A internet e a construção/destruição do espaço político

Durante os XVIII e XIX o espaço da política foi construído nos jornais ou através deles. No começo do século XX, o rádio ampliou o espaço político construído pelos jornais. O advento do cinema (primeiro mudo e depois falado) também ajudou a construir o imaginário político, principalmente quando os cineastas começaram a registrar o que ocorria nos campos de batalha da I Guerra Mundial.

Na segunda metade do século XX a televisão se tornaria uma realidade política mais importante que o jornal, que o rádio e que o cinema. O império da TV, porém, seria curto. No fim do século XX, servindo como um suporte a todos os conteúdos passados e presentes do jornal, do rádio, da TV e do cinema, a internet se tornaria um instrumento político capaz de provocar guerras civis (Ucrânia e Líbia, por exemplo) de desestabilizar governos (Dilma Rousseff e Michel Temer).

A internet é neutra. Mas os usuários dela não são. Apesar de ter pouco tempo de existência, a rede mundial de computadores já foi utilizada tanto para fomentar a paz e o comércio quanto para instigar conflitos sociais e armados. Não foi por acaso que o renascimento do nazismo e do fascismo como forças políticas ocorreu justamente após o advento da internet.

Os meios tradicionais de construção da política (jornal, rádio, TV e cinema) são unidirecionais e sua propriedade é restrita aos que tem capital para construir e crédito para manter empresas de comunicação. Como podem ser responsabilizados pelos seus atos (ou censurados, dependendo do regime político), os empresários que ajudam a construir ou a destruir a política geralmente são cuidadosos e conservadores.

A internet é multidirecional. Qualquer pessoa pode conectar seu computador à rede mundial, produzir conteúdos e criar comunidades abertas ou fechadas. O monopólio do espaço político é incompatível com a arquitetura aberta da rede mundial. A irresponsabilidade de alguns políticos (como Jair Bolsonaro no Brasil, Marine Le Pen na França e Donald Trump nos EUA, por exemplo) ajudou a construir a crença de que na internet os nazistas e fascistas são livres para odiar. E que esta liberdade pode se expandir no mundo real.

Vivemos num mundo em transformação. O pós-guerra (segunda metade do século XX) se caracterizou pela rejeição ativa do fascismo e do nazismo no jornal, no rádio e na TV. A proliferação na internet das comunidades virtuais nacionais e até internacionais de nazistas e fascistas conseguiu dar proeminência aos políticos irresponsáveis que surfaram e surfam nesta nova onda.

No caso do Brasil, esta onda já começou a arrebentar no jornal, no rádio e na TV. Isto talvez explique porque figuras como Reinaldo Azevedo, Alexandre Frota, Lobão, Kim Kataguiri e Rachel Sheherazade ganharam proeminência nos meios de comunicação tradicional. O que eles tem feito? Além de desfrutar os privilégios que conquistaram, os novos porta-vozes da direita expandem continuamente a barbárie pregando a necessidade de contrair o espaço político.

Apesar do que consta na CF/88 acerca da liberdade de consciência e de expressão, a diferença ideológica, racial, religiosa, social, econômica, partidária se torna um crime imperdoável: “O PT tem  tiro na cabeça (Kim Kataguiri), “O contra-ataque aos bandidos é o que chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem Estado contra um estado de violência sem limite” (Rachel Sheherazade), “Dilma e Lula se odeiam, não se entendem” (Reinaldo Azevedo), “ela não falou nada, então pensei: vou comer” (Alexandre Frota), “Lula não serve e nunca serviu para ser presidente.” (Lobão). 

Frases proferidas em público incentivando a violência política ou popular, glorificando o estupro ou difundindo preconceitos sócio-econômicos são extremamente comuns na internet. Raramente alguém é processado, condenado e preso em virtude de usar a internet para cometer o crime de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional  (Lei 7716/89) ou de incentivar prática de ato criminoso (art. 286, do Código Penal). Mas elas eram incomuns nos outros veículos de comunicação.

A internet não nivelou por baixo. Quem fez isto foram as empresas de comunicação ao contratar ou dar visibilidade aos ideólogos que vocalizam a expansão da barbárie criando mensagens curtas, impactantes, irracionais e violentas empregando na maioria das vezes uma linguagem rastaquera. O efeito deletério destas mensagens é imenso, pois além de serem divulgadas no jornal, no rádio e na TV, elas também podem ser acessadas na internet, veículo que tem o potencial para provocar uma verdadeira transformação cognitiva:

“O influxo de mensagens competindo entre si, que recebemos sempre que estamos on-line, não apenas sobrecarrega a nossa memória de trabalho; torna muito mais difícil para os lobos frontais concentrarem nossa atenção em apenas uma coisa. O processo de consolidação da memória sequer pode ser iniciado. E, mais uma vez graças à plasticidade de nossas vias neurais, quanto mais usamos a web, mais treinados nosso cérebro para ser distraído – para processar a informação muito rapidamente e muito eficientemente, mas sem atenção continuada. Isso explica porque muito de nós achamos difícil nos concentrar mesmo quando estamos longe de computadores.” (O que a internet está fazendo com os nossos cérebros – A Geração superficial, Nicholas Carr, editora Agir, Rio de Janeiro, 2011, p. 265)

O que fazer? Francamente não sei a resposta se é que esta pergunta é pertinente e pode ser respondida. Meu forte não é a ação e sim a reflexão. Aqueles que tinham nas mãos os meios de produção do imaginário popular conduziram o planeta a duas guerras mundial. Impossível esquecer as famosas “armas de destruição em massa iraquianas” que se tornaram reais apenas porque esta frase foi repetida à exaustão por jornais, rádios e TVs norte-americanas.

Uma terceira guerra mundial eclodirá porque os barões da mídia foram pautados pela internet quando imaginavam estar pautando uma sociedade em transformação? A guerra civil brasileira vai começar antes ou depois da terceira guerra mundial? Algumas perguntas nem sempre podem ser respondidas. 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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