Após 30 anos, acusado de agenciar o assassinato de Vicente Cañas é condenado

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Missionários, sobrinhos de Vicente e assessoria jurídica após a leitura da sentença. Foto: Guilherme Cavalli Cimi

do Cimi

Acusado de agenciar o assassinato de Vicente Cañas é condenado a 14 anos e 3 meses

por Guilherme Cavalli

Ronaldo Osmar, acusado de agenciar a morte de Vicente Canãs em abril de 1987 foi condenado pelo tribunal do júri a 14 anos e 3 meses de reclusão em regime inicial fechado. Em continuidade ao julgamento iniciado ontem, 29, o júri popular acompanhou na manhã de hoje as sustentações orais que direcionam ao réu Ronaldo Osmar a responsabilidade de agenciar a morte de Vicente Canãs e decidiu no fim da tarde pela condenação do ex delegado da Polícia Civil de Juína, localidad onde ocorreu o crime. 

“Não é coincidência que um homem magro, barbudo, tenha sido martirizado pela demarcação das terras indígenas. A história se repete há mais de dois mil anos”. Vicente Canãs, missionário espanhol que se fez Enawenê Nawê, estava nu quando foi covardemente assassinado. Nu vai além da condição de unicamente despido. No sentido figurativo da afirmação, encontrava-se sem nenhuma proteção. Vitimado por uma emboscada arquitetada pela ganância. A morte de Jesus foi confirmada com uma perfuração no abdômen pela lança de um soldado romano. Vicente foi encontrado em terra com uma perfuração na mesma região daquele que seguia. 
“É uma causa da sociedade, de justiça e memória”, sustentou Ricardo Pael, procurador do Ministério Público Federal. “A importância desse julgamento vai além do Brasil e do Mato Grosso. Esse júri faz memória a história de colonização do Brasil, que foi violenta. A polícia do local do assassinato, responsável pela investigação, omitiu sua função. Desconsiderou a história de violência e a realidade. Nenhum fazendeiro foi inquerido na época”. 

 

 


Sobrinhas e sobrinho juntos de Thomas, amigo e companheiro de Vicente
. Foto: Guilherme Cavalli Cimi

“Estamos muito contente. Isto abre um precedente impressionante no país para julgamentos de impunidade contra os povos indígenas. Depois de tantos anos de espera, é uma grande alegria saber que Vicente, meu tio, continuará o caminho para a proteção dos povos através do julgamento”, afirma Rosa Cañas, sobrinha de Vicente.

O Condenado

À época, Ronaldo Osmar cumpria designação em cargo público junto a Delegacia de Polícia de Juína, localidade do crime que tirou a vida de Vicente Cañas. Documentos anexados aos autos do processo e trazida na sustentação do crime pelo Ministério Público Federal questionaram a omissão do ex delegado na investigação. “Era conhecido o conflito fundiário na região. As terras dos Enawenê Nawê eram desejadas por fazendeiros e madeireiros e viam em Vicente uma ameaça, uma força aos indígenas que pediam para demarcação. Contudo, mesmo sabendo disso, nenhum fazendeiro foi investigado”, sustentou Pael, procurador federal. 

 

 

 

 

 

 

Ronaldo é o último envolvido no crime ainda vivo. Foto: Guilherme Cavalli Cimi

“O réu intermediou os interesses dos fazendeiros. Agiu para eliminar o empecilho dos interesses fazendeiros. Além de arregimentar o grupo que assassinou, orientou como proceder”, continuou o procurador. “A morte de Vicente foi pega pelos interesses de exploração das terras. Se utilizavam da força da polícia para cometer crimes”. Eram recorrentes as conversas que rondavam na região de Juína sobre o pedido de extradição do Vicente por parte de fazendeiros e madeireiros. 

Assim como o líder religioso que andou em Nazaré e por toda a Galileia, memória recordada pelo promotor da república Ricardo Pael, Cañas cumpriu o chamado profético de denunciar as injustiças, a morosidade nas demarcações, a invasão às terras indígenas. Pós em evidência os gemidos da periferia e por isso é mártir da demaração dos Enawenê Nawê. As galileias modernas são outras, contudo, consistem as vítimas que ousam as denunciar. 

Profetismo e perseguição

Constantemente, o corpo de defesa levantou a especulações de que organizações religiosas lançara as provas sobre o assassinato do missionário jesuíta. “As provas foram produzidas unicamente por particulares, Operação Anchieta, Fundação Nacional do Índio e Conselho Indigenista Missionário”, sustentaram incansavelmente os advogados e criminalistas conhecidos por advogar aos grandes. 

 

 


Antes do julgamento, indígenas que conviveram com Vicente realizaram um ato em memória do missionário.

 

 

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

8 Comentários

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  1. Desproporção

    Quando fico sabendo as penas a que assassinos são condenados, sempre penso no Zé Dirceu, cujas penas somadas são mais que o dobro disso.

    Esse é o preço que uma pessoa como ele paga por se posicionar contra a desigualdade social neste país. 

    É de uma injustiça atroz. 

  2. Se delatar o Lula, ele será premiado com a impunidade

    Porque o MP e o Judiciário não propõem ao assassino o prêmio da impunidade em troca da delação do Lula?

     

  3. Nós somos a Lei, diz o fascista

    Depois de 30 anos o arquiteto do assassinato é condenado a 14 anos. Os demais criminosos já morreram…

    Enquanto isso, o Almirante Othon foi condenado a 43 anos por corrupção NÃO provada…

    Cidadão OTÁRIO

    é aquele que ainda crê

    no sistema JUDICIÁRIO…

     

  4. Nota do Cimi sobre a condenação.

    Prova de Amor maior não há, que doar a Vida pelo Irmão (Conf. João 15, 13)

    Nota sobre a condenação do acusado por agenciar o assassinato do missionário Vicente Cañas

    Fonte da notícia: Assessoria de Comunicação do Cimi

    O Conselho Indigenista Missionário saúda a decisão do júri popular que, nesta quinta-feira, 30 de novembro de 2017, condenou a 14 anos e 03 meses de prisão, em regime fechado, o acusado pelo agenciamento de pistoleiros que mataram o missionário jesuíta e membro do Cimi, Vicente Cañas, em 1987, na cidade de Juína (MT). Vicente atuava com o povo Enawenê Nawê quando foi brutalmente assassinado. Mesmo que transcorridos 30 anos da morte, a condenação do único acusado ainda vivo é um alento para todos os membros do Cimi, especialmente para  aqueles que conheceram e conviveram com o irmão Vicente. 

    Num contexto caracterizado pelo crescimento exponencial das ameaças aos direitos e à vida de lideranças indígenas e agentes indigenistas, a condenação em questão serve como uma luz a mostrar que o caminho da impunidade pode ter um limite. Consideramos que a decisão do júri popular realizado na Justiça Federal de Cuiabá (MT) servirá como forte instrumento político inibidor de novos casos de assassinatos de defensores de direitos humanos naquele estado e nas demais regiões do Brasil. 

    Esperamos que as demais instâncias do Poder Judiciário mantenham a decisão ora anunciada. 

    O Cimi reconhece e agradece o empenho do Ministério Público Federal, de modo particular a todos os Procuradores da República que se envolveram e dedicaram seu empenho neste processo judicial ao longo destes 30 anos. Agradece, ainda, todas e todos os advogados e membros do Cimi e de outras organizações que acreditaram e buscaram a justiça, com esperança, nestas três décadas. 

    Que a vida e o martírio de Vicente Cañas continue servindo como inspiração à missão entusiasmada e comprometida com os projetos de futuro e com a vida dos povos originários em nosso país.
     

    Brasília, DF, 30 de novembro de 2017
    Conselho Indigenista Missionário

    1. Comentário:

      “Esperamos que as demais instâncias do Poder Judiciário mantenham a decisão ora anunciada”. 

      Nós, os de boa vontade, também esperamos, mas esse é o Poder dos de má vontade: 30 anos de impunidade que o digam. 

  5. Essas juizas e procuradoras

    Essas juizas e procuradoras de tailleur europeu e duas  voltas de pérolas no pescoço, esses juizes de fala empolada e terno de Miami, esses policiais autoritários não tem vergonha de ver um crime cometido em 1987 ser julgado somente agora?

    Essa gente que vive cavando boquinhas para seminários lá fora não tem vergonha de encarar profissionais da lei e da justiça de paises mais sérios do que esse infeliz Brasil? Ou essa gente, assim como no trabalho indecente que praticam, não participam dos seminários mas somente das “boquinhas” que lhes proporcionam?

     

     

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