As discussões sobre a política industrial

Do Valor

A política industrial e a caixa preta do BNDES

Sergio Leo
26/07/2010 

Ser grande não é sinônimo de eficiência: a Telmex, gigante telefônica do México, com seu dono multibilionário e seus serviços risíveis, é uma prova multinacional desse argumento. Por isso, o empenho do BNDES em anabolizar certos campeões nacionais, especialmente no setor de frigoríficos, merece as dúvidas levantadas por especialistas, um dos quais se destaca pela precisão com que cobra explicações ao governo para a lógica das intervenções do banco no setor industrial. É o economista Mansueto Almeida, do Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea), que lembra sempre o caso da Telmex, citado acima.

No bate-boca maniqueísta em que às vezes se degenera a discussão sobre o papel do Estado no desenvolvimento de setores industriais, há quem classifique Mansueto entre os inimigos da política industrial. Coisa que ele não é; pelo contrário. O economista levanta questões pertinentes, até agora sem resposta adequada do BNDES, que, como destaca Mansueto, tem liberado dezenas de bilhões de reais a grandes empresas competitivas com agilidade que falta, infelizmente, na gestão dos fundos setoriais de apoio à inovação e tecnologia destinados a empreendimentos necessitados de apoio oficial.

ManMansueto se queixa de que é difícil acompanhar os resultados da política industrial brasileira, até porque o que está previsto na chamada PDP, Política de Desenvolvimento Produtivo do governo, não é exatamente o que o BNDES vem fazendo com o vigor de sua volumosa musculatura financeira. Os defensores da ação do BNDES dizem que o economista confunde os dois papéis do banco, o de agente de desenvolvimento e o de instituição financeira de mercado. Os bilionários empréstimos a empresas como JBS Friboi e Marfrig, por exemplo, estariam na carteira de aplicação financeira, não no balcão da política industrial.O BNDES defende o investimento argumentando que será enorme sua capacidade de geração de divisas e emprego. É a política de fortalecimento de “campeões nacionais”, que, como critica Mansueto, é a menos transparente e institucionalizada das facetas da política industrial – embora seja a que canalize maior proporção de recursos públicos, e com menos burocracia. Qual a meta para essas “campeãs”? Em que setores deverão existir? Qual a medida de seu sucesso ou insucesso? Foram perguntas, sem resposta, levantadas pelo economista em seminário promovido pelo Cindes, no Rio de Janeiro.

Na PDP, a política industrial oficial, o economista identifica lá, entre as metas setoriais: 1) Consolidar o Brasil como o maior exportador mundial de proteína animal; 2) Fazer do complexo carnes o principal setor exportador do agronegócio brasileiro. A PDP arrola entre seus desafios “ampliar o acesso a mercados com eliminação das barreiras comerciais; melhorar o status sanitário da pecuária nacional; modernizar e ampliar a infraestrutura logística; garantir o abastecimento de insumos para a produção animal; aumentar o número de matrizes no rebanho nacional; e agregar valor à carne exportada”.

Não há nada que informe como ajuda alcançar essas metas a transformação do principal banco de fomento brasileiro em sócio de grandes grupos frigoríficos (não todos, alguns, escolhidos por critérios obscuros). Por uma infeliz coincidência, as carnes brasileiras passaram a enfrentar barreiras nos EUA e na Rússia, neste ano, após autoridades sanitárias terem encontrado problemas na carne exportada por essas empresas beneficiadas pelo BNDES.

Os críticos das preferências do BNDES em relação a certos grandes empresários já argumentavam que a concentração do setor de carnes não seria garantia de abertura de mercados, nem de melhoria na produção. O embargo russo após a visita a frigoríficos dos escolhidos do banco e o veto americano após a identificação de excesso de vermífugo Ivemectina no produto da JBS Friboi indicam que o dinheiro do BNDES não foi acompanhado de cobranças efetivas de resultados; a auto-suficiência de dirigentes públicos aliou-se à arrogância dos empresários favorecidos e esbarraram, ambas, na implacável severidade das autoridades sanitárias estrangeiras.

Mansueto critica o excessivo grau de abstração das metas da política industrial e pergunta por que o governo não fixa metas individuais para as empresas favorecidas pelos recursos públicos, como na Coreia. O BNDES, nota ele, não se limita a dirigir às empresas do tradicional setor agropecuário a esmagadora parcela de seus empréstimos ao setor privado; ele se torna sócio importante dessas empresas, como no caso da JBS Friboi, em que adquiriu, por cerca de R$ 7,5 bilhões, 99,9% das debêntures lançadas em mercado – desprezadas pelos investidores privados, na ocasião.

Enquanto isso, os desembolsos oficiais dos fundos destinados a inovação e tecnologia são retidos para formar o superávit do governo e submetidos a pesada burocracia. Falta maior transparência na atuação do BNDES como um dos principais agentes da política industrial brasileira. E, enquanto ela não vem, é plausível afirmar que falta eficiência, também.

Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas

E-mail: [email protected] 

Luis Nassif

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