No melhor estilo “bom selvagem”, a Folha mostra que o Bolsa Família prejudica a saúde dos ribeirinhos da Amazônia- eles agora comem mortadela.
O caderno de ciências da Folha de São Paulo de 19/11/2015 é candidato ao IgNobel de antropologia.
É ridículo, mas é assim que a Folha apresenta os comentários de uma bioantropóloga americana da Universidade Estadual de Ohio – EUA: “um estudo americano com ribeirinhos amazônicos mostra que a renda extra do Bolsa família não melhorou os hábitos alimentares na região”.
E o que está errado na opinião da antropóloga e do jornal – ou vice-versa?
“O benefício deu aos ribeirinhos que habitam a Floresta Nacional de Caxiuanã, no Pará, acesso a alimentos que antes eram esporádicos, como arroz e feijão, mas também aumentou o consumo de carnes enlatadas e biscoitos, ricos em sódio e gordura”.
Antes do Bolsa Família, os ribeirinhos dependiam da pesca, da caça eventual e da produção local de farinha de mandioca. Mas agora a antropóloga está chocada com os efeitos da introdução de mortadela no cardápio. Além da televisão.
“As pesquisas… mostram que a ingestão de carboidratos diminuiu… Mesmo assim, houve aumento de peso entre as mulheres da região. Uma explicação para esse contraste é que… as pessoas estão fazendo menos atividades físicas, como cuidar da lavoura… área ocupada pelos músculos do braço diminuiu na população… indicando que o volume de atividade física decaiu”.
O bom selvagem rousseauneano que a sociedade petista corrompeu. Resumo da ópera, com o Bolsa Família os ribeirinhos ficaram gordos e preguiçosos.
Há ainda outro efeito deletério do Bolsa Família, a redução do cultivo da mandioca pelas famílias beneficiadas – caiu de 100% das casas em 2005 para 63% em 2009, segundo a antropóloga. Uma das explicações, além da preguiça natural dos trópicos de barriga cheia, poderia ser que ”para receber o benefício, as crianças tem de estar matriculadas na escola, e isso diminui a mão de obra disponível para a roça”.
A conferir.
Já sobre os efeitos do Bolsa Família na dieta alimentar dos norte americanos, nenhuma palavra.
PS1: em 2002, tempo em que os ribeirinhos se alimentavam tão somente de peixe com mandioca, a pesquisa inicial da antropóloga era sobre como as mães da região conseguiam obter a energia necessária para amamentar. Faltou o artigo da Folha informar-nos em qual das duas situações, antes e depois do Bolsa Família, a lactação foi mais favorecida.
PS2: viciados em junk food visitam a Oficia de Concertos Gerais e Poesia.
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De doer
Sergio,
nada que nos surpreenda. Saudade sinto eu do passado em que os valores repousavam na verdade, por mais doída que se apresentasse. Hoje é tudo tão fake, tão “junkiee”, tão vazio.
Ando com o estômago embrulhado. As manifestações, com esta qualidade que você tão pertinentemente grifou, só corroboram o acerto no cancelamento da minha assinatura.
Saudade sem fim de doer os ossos do tempo em que meu jornal chegava à minha casa e eu folheava página a página, aprendendo, confiando no que lia por pior que fosse.
O Brasil está se cansando – mostram algumas pesquisas – desse lixo veiculado dia a dia, sem trégua. Os brasileiros, toda a gente só quer prosseguir, virar a página, seguir vivendo. Quem suporta esse esgarçamento de valores, esta falta de sossego, este deboche?
O cansaço toma conta e fica a vontade, cada vez mais presente, de desistir. Quando penso no que perdemos com a crise, lamento ter mantido a assinatura por tanto tempo: teria poupado trocados e muito desgosto ter cancelado ao primeiro sinal de desrespeito do jornal com seus eleitores.
Alimenta em mim a vontade de reclamar, chamar às falas o jornal, estampar toda esta cretinice… Mas, no final, é inócua qualquer tentativa de lucidez. A liberdade – com esta mídia – está morta. Não se pensa nem se pode mais expressar o pensamento.
Quem sabe em Miami …
Obrigada por mais esta página. Aqui encontro qualidade.
Bom final de semana!
PS: O “bom selvagem” é esta criação das “classes dominantes” – termo relembrado por você – que reforçam a cada instante em suas atitudes: um movimento de consolidação e de reafirmação de sua majestática superioridade. É preciso desconstruir e “desplasmar” este conceito. O “bom selvagem” – e todos os preconceitos e opressão que carreia – é uma afronta a todos nós.
PS2: Você – tua pena, tua lucidez, tua precisão – pode elucidar, clarificar e expor criticamente este lamentável ambiente criado para ratificação e reforço da opressão. Use teus dotes, por todos nós. Eu desisto.