Golpistas são todos farinha do mesmo saco, por Nadejda Marques

Coup esmiúça a campanha das elites bolivianas para afastar o então presidente, Evo Morales, o partido MAS (Movimiento al Socialismo) e as lideranças indígenas do poder.

Golpistas são todos farinha do mesmo saco

por Nadejda Marques

Há alguns anos, era moda entre a classe média e elites brasileiras defender a alternância de poder para supostamente “oxigenar”o governo federal. Sim, o tal princípio democrático da alternância de poder era convenientemente lembrado mas, somente em relação ao governo federal. Não em relação ao governo estadual, municipal e, muito menos, em relação ao poder legislativo ou judiciário. Com essa abordagem, de pseudo defesa da democracia, as elites político-econômicas esperavam justificar uma interrupção dos governos do PT. Não foi assim que conseguiram. Seu trunfo veio através de uma estratégia oposta ao que proclamavam: ataques diretos contra o sistema democrático brasileiro. Atacavam e enfraqueciam nossa democracia através de campanhas de desacreditamento e desinformação principalmente sobre o processo eleitoral. Sem evidências ou mesmo incidentes reportados declararam “descrença no processo e nos resultados das eleições” alimentando a polarização política no país e colocando em risco a transferência pacífica do poder. Alegaram supostas fragilidades das urnas eletrônicas devidamente desmentidas pelo TSE. E, até hoje, questionar a validade das urnas eletrônicas e atacar o TSE segue sendo uma das atividades mais frequentes da direita.

Com as devidas variações culturais e históricas, poderia-se afirmar que quase todas essas tendências antidemocráticas observadas no Brasil também tiveram sua versão e serviram ao golpe de 2019 na Bolívia. Isso está claro no livro recém lançado Coup (Golpe – ainda sem tradução em português) dos autores Linda Farthing e Thomas Becker. Coup esmiúça a campanha das elites bolivianas para afastar o então presidente, Evo Morales, o partido MAS (Movimiento al Socialismo) e as lideranças indígenas do poder. Por detrás de um discurso aparentemente a favor da democracia, dá-se um golpe com todas as letras, inclusive com a participação e apoio de outros Estados como a Argentina, o Brasil e os Estados Unidos. Como recomendou a Linha de Fundadora das Madres de la Plaza de Mayo, Coup destaca a necessidade de se permanecer vigilante sobretudo em tempos eleitorais e serve como alerta sobre a astúcia dos golpes do século XXI.   

O livro descreve em detalhes o contexto de exploração e discriminação contra os camponeses e indígenas bolivianos que se alastra por décadas e, até mesmo séculos. Além de analisar a estratégia da direita na construção do golpe de 2019 e os atos de violência do Estado durante o governo interino da Jeanine Áñez (os autores entrevistaram dezenas de vítimas e testemunhas oculares dos massacres de Senkata e Sacaba), Coup também reconstrói os desafios e desgastes enfrentados pelo MAS que resultaram no distanciamento, ao menos temporário, dos movimentos de base, dos jovens e da classe média urbana.  

O desfecho boliviano, definitivamente graças à força da mobilização social campesina e indígena, teve um final democrático com a eleição de Luis Arce, em novembro de 2020. É uma história impressionante de luta pela democracia. Sua leitura traz lições sobre como atuam os processos que buscam derrubar movimentos progressistas na América Latina e como seriam algumas possíveis formas de resistência.

Nadejda Marques é escritora e autora de vários livros dentre eles Nevertheless, They Persist: how women survive, resist and engage to succeed in Silicon Valley sobre a história do sexismo e a dinâmica de gênero atual no Vale do Silício e a autobiografia Nasci Subversiva.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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