A grande tacada de Ricardo Salles

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Foto: Reprodução

O Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles não tem limites. Enquanto Secretário do Meio Ambiente em São Paulo, protagonizou episódios mal-cheirosos – como o de falsificar um mapa permitindo a uma empresa ocupar área ambiental.

Investigações do Ministério Público Estadual constataram movimentação injustificada em seu escritório de advocacia no mesmo período.

Consegui passar incólume pela investigação graças a sentença do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Indicado Ministro do Meio Ambiente, provavelmente julgou que o resultado das primeiras atuações públicas – saindo incólume das acusações a que respondia – poderia ser repetido no MMA.

Não se deu conta de que a nova geopolítica americana, tão visceral contra o combate às drogas, é a denúncia de crimes ambientais. A partir de uma investigação nos EUA, Salles ficou sujeito ao peso de duas justiças: a brasileira e a americana.

Confira o que foi a mais atrevida aventura ambiental brasileira.

Peça 1 – as empresas autuadas

Houve exportação ilícita de madeira para o Estados Unidos pelas empresas Ebata Produtos Florestais Ltda, Tradelink Madeiras Ltda. A maior parte da madeira foi fornecida pela Confloresta – Assocação Brasleira das Empresas Concessionárias Florestais, que reune 11 concessionárias estaduais, e a Aimex – Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Pará, que congrega outras 23 empresas.

Peça 2 – as autoridades envolvidas

Essas duas associações buscaram apoio junto ao Superintendente do Para, Walter Mendes Magalhães, e ao então Diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade, Rafael Freire de Macedo, ambos indicados por Ricardo Salles. Eles teriam emitido certidões e ofícios – “claramente sem valor, por ausência de previsão legal” -, que não foram aceitos pelas autoridades americanas.

No mesmo dia do encaminhamento do pedido, o Ministro Salles encontrou-se com representantes das duas associações., com um diretor da Tradelink, com o presidente do IBAMA – Eduardo Fortunato Bom -, com o Diretor de Proteção Ambiental, Olivandi Alves Borges de Azevedo.

De imediato, houve o atendimento integral da demanda, “contrariando parecer técnico elaborado por servidores do órgão”, legalizando, com efeito retroativo, “milhares de cargas expedidas ilegalmente entre os anos de 2019 e 2020”.

Na sequência, diz o inquérito da Polícia Federal, quem se prestou a esse serviço foi promovido e quem resistiu foi exonerado.

Em complementação à representação da PF, houve o depoimento de Hugo Leonardo Mota Ferreira, servidor do IBAMA, lotado na Superintendência de Apuração de Infrações Ambientais. Disse ele que, desde janeiro de 2021, Leopoldo Penteado Butkiewicz, assessor especial de Salles, passou a atuar de forma direta na Superintendência, inclusive dando ordens diretas e intercedido em favor dos autuados.

Peça 3 – comunicações ao COAF

O inquérito apurou que parte das empresas envolvidas, e pelo menos dois agentes públicos investigados, tiveram, nos últimos anos, “inúmeras comunicações ao COAF (Conselho de Controle das Atividades Financeiras) ) por operações suspeitas”.

Um deles é o próprio Ricardo Salles, por inúmeras operações suspeitas realizadas nos últimos anos através de seu escritório e advocacia.

O inquérito apurou que houve promoção de vários dos agentes envolvidos nessa trata. 

* Walter Mendes Magalhães Júnior passou de Superintendente Regional do IBAMA no Pará a Coordenador Geral da Fiscalização.

* Olivandi Alves Azevedo Borges passou de Diretor de Proteção Ambiental para Secretário Adjunto da Secretaria de Biodiversidade do MMA.

* João Pessoa Riograndense Moreira Júnior, analista ambiental, tornou-se Diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas.

* Rafael Freira de Macedo, analista ambiental, foi promovido a Coordenador Geral de Moniotramento do Uso da Biodiversidade e Comércio Exterior.

* Eduardo Fortunato Kim, presidente do IBAMA, é apresentado como pessoa de confiança de Salles.

* Olímpio Ferreira Magalhães, Superintendente do IBAMA no Amazonas, foi promovido para Diretor de Proteção Ambiental. Afastou servidores que resistiram às manobras.

* Leopoldo Penteado Butkiewicz, assessor especial de Salles, nomeado Secretário Adjunto da Secretaria de Qualidade Ambiental do MMA. Atuava diretamente junto à Superintendência de Apuração de Infrações Ambientais.

* Wagner Tadeu Matiota, Superintendente de Infrações Ambientais, afastou servidores que encaminharam notas à auditoria interna.

Peça 4 – cronologia dos fatos

No dia 17.01.2020, autoridades americanas receberam do IBAMA do Pará informação de que cargas da empresa Tradelink, não haviam sido analisada pelo setor competente e não ter sido expedida manifestação autorizando a exportação dos produtos. Isso teria ocorrido em 7 ocasiões> 5 contadores destinados aos EUA, 1 para a Dinamarca e 1 para a Bélgica.

Em 24.01.2020 a empresa foi autuada pela exportação sem autorização.

Em 03.02.2020 houve a reunião com o Superintendente do IBAMA no Pará, na qual a Tradelink pediu autorização especial de exportação.

No dia 05.02.2020, o Superintendente do IBAMA no Pará, Walter Magalhães Junior, esboroou informação atestando falta de pessoal e de recursos financeiros necessários para a realização de vistoria nos portos alfandegados. Com base nesse argumento, emitiu 5 certidões declarando a regularidade das cargas retidas.

No dia 14.02.2020 o adido norte-americano Bryan Landry, consultando fontes abertas e em contato com compradores norte-americanos, levantou dados precisos sobre as origens declaradas para a madeira apreendida. A partir dai constatou uma miríade de irregularidades, uma delas o fato de que parte da madeira apreendida tinha documentos emitidos mais de 8 meses após o final dos sinais de exploração florestal detectada por satélites.

No dia 21.02.2020, outros funcionários da Embaixada Americana em Brasilia realizaram reuniões com Eduardo Bimm, Raquel Taitson Queiroz Bevilaqua e João Pessoa Riograndense Moreira Junior. Na reunião, Bryan Landry explicou o funcionamento do Lacey Acrt, definindo condicionantes para a entrada de madeira estrangeira nos EUA. Na reunião foram apontados “possíveis comportamentos inapropriados por funcionários públicos e/ou representantes da TRADELINK””.

No dia 25.02.2020, a Embaixada dos EUA recebeu cópia de Despacho firmado pelo presidente do IBAMA, com orientação geral dispensando a necessidade de autorização específica para exportação de produtos florestais. Segundo o comunicado, bastaria o Documento de Origem Florestal para legalizar a exportação. Mas autoridades policiais já haviam revelado que a empresa Tradelink era infratora contumaz.

Em outro episódio, a Embaixada dos EUA relatou ter encaminhado denúncias em relação a empresa Wizi Indústria Comércio e Exportação de Madeiras Ltda, descrevendo apreensão de cargas sen nenhum documento de exportação do Brasil.

A carga foi apreendida. Em 20.12.2019 o IBAMA enviou ofício informando que a exportação violava a legislação brasileira. EM 24.01.2020, o servidor Arthur Villinoto Bastos emitiu autorização retroativa. Em 18.08.2020, o próprio presidente do IBAMA, Eduardo Bim, endossou a retroatividade da emissão.

A partir daí, havia indícios fortes de montagem de uma organização visando facilitar a vida das empresas. Segundo denúncia da PF, os agentes públicos e pessoas jurídicas poderiam tipificar, em tese, os seguintes crimes previstos na legislação penal:

(a) corrupção passiva (art. 317, do Código Penal);
(b) facilitação de contrabando (art. 318, do Código Penal); (c) prevaricação (art. 319, do Código Penal);
(d) advocacia administrativa (art. 321, do Código Penal); (e) corrupção ativa (art. 333, do Código Penal);
(f) contrabando (art. 334-A, §1o, do Código Penal);
(g) crimes contra a administração ambiental (art. 67 e 69, 

ambos da Lei n. 9.605/98);
(h) lavagem de dinheiro (art. 1o, da Lei n. 9.613/98);
(i) integrar organização criminosa e obstrução de justiça 

(art. 2o, §1o e §4o, da Lei n. 12.850/13). 

Peça 5 – o início do inquérito

O início das investigações foi um ofício da embaixada americana, assinado por Bryan Landry, agentes especial da FWS (Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos), com acusações graves. Depois de historiar a saga da Tradelink, concluir Landry:

“À luz do exposto, o FWS tem preocupações com relação a possíveis ações inadequadas ou comportamento corrupto por representantes da TRADELINK e/ou funcionários públicos responsáveis pelos processos legais e sustentáveis que governam a extração e exportação de produtos de madeira da região amazônica. O FWS abriu uma investigação relativa à TRADELINK EUA, suas práticas de compras, histórico de importação do Brasil e possível envolvimento em práticas corruptas, fraudes e outros crimes”. 

Luis Nassif

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