheiro, tendo como principal virtude o vilipendio da democracia e o desprezo pela Constituição e pelo Estado Democrático de Direito. Juiz e Promotor formaram um conluio conspiratório e se posicionaram frontalmente contra diversos réus. O juiz, pasmem, ele que deveria ser a parte neutra do processo, admitiu recentemente que era o chefe da operação policial conhecida como Lava Jato. Mais do que isto, assumiu publicamente que foi ele e sua operação policial os mais competentes perseguidores do Partido dos Trabalhadores. Tempos depois a chamada Vaza Jato, conjunto de reportagens do site The Intercept, baseada em vazamentos de conversas dos procuradores e do juiz, colocaria no chão a máscara e a insensatez do ex juiz Sergio Moro e seu fiel escudeiro o promotor Deltan Dallagnol. Hoje, um deles ainda tem a audácia de se candidatar a presidente da República.

Quanto ao atual mandatário da nação, também ele, é uma criação bem acabada desse ambiente belicista, irracional e vulgar que se consolidou no Brasil nos últimos anos possibilitando que uma parcela da população batesse palmas para que malucos dançassem e tripudiassem sobre nós. Chamado pelo ex presidente/Ditador Ernesto Geisel de “um mau militar” Jair Bolsonaro passou 27 anos nas sombras e nas franjas do poder fazendo sua politicagem doméstica através das chamadas rachadinhas. Essa figura completamente desconhecida e desqualificada começou a viabilizar-se como candidato a presidente da República quando soube espertamente usar o beneplácito e o seletivismo moralista da mídia em seu proveito. Os pesquisadores Victor Piaia e Raul Nunes apresentaram alguns números da presença de Jair Bolsonaro em programas televisivos entre os anos de 2010 e 2018, escreveu eles: “As participações de Bolsonaro ocorreram em programas como Agora é com Datena (1), Agora é Tarde (3), Casos de Família (1), CQC (5), Manhã Maior (1), Mega Senha (2), Mulheres (1), Okay Pessoal (1), Pânico na Band (1), Programa do Ratinho (2), Programa do Raul Gil (1), Quem convence ganha mais (1), Superpop (11), The Noite (1) e Você na TV (1)”.[1]

Todos esses programas televisivos emprestaram seu palco e sua audiência para o capitão destilar seu rol de frase abjetas e preconceituosas. Chegou a afirmar, em um deles, que era a favor da ditadura. Segundo ele, para mudar alguma coisa no Brasil era necessário fazer o trabalho que a ditadura militar não tinha feito, ou seja, matar uns 30 mil inclusive o presidente FHC. Fez questão de ressalvar: “Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente”. Isso explica a forma debochada e pouco empática com que Bolsonaro lidou com as mais de 600 mil mortes de Covid 19. Mas Jair não se contentava em vomitar imbecilidades somente nos programas televisivos, a própria Câmara dos Deputados também foi transformada em palco para suas barbáries. O capitão mostraria não ter limites e ousaria ainda mais. Para a deputada Maria do Rosário, não teve ele o constrangimento em fazer uma indireta apologia ao estupro ao afirmar que jamais estupraria a deputada porque ela não merecia. Ou seja, se ela merecesse ele…Renitente, o deputado Jair foi muito macho e afirmou que tinha imunidade pra falar que era homofóbico, “sim, com muito orgulho”. Já em plena democracia, experimentou da liberdade lhe concedida pela própria democracia, e afirmou que a tortura através do “pau de arara” funcionava e que não só ele como o povo brasileiro era a favor também. Mas veio a campanha eleitoral e o capitão, em meio à sanha do antipetismo e da antipolítica de uma sociedade idiotizada pelos medíocres “formadores de opinião”, soltou algumas de suas frases mais abjetas. No longínquo Acre se regozijou ao falar que iria fuzilar a petralhada do Estado. Foi fascista explícito quando afirmou que a minoria tem que se calar e se curvar à maioria. Um exemplo bem acabado do seletivismo moralista de nossa elite (nesse caso parcela da elite judaica) ocorreu quando o candidato Bolsonaro relatou, em palestra no Clube Hebraica do Rio de Janeiro, sua visita a um quilombo: “Visitei uma comunidade quilombola. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada, eu acho que nem pra procriar servem mais”.  Pasmem leitores, essa infame fala radicalmente racista, foi ironicamente aplaudida em um clube de judeus. O final de tudo isso foi esse sujeito se tornar presidente da maior economia da América Latina e uma das maiores do mundo. Um típico caso de uma crônica de uma morte anunciada.

Me pergunto então: onde estavam os atuais paladinos da moralidade, entre eles os judeus ofendidos (com razão), o PIG (Partido da Imprensa Golpista), setores da classe média moralista, lacradores da blogosfera, juristas do Twiter, e o PGR et caterva – que rapidamente caíram como uma hiena sobre o Monark – quando essa gente citada acima (com destaque para o capitão) brincava de perseguir partidos e adversários políticos, rasgar a Constituição, espionar advogados, mentir sem escrúpulos e propagar o discurso de ódio e a eliminação de quem pensava diferente deles? Foi justamente esse ambiente de cretino seletivismo moralista (apoiado abertamente pela grande imprensa, a elite política, a burguesia econômica e uma classe média que se acha elite) que levou a figuras como Monark fazer a infame afirmativa: “eu acho que o nazista tinha que ter o partido nazista reconhecido pela lei”.

Monark, como já informei, é fruto desse ambiente rasteiro e lacrador que se estabeleceu no Brasil, através das redes sociais, nos últimos dez anos. Em termos ideológicos, nesse ambiente, frutificou uma visão rasa e equivocada de hiper liberdade, que flerta com coisas como anarcocapitalismo e com uma espécie de liberdade de expressão absoluta. Em resumo, e a fala de Monark é um bom exemplo, essa liberdade absoluta de expressão é a reivindicação da absoluta liberdade de ser canalha e cometer crimes. Como entrevistados do Flow estavam a deputada Tabata Amaral (precisa nos contrapontos à fala cretina de Monark) e o deputado Kim Kataguiri. O deputado Kataguiri, também ele fruto da máquina midiática que se instalou no Brasil nos últimos anos e que tem servido para transformar medíocres em celebridades, se não assinou embaixo das afirmativas de Monark, não perdeu a oportunidade de ser oportunista e requentar seu (e do MBL) discurso de almanaque, que o levaria a Brasília, ao expelir seu anticomunismo tosco, raso e infantil (relembro que estas características o levaram a ser colunista da Folha de São Paulo).

Mesmo sem apoiar diretamente a patologia de Monark de criação de um partido nazista legal no Brasil, Kataguiri acabou por legitimar a proposta do youtuber quando questionou o fato de termos um Partido Comunista legalizado. Ou seja, ao equiparar os dois partidos, nos levou à seguinte conclusão: se um pode, por que não o outro? Em seguida, tentando ser sofisticado em sua mediocridade, Kataguiri afirma que foi um erro a criminalização do nazismo pela Alemanha. Pronto, estamos mais uma vez diante do idiota argumento da defesa da absoluta liberdade de expressão.

Se tem uma coisa “boa” que o caso Monark serviu à nossa sociedade foi trazer ao conhecimento do senso comum as ideias de Karl Popper, um dos maiores pensadores do século XX (porém, sempre lido de forma meio enviesada por parcela da esquerda brasileira) e seu Paradoxo da Tolerância. Nos dando uma dica de como nos posicionar diante dos Monarks, Bolsonaros e bolsominions, escreveu Popper: “A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles”.

O atávico seletivismo moralista do brasileiro é algo a ser permanentemente refletido. Me causa espanto, por exemplo, a forma como uma parcela da comunidade judaica lidou de forma seletiva entre a fala abjeta de Monark e a fala não menos abjeta de Bolsonaro no Clube Hebraica. É a velha história de onde o calo aperta. Enquanto a vítima fosse os negros, ok, não foi comigo. Mas quando a metralhadora é apontada para o nosso quintal, seletivamente combatemos com mão de ferro a intolerância do outro. O seletivismo moralista, inclusive, tem se transformado em piada pronta, ou não é risível ver Sergio Moro e Deltan Dallagnol bradarem contra o abuso de autoridade, até tu Brutus?

Em suma, a fala de Monark, mesmo que não caracterize explicitamente que ele seja um apoiador da causa nazista, foi medíocre, criminosa e condenável. Mas Monark é somente a ponta de um iceberg cuja base é sustentada por um rol de frases e ações cometidas, faz tempo, pelas figuras mais cretinas da vida pública brasileira. Todas elas estão hoje em Brasília fazendo leis e definindo o rumo da democracia brasileira. Um deles (talvez o pior) virou presidente da República. Sem querer passar pano para Monark (longe disso), sou da opinião de que um idiota com cargo público será sempre pior do que um idiota sem cargo público. E partindo da premissa de que no Brasil dos últimos anos agir como imbecil, preconceituoso, cafajeste e mentiroso tem se tornado passaporte para exercer um cargo público, eu lanço Monark para presidente do Brasil.


[1]http://iespnaseleicoes.com.br/politica-entretenimento-e-polemica-bolsonaro-nos-programas-de-auditorio/

Eduardo Borges – Historiador

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

3 Comentários

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  1. Análise de peso que, ao final conclui, como os pensares de olavo de carvalho, a contrario senso de tudo o que expôs.
    Olavo talvez o fizesse por deficiência cognitiva crônica. O articulista o faz por um sarcasmo que beira a insensatez.
    Vai que um “anjo” de asas escamosas tome essa candidatura por verdade…

  2. Sensacional. Seu poder de síntese permitiria, até mesmo estes rasos da extrema direita, entenderem melhor o que estão fazendo com um país tão bonito, como era o nosso. Com sérios problemas estruturais, mas problemas verdadeiros e sérios a serem resolvidos e não esta mediocridade e falta de censo que vivenciamos e amargamos hoje.

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