Acompanhe principais tópicos do novo Código Florestal

Por Lilian Milena

A votação do novo Código Florestal está prevista para o início de março, na Câmara dos Deputados. A proposta do Projeto de Lei (PLC) 30/2011 tem sido objeto de intensa discussão entre os setores ambientalistas e agropecuários, pois prevê alterações sensíveis em leis que obrigam donos de propriedades rurais a manterem um espaço para reserva florestal e para proteção do leito de rios e encostas. Se passar na Câmara faltará apenas a sanção presidencial para as mudanças entrarem em vigor.

O Brasilianas.org entrevistou o engenheiro florestal Ricardo R. Rodrigues, da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq/USP) e o gerente do Instituto de Estudos de Comércio e Negociações (ICONE), Rodrigo C. A. Lima. O primeiro contra as mudanças propostas no Projeto de Lei, o segundo a favor. Pedimos para que os dois argumentassem os principais tópicos de mudança do Código Florestal, com base numa tabela produzida por pesquisadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Entenda um pouco mais antes de seguir em frente na entrevista.

Estima-se que 90% dos produtores brasileiros transgridem, de alguma forma, o Código Florestal pelas dificuldades de cumprir as determinações legislativas. A lei atual estipula que proprietários em área de Mata Atlântica mantenham 20% da cobertura vegetal original. Donos de terras no Cerrado devem proteger 35% desse bioma. E, na Amazônia, o índice mínimo de preservação é de 80%.

Essas proporções de áreas preservadas são as chamadas Reservas Legais, estabelecidas em toda e qualquer propriedade rural. O Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) avalia que a RL garante a conservação e reabilitação dos processos econômicos indiretos, como amenização de cheias e da erosão, regulação do clima local, controle de pragas e proteção dos rios.

Já as APP (áreas de preservação permanente) são espaços com vegetação nativa, essenciais para conter processos de erosão ao longo de rios e mananciais. São classificadas junto aos corpos hídricos em geral (matas ciliares), topos de morros nas montanhas, serras, encostas e restingas. Proprietários de áreas classificadas como APP não podem alterá-las. O Código Florestal determina uma margem de preservação entre 30 metros e 500 metros de lado ao lado de um rio.

Ricardo Rodrigues entende que os governos são os principais responsáveis pela fraca implantação do CF, entretanto isso não justifica que, nos dias atuais, a legislação não possa ser aplicada, favorecendo inclusive o desempenho agrícola do país. O engenheiro agrônomo trabalha há pelo menos 20 anos com adequação ambiental em propriedades agrícolas.

Rodrigo Lima rebate destacando que uma linha de corte deve existir entre as exigências de ambientalistas e o que pedem os agropecuaristas. “Nunca vamos conseguir agradar todo mundo”.

Brasilianas.org – O Código Florestal de hoje permite que o proprietário faça a compensação de sua Reserva Legal fora da sua propriedade, contanto que isso seja feito o mais perto possível de onde ocorreu o desmatamento, ou seja, no mesmo ecossistema, mesma microbacia. Já o Projeto de Lei coloca a possibilidade da compensação da área de Reserva Legal ser feita longe da propriedade e não na mesma microbacia, contanto que seja no mesmo bioma. Qual é o problema dessa proposta?

Ricardo Rodrigues – Primeiro, ao permitir que essa compensação seja feita longe da propriedade, no mesmo bioma, sem qualquer regulamentação dessa área pertencer ao mesmo Estado o Projeto de Lei está induzindo uma corrida que será liderada pelos grandes proprietários para compra de terras mais baratas, mais fáceis e que já estão ocupadas com florestas. Isso não vai conseguir atender a tudo mundo. Os grandes vão resolver seu passivo, mas vai sobrar o passivo dos pequenos e médios que acabarão tendo que adquirir áreas de maior valor ou áreas em florestas para restauração.
Segundo, nós defendemos o aproveitamento do mercado da compensação, sistema que permite a distribuição de recursos dos grandes em relação aos pequenos. Ao longo da história os pequenos acabaram sendo deslocados para as áreas de menor aptidão agrícola. Não é difícil provar, pois não se vê nenhuma grande empresa agrícola na Serra da Mantiqueira, na Serra do Mar, em regiões mais montanhosas, por exemplo. No esquema do mercado de compensação o grande que, historicamente, ganhou mais recursos e teve maior retorno econômico com a terra pelo fato de se estabilizar numa área de maior aptidão agrícola, passaria a pagar para o pequeno agricultor, da sua região, para fazer a compensação da reserva.

Rodrigo Lima – O argumento de quem fala que dá para fazer a compensação sem necessidade de mudar nada, se torna frágil quanto à compensação na microbacia. Isso vai continuar podendo ser feito, mas não existe demanda para acolher todo o déficit de reposição que temos, próximos às propriedades. Segundo, o que na prática a reforma está fazendo é criar alternativas para o cumprimento da Reserva Legal ao expandir a compensação para o bioma.
O que poderá ocorrer quando o novo código for aprovado, é sim uma corrida para se achar áreas do bioma para comprar ou arrendar como Reserva Legal. E isso irá contribuir para manter mais áreas verdes e próximas dentro da seguinte lógica: se eu tenho cumprido minha APP e RL, e tenho mais reserva em pé, posso arrendar o resto para outro proprietário para cumprir sua demanda de RL. O fato da compensação proteger áreas que poderiam ser legalmente devastadas é um ganho.
Terceiro, para você colocar sua área excedente que poderia ser desmatada legalmente para compensar o que eu estou devendo, terá que fazer o Cadastro Ambiental Rural, que não é automático junto com a aprovação do código, porque é um programa que está sendo desenvolvido ainda, que necessitará de todo um sistema de informação por trás. A formalização disso vai demorar, ao que tudo indica, pelo menos um ano para mais.

Brasilianas.org – Outro tópico de mudança diz respeito a áreas de pousio, ou seja, que, pela lei em vigor, representam áreas onde o plantio ocorre em sistemas de rotação de culturas e está relacionado ao uso de solo por produtores familiares ou de população tradicional. No Projeto de Lei as “áreas de pousio” podem ser atribuídas a todos os tipos de propriedades rurais.

Ricardo Rodrigues – A definição do pousio é o que vai viabilizar a proposta de áreas consolidadas dentro do Projeto de Lei. Então, se o pousio é qualquer coisa que está abandonada, em qualquer tempo, dez ou vinte anos, o produtor de má fé vai poder falar que uma capoeira que está em área de preservação permanente, já quase floresta, é um pousio.
O que entendemos como pousio? Exatamente isso que você falou, um espaço que faz parte de uma das etapas do sistema de produção por rotação de área mas, com um intervalo muito claro, que não passa de cinco ou dez anos. Fora esse tempo, é abandono de área, ou porque não é do sustento do proprietário, porque é produto de especulação ou para qualquer outra atividade que não é agrícola.

Rodrigo Lima – Esse é um ponto delicado mas, novamente, trago a questão do Cadastro Ambiental Rural para a discussão. O seu objetivo, no contexto do projeto de lei, é ter informações sobre a propriedade, seus limites e suas informações ambientais: quanto tem de reserva legal ou de APP, assim como o que devo cumprir. Isso vai estar atrelado nos planos de legislação ambiental. Se você ler o parágrafo sobre o Cadastro Ambiental Rural, verá que o propósito é que seja uma ferramenta de gestão com informações das propriedades. Isso será possível se efetivamente ele for implantado. Daí entra o papel do governo, primeiro de criar o cadastro de forma rápida, como uma ferramenta robusta e que os órgãos ambientais e estaduais tenham capacidade e pessoas treinadas para manejar isso.
O novo código fala que todos as propriedades rurais tem que ser cadastradas. Mas fala também que a partir do momento que o cadastro for colocado no ar o produtor terá um ano para se cadastrar, prorrogável por mais um ano.
Digamos que, em um ano, 2013, o site esteja no ar com tudo em ordem. Paralelo a isso o novo código prevê o PRA, ou o Plano de Regularização Ambiental, que a União terá que trazer com os critérios mínimos, baseados no novo código, de proteção de água e solo – isso como está no texto que voltou do Senado. Portanto, o Cadastro Ambiental Rural irá gerar uma nova demanda permanente: o proprietário terá que imputar os dados no sistema e órgãos estaduais ou federais terão que verificar se está tudo correto para depois apontar se haverá necessidade de compensação ou se o produtor precisará se regularizar.

Brasilianas.org – O que você acha da diminuição do controle legal atribuído ao Conselho Nacional de Meio Ambiente – Conama? No Código Florestal atual o Conama tem o poder de regular a remoção da vegetação nativa em Áreas de Preservação Permanente e nas Reservas Legais para ate´50% da propriedade, isso na Amazônia Legal. O projeto de lei tira essa responsabilidade do conselho e dá poder para os estados estabelecerem as atividades que justificarão a regulação de áreas desmatadas.

Ricardo Rodrigues – Ao longo dos anos o Conama teve que atuar porque o Código Florestal, na verdade, foi praticamente esquecido pelos governos. Ele deveria ter sido atualizado há mais tempo. O que eu quero dizer é que não é porque o Conama teve que atuar fortemente sobre o Código Florestal que temos que alterar ou tirar poder dele.
Segundo, quando falam em retirar do Conama essa decisão e jogar para os estados, essas questões correm risco de sofrerem maiores pressões políticas. Temos vários exemplos disso, como em Santa Catarina onde o governador, muito mais sujeito às pressões locais do que um órgão federal que é técnico, diminuiu de 30 metros para 7,5 metros as áreas de APP.

Rodrigo Lima – Isso decorre de uma longa história que diz respeito a questão de competências. O texto do Senado salientou bastante esse ponto, de que a competência ambiental sofre concorrência entre União, estados e municípios. A casa recorre a pontos da Constituição Federal [de 1988] que fala que estados tem o poder de criar seus próprios órgãos de regulamentação, e tira esse poder do Conama. A questão da competência é um grande problema em matéria ambiental. Então é melhor que o texto do novo código deixe claro quem é o responsável, do que depois vir uma enxurrada discutindo a competência ambiental. Por isso estabelece que o estado crie seu órgão de regularização desde que respeite a decisão vinda da União, que tem obrigação de trazer a base. E isso, irá depender do PRA da União ser consistente e capaz de blindar possíveis exageros dos estados. O texto do Senado coloca que a União terá 180 dias para produzir o Plano de Regularização Ambiental, após a aprovação na nova legislação.

Brasilianas.org – A legislação em vigor obriga todos os tipos de propriedade a manter ou restaurar suas Reservas Legais. No caso de pequena propriedade, familiar ou tradicional é permitido que isso seja feito com árvores frutíferas, exóticas (ou seja, que não são típicas daquele bioma) ou comerciais. Já no projeto de lei todas as propriedades de até quatro módulos fiscais, isso é de 20 a 440 hectares, ficam isentas de restaurar as Reservas Legais. Além disso, o substitutivo desobriga as demais propriedades restaurarem suas RL caso o desmatamento tenha ocorrido antes de 22 de julho de 2008. Bom, como será possível rastrear quais propriedades desmataram ou não antes dessa data?

Ricardo Rodrigues – Não tem nenhum apelo importante essa data de 2008. Se tivesse que ter uma data, do meu ponto de vista, seria mais razoável, pelo menos, 2001, quando baixada a Medida Provisória de Crimes Ambientais.
Mas, tirando isso, o que precisa ficar muito claro nesse discurso que dispensa as propriedades de até quatro módulos fiscais de recuperarem a RL é que nós não temos propriedades, com raríssimas exceções, que tenha possibilidade de usar 100% de sua área com atividade agrícola tecnificada. As áreas agrícolas, geralmente, não representam 100% da propriedade pela questão do tipo de solo, declividade, encharcamento etc. Logo, é comum em qualquer propriedade, ter áreas de maior aptidão agrícola, e áreas de menor aptidão agrícola.
E a proposta da Reserva Legal é exatamente isso, é uma alternativa de produção agrícola florestal nessas áreas de menor aptidão agrícola que, geralmente, tem maior aptidão florestal.
Isentando propriedades de até quatro módulos, vão sobrar um monte de áreas abandonadas na mesma propriedade e, logicamente, vão continuar sendo utilizadas com alguma atividade, mas de baixa produtividade. Não vale a pena do ponto de vista econômico.

Rodrigo Lima – A definição da data foi um acordo político por conta do decreto que falava da averbação das áreas de APP e RL, com multa para o proprietário que não cumprisse o registro em cartório. Isso gerou toda a pressão pela reforma e a promulgação da aplicação desse decreto no governo Lula e agora da presidente Dilma, que vence em março deste ano.
Em relação à data, sinceramente não gosto do que está no texto, que a RL para as áreas de até quatro módulos será composta pela reserva que ela tem desde 22 de julho de 2008. Logo se até então não tinha nada de RL, então não sou obrigado a repor também, ou se eu tinha alguma reserva e depois eu desmatei, preciso recuperar aquele montante. Mas, para saber o quanto era eu preciso de fotos, de provas para comprovar, o que é difícil justamente para as pequenas propriedades. Isso cria uma obrigação para o poder público. Então, o critério não é legal porque não é fácil de ser implementado. O que não quer dizer que as propriedades de até quatro módulos fiscais não precisem ter RL. O importante nessa questão do desmatar é que ela precisa ser lida juntamente com o que é regularização. Todo mundo que vai se beneficiar com essa medida, conforme a data de 2011, não vai poder derrubar novas áreas naquela propriedade. Não é isso que o projeto de lei diz.

Brasilianas.org – O Código Florestal, hoje, permite o plantio de espécies exóticas (que não pertencem ao bioma onde a propriedade se localiza) apenas temporariamente. Já o projeto de lei permite a restauração de áreas de PL com o uso de espécies exóticas em até 50% da área.

Ricardo Rodrigues – O texto trata de espécies exóticas dentro do conceito florestal. Primeiro, como é uma espécie exótica, não deveria estar na RL (geralmente de menor aptidão agrícola) e sim na área agrícola. Segundo, se você abriga metade  da ocupação com espécie exótica está, novamente, perdendo uma enorme possibilidade econômica. Pense no eucalipto, por exemplo, ou em qualquer espécie exótica. A possibilidade de ter um valor comercial menor do que uma espécie nativa plantada é enorme! É só ver o preço do metro cúbico do eucalipto comparado  com o preço do metro cúbico de uma espécie nativa.
Essa decisão do projeto de lei não tem sentido porque, na verdade, prejudica o agricultor, ao invés de facilitar, porque se está falando de uma área de menor aptidão agrícola e você vai colocar uma espécie exótica que vai ter um rendimento menor comparado com o possível rendimento de uma espécie nativa.

Rodrigo Lima – Na realidade isso será bem interessante porque se você estiver devendo RL poderá recuperar ou compensar pelo menos 50% dessa área com espécies exóticas, como eucalipto, uma frutífera, enfim. A escala dessa recuperação com exótica realmente é menor do que de espécies nativas. Tem várias questões ainda, como de manejo, por trás disso. Enfim, essa alternativa existe, mas não dá para saber se ela vai ser a grande alternativa para todo mundo. É só uma alternativa a mais que vai servir para algumas pessoas e para outras não na hora de haver a compensação de área de RL perdida.

Brasilianas.org – Um ponto de maior discussão quanto ao projeto de lei é a diminuição de áreas protegidas ao longo dos rios. O Código Florestal vigente prevê a conservação de 30 metros, lado a lado, em rios de até 10 metros de largura. O projeto de lei alterou essa medida para 15 metros nas áreas rurais consolidadas. Além disso, o cálculo da medida de áreas protegida passaria a ser feito do leito regular, e não do leito das cheias, como estabelece o CF atual.

Ricardo Rodrigues – Bom, um monte de APPs ficarão longe da preservação, principalmente num projeto de lei que reforça, em vários parágrafos, a importância dos recursos hídricos, do solo e água. Tanta incoerência! O que temos que destacar é que 90% da malha hidrográfica do Brasil é composta por rios com menos de 10 metros de largura. Segundo, o cálculo feito a partir do leito regular aumentará a quantidade de perdas agrícolas feitas nessa faixa durante o período de inundação. Terceiro, são áreas que não são possíveis de recuperação, porque são o próprio leito do rio.

Rodrigo Lima – Houve um acordo em relação a isso, e sinceramente, não sou cientista para dizer a melhor forma de se fazer esse cálculo. O código é um processo de negociação e interesse e é importante recuperar certas áreas porque são sensíveis. Nós entendemos, não estou falando da questão do leito, que da forma que saiu do Senado esse trecho é interessante. Você não exige 100% da recuperação, mas também não abre a porta de todo. Então manter 15 metros é algo bastante razoável, porque tem uma pressão muito grande para que não exista obrigação nenhuma de recuperar áreas ao longo dos rios.  

Brasilianas.org – Nesse sentido, a proteção em topos de morros também corre riscos. A atual legislação prevê preservação em topos de montanhas com altura mínima de 50 metros e de encostas com porção mais inclinada de pelo menos 17º. O projeto de lei altera para 100 metros a altura mínima de montanhas e a declividade para 25º.

Ricardo Rodrigues – Esse ponto o Projeto de Lei elimina praticamente todas as áreas de preservação permanente em topos de morros. Segundo, no Brasil é raríssimo uma área atingir inclinação média de 25º e as que sobrarem serão áreas de baixíssima aptidão agrícola e que não deveriam ser ocupadas, mesmo. Aliás, todos os casos de escorregamento no Rio de Janeiro, ano passado, foram decorrentes de ocupação e produção nessas condições fora dos parâmetros do Código Florestal.  
Bom, por não ser de boa aptidão agrícola espaços com alturas grandes e declividade grande, vejo que nesse ponto não haverá nenhuma preocupação relacionada aos grande produtores. Nenhum usineiro vai reclamar disso, produtor de laranja ou sojicultor. A única atividade capaz de produção nessa situação é do eucalipto e, mesmo assim, é mais interessante você ter nativas nessas situações, fazendo um papel ambiental e, principalmente econômico.
Precisamos pensar que o mercado de nativas está aí e é histórico. É só ver a quantidade de madeira que consumimos da Amazônia e de espécies nativas que não estamos plantando.

Rodrigo Lima – Primeiro, o texto do PL reconhece a ocupação dessas áreas desde que não sejam áreas sensíveis e perigosas, e desde que mantenha os critérios de manutenção do solo e da água. Esse ponto, exige o trabalho técnico de avaliação, novamente o papel do Estado. Agora tem produções nessas localidades importantes, como uva, arroz, café, o que gera uma necessidade de se chegar a uma solução equilibrada. E não sei até que ponto, políticamente, seria factível a criação de leis específicas para essas culturas.
Eu costumo dizer que uma linha de corte vai existir, e essa linha de corte nunca vai agradar todo mundo.

Brasilianas.org – E sobre a diminuição da Reserva Legal? O cômputo das APPs no cálculo das RLs só é permitido, no atual Código, em propriedades em que a soma das APPs e RLs excedem a 80% da propriedade rural localizada na Amazônia, 50% nas propriedades rurais localizadas em outras regiões, e 25% em pequenas propriedades. O projeto de lei permite o cômputo das APPs no cálculo da porcentagem de RL em qualquer tipo de propriedade. Ou seja, se você tem uma área de APP que represente 9% de sua propriedade, precisará manter a floresta (ou recuperá-la) em apenas 11% do sua área, para completar os 20% de RL como manda a legislação para bioma de Mata Atlântica, por exemplo.

Ricardo Rodrigues – Com isso você diminui em pelo menos 10% a área de RL em todo o Brasil e, ainda, perde um belíssimo instrumento de proteção de reserva remanescente. Vão restar reservas em áreas de baixa aptidão agrícola, que já estão com florestas, mas que vão perder o único instrumento de proteção que tínhamos para elas. E, novamente, você mexe no mercado de compensação.
O agricultor que está deslocado, que está na Serra da Mantiqueira, que não consegue produzir porque sua área é de baixa aptidão agrícola e que tem florestas, consequentemente, vai perder oportunidade de receber por ter mantido suas florestas por compensação, porque foi reduzida a demanda da Reserva Legal.
Se pensarmos tecnicamente, a agricultura no Brasil nunca vai conseguir ser aplicada em 100% da área. No Sudeste, Sul ou Nordeste, esse número de 70% de área para exploração/produção, sendo o restante para APP (10%) e Reserva Legal (20%) é muito próximo da realidade. Com esse projeto de lei, estamos diminuindo área de proteção de florestas e não estamos interferindo em nada na questão agrícola. Muito pelo contrário, vamos aumentar área agrícola de baixa produtividade.

Rodrigo Lima – Se a gente for perguntar para um biólogo qual é mais importante, se APPs ou RL, considerando as funções ambientais mais relevantes, provavelmente irá escolher as áreas de preservação permanente. Essa medida, de incluir as APPs no cômputo das RLs, exige que você mantenha sua APP e cuide dela. Então novamente é uma outra alternativa para facilitar o cumprimento dessas áreas. Agora, um ponto importante é que ao contar sua APP na RL você não poderá mais desmatar. Por exemplo, digamos que eu tenho os 10% da minha APP e 20% de RL, então vou desmatar 10% da reserva legal. Não pode!
Todas as alternativas para o cumprimento das regras previstas no novo código, como essa, exigem que você não desmate.  

Brasilianas.org – Sobre o tópico de permissão de atividades danosas em áreas de preservação permanente, APPs. A legislação vigente não permite de maneira alguma essas atividades, enquanto o projeto permite atividades agrossilvopastoris, ou seja, a associação da mata nativa com o cultivo de plantas e criação de animais. Existem produções que são tipicamente feitas nesses espaços, como plantação de arroz, laranja e café. Como resolver isso?

Ricardo Rodrigues – Volta a questão quando falamos do Conama. O café no morro, em São Paulo, o arroz próximo ao leito dos rios, no Sul, e a uva em Santa Catarina, são situações que se encaixam nessa situação, de culturas que necessitam desses ambientes. Logo, deveriam existir legislações específicas para elas e esse é o papel do Conama.
É correto que essas culturas não podem ser prejudicadas por conta do Código Florestal, mas temos que pensar que todas elas representam apenas 6% de toda a atividade agrícola do Brasil, e estamos mudando os 94% por causa delas! Além disso, o projeto de lei também regulariza 90% de pastos que se encontram em áreas de APP, mas essa atividade não depende dessas regiões para terem boa produtividade.

Rodrigo Lima – A verdade é que esse novo texto tenta regularizar toda essa situação. Eu só enxergo a ideia anistia, dentro da nova legislação, quando você toca no exemplo das propriedades de até quatro módulos fiscais e no caso do desmatamento ter sido anterior a 22 de julho de 2008. Mas eu prefiro tratar isso como regularização e não anistia. Preciso ter essa linha de corte. Por que estou mudando a lei? Porque ela não é possível de ser implementada.

Brasilianas.org – Os manguezais são protegidos na legislação atual, só podem ser comprometidos em caso de utilidade pública. No projeto de lei a remoção desse tipo de vegetação já é permitido caso sua função ecológica esteja comprometida. Além disso a proposta estabelece atividades econômicas tiradas desses ambiente, desde que a área ocupada em cada estado no bioma amazônico não ultrapasse a 10% e a 35% nos demais biomas ainda preservados.

Ricardo Rodrigues –  Agora, nessa última proposta que saiu do Senado conseguimos, pelo menos, incluir os mangues como APP, porque antes não estava na proposta da Câmara dos Deputados e corre o risco de ser retirada novamente. O interesse principal desse ponto no PL é imobiliário, não a questão agrícola/produtiva, muito menos ambiental.

Rodrigo Lima – O que eu posso dizer é que esse texto do Senado conseguiu fazer com que o mangue entrasse como APP, sendo que no texto que veio da Câmara isso havia sido retirado. Isso é um ganho. E acho que não corre mais o risco de novamente na Câmara, voltarem atrás.

Brasilianas.org – Em relação às encostas. Hoje, o Código Florestal não permite desmatamento em encostas entre 25 e 45 graus de inclinação. Enquanto o projeto de lei permite se tiverem atividades já consolidadas nesses espaços. Que ganho econômico teremos com essa mudança?

Ricardo Rodrigues – A atividade consolidada aí vai ser uma pecuária de baixa produtividade. É isso que o novo código florestal está fazendo: consolidando áreas de baixa produtividade em vez de fazermos o inverso, de aumentar a produtividade com atividades de maior vocação. Quando temos atividades pecuárias de baixa produtividade, o que deve ser feito? Dar orientação técnica para esse pecuarista, reduzir sua área de melhor aptidão agrícola ocupada com gado, para ser ocupada com outras atividades mais rentáveis. Dessa forma, estamos melhorando a qualidade ambiental da propriedade e a vida do proprietário tirando-o da marginalidade. Com o projeto de lei o que se faz é o oposto, deixando-o com uma cultura de subsistência, dependente do Bolsa Família.

Rodrigo Lima – É importante destacar, novamente, que não serão gerados novos desmatamentos, é para fins de regularização de áreas já consolidadas.

Foto: Agência Brasil

 

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