As negociações pela Comissão da Verdade

Nassif:

Nada melhor para o país que uma ala de oposição responsável.

Do iG

Com Amorim, Comissão da Verdade volta à estaca zero, diz oposição

Líderes condicionam apoio para acelerar tramitação de projeto à “postura” do novo ministro, a quem consideram “ideologizado”

Fred Raposo, iG Brasília | 09/08/2011 07:30

Tratada como matéria de consenso até a semana passada, o projeto de lei que cria a Comissão da Verdade – com objetivo de esclarecer casos de violação de direitos humanos durante a ditadura militar (1964-1985) – pode sofrer atraso em sua tramitação na Câmara dos Deputados, depois que Nelson Jobim foi substituído por Celso Amorim no comando do Ministério da Defesa.

O motivo é que o ex-ministro havia costurado um acordo com a oposição para que o projeto tramitasse em regime de urgência constitucional na Casa. Mas Jobim caiu antes que o pedido fosse formalizado. Agora, os líderes oposicionistas decidiram retirar o apoio à urgência até conhecerem as “intenções” de Amorim à frente da pasta.

“O Jobim abriu uma negociação com oposição que estava bem avançada. Quase todos os líderes haviam concordado com a urgência. A manutenção ou não desse apoio vai depender agora da postura do Amorim”, diz o líder do DEM, deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (BA).

O novo ministro é acusado pela oposição de ser ligado à política partidária do PT e de ter apoiado, quando esteve à frente do Itamaraty, a aproximação do governo brasileiro junto à Cuba de Fidel Castro, à Venezuela de Hugo Chávez e ao Irã de Mahmmoud Ahmadinejad.

Jobim, enquanto esteve à frente da Defesa, havia se reunido, no primeiro semestre, com líderes do PSDB, PPS, DEM e da Minoria na Câmara. Na ocasião, traçou um histórico de como o ministério vinha tratando o assunto. Ouviu dos parlamentares que o projeto teria apoio da oposição desde que fosse mantido o caráter não persecutório da comissão.

“Queremos aprovar a matéria olhando para frente e não para trás”, afirma o líder do PSDB, deputado Duarte Nogueira (SP). “O nosso receio com Amorim é em relação a um comportamento ideológico fruto da tradição do Instituto Rio Branco. O ministro se deixou contaminar pelo viés ideológico do ex-presidente Lula, que colocava interesses do partido acima dos interesses do país”.

Nesta terça-feira, Jobim teria encontro com a bancada do PSDB sobre o andamento do projeto, que chegou ao Congresso em maio do ano passado. Amorim, que tomou posse da pasta ontem, cancelou a reunião. O líder tucano no Senado, Alvaro Dias (PR), afirma que o partido não tem posição definida.

“O PSDB está na estaca zero”, assinala. “A reunião tinha como objetivo tomar conhecimento da posição do ministro. Mas creio que a tendência é se analisar a proposta do governo e, principalmente, a justificativa do projeto”.

Alteração

Para o líder da Minoria na Câmara, deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), o ambiente de discussão é “favorável”. “Quero crer que o ministro Amorim terá postura diferente na Defesa”, afirma. “Ele será mais prudente, trabalhará em convergência com comandantes das Forças Armadas. Até porque, se por ventura quiser se arriscar, não terá ambiente interno”.

A oposição pretende levar ao novo ministro pelo menos uma sugestão, discutida com Jobim, de mudança no texto elaborado pelo Executivo. O deputado ACM Neto defende alteração no trecho que trata da indicação dos membros que vão compor a Comissão da Verdade. Pelo projeto, ela terá sete membros escolhidos pelo presidente da República.

“Entendemos que é fundamental que o Congresso indique parte dos membros. Isso não pode ser uma atribuição exclusiva do Executivo”, questiona ACM. Entre outros pontos, a Comissão buscará esclarecer casos de tortura, mortes, desaparecimentos e ocultação de cadáveres. Após ser instalada, ela terá prazo de dois anos para apresentar relatório com suas conclusões.

Do Valor

Cardozo vai negociar Comissão da Verdade

Raymundo Costa
09/08/2011

A presidente Dilma Rousseff aproveitou a troca de guarda no Ministério da Defesa e passou para o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a negociação sobre a criação da Comissão Nacional da Verdade para investigar a prática de crimes contra os direitos humanos na ditadura. Cardozo é ex-parlamentar, tem amplo trânsito no Congresso, inclusive no PSDB e Democratas e credibilidade na esquerda diretamente envolvida no projeto.

Um exemplo é a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), que tem restrições aos termos em que a negociação vinha sendo conduzida. Cardozo foi secretário de governo de Erundina quando a atual deputada era prefeita da cidade de São Paulo, na segunda metade dos anos 80. Além de Erundina, na trincheira dos que questionam o acordo negociado pelo ex-ministro Nelson Jobim estão o PSOL, algumas famílias de torturados, mortos e desaparecidos políticos e parte do PT, cuja principal expressão é o deputado Luiz Couto (SP).

A escolha da presidente faz todo sentido. O Ministério da Defesa é parte nesse processo, assim como a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, ocupada pela deputada do PT gaúcho Maria do Rosário. Logo, é boa política que uma das primeiras providências de José Eduardo Cardozo venha a ser uma conversa com os ministros Celso Amorim, empossado ontem na Defesa, e Rosário. 

Cardozo já demonstrou capacidade para desatar nós complicados, como ocorreu quando foi chamado para relatar o projeto de lei da Ficha Limpa, aprovado na Câmara contra as apostas de boa parte da banca. Como negociador, portanto, tem crédito. As tratativas para a criação da comissão têm se mostrado tão ou mais difíceis.

No curso da aprovação do Plano Nacional dos Direitos Humanos, onde sua criação é prevista, um general perdeu a cabeça mas Jobim conseguiu circunscrever a natureza da comissão ao caráter testemunhal, de resgate da memória e reparação às vítimas. Valeu-se, para isso, da interpretação de reciprocidade dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao texto da Lei de Anistia: quem depuser à comissão não sairá da sala de audiências na condição de réu.

A tarefa de Cardozo é urgente. Se não for resolvida agora, provavelmente permanecerá como assunto mal resolvido da política, enquanto for viva a memória dos que tombaram na luta contra uma parte do Estado que preferiu o terrorismo à lei para enfrentar a oposição.

Cardozo é a novidade nas mudanças operadas por Dilma na Defesa, o que não quer dizer que Jobim tenha perdido o cargo por causa da negociação da Comissão da Verdade. Desde o início Jobim demonstrava não se sentir muito à vontade no governo Dilma. Também teve desentendimentos burocráticos tensos com Antonio Palocci, quando o ex-ministro estava na Casa Civil.

O certo é que faltava confiança na relação da presidente da República com o ministro da Defesa, o que não a impediu de mantê-lo no cargo até que o próprio Jobim tornou inviável sua permanência no governo. Ao contrário do que deixou transparecer, Jobim queria ficar na Defesa, mas um encadeamento de declarações infelizes – feitas em diferentes momentos, mas publicadas em sequência – tornaram sua permanência impossível.

Salvo comentário de bastidor de um ou outro oficial de pijama, o nome de Celso Amorim foi bem recebido nas Forças Armadas. A experiência dos militares com diplomatas no comando das três Armas não é boa, mas José Viegas, o primeiro ministro da Defesa do ex-presidente Lula, saiu direto do Itamaraty para a caserna. Ex-chanceler, Amorim está há seis meses fora do governo. Suas primeiras declarações de apoio à Estratégia Nacional de Defesa e à manutenção dos programas de modernização em andamento agradaram os militares.

Amorim certamente terá dificuldades se povoar de “itamaratecas” o Ministério da Defesa e demonstrar fraqueza nas negociações sobre orçamento das forças e salários. É apressada a euforia do lobby contrário à escolha dos caças franceses Rafale para a FAB: Amorim participou da arquitetura do acordo, quando era chanceler do governo Lula.

As denúncias contra a cúpula do Ministério da Agricultura nem de longe representam um problema governo versus PMDB. O que está agora posto é se a faxina ética desencadeada pela presidente da República é a brinca ou à vera. Dilma não tem problema de base parlamentar. Ao contrário, tem gordura pra queimar. A questão não é de governabilidade, mas da a natureza do governo e de sua política.

As ações da presidente têm uma lógica com começo, meio e fim ou são espasmódicas? Dilma libertou o gênio da garrafa e se piscar pode ser por ele engolida?

Se a presidente demitir o ministro Wagner Rossi, a sociedade vai aplaudir. A questão da moralidade já passou dos limites. É inaceitável que o líder do PMDB na Câmara, Henrique Alves, nomeie a ex-mulher para o Ministério da Agricultura a fim de resolver seus problemas familiares. Antes ela já havia sido demitida da Infraero, motivo, aliás, do desentendimento entre o líder e ex-ministro Nelson Jobim, um pemedebista acidental.

A ofensiva ética de Dilma definiu um estilo de atuação de rentabilidade alta e imediata na opinião pública. Mas a presidente agora está com um grande problema nas mãos: Wagner Rossi. Ele é ministro da Agricultura por indicação de Michel Temer, que além de vice-presidente da República é presidente do poderoso PMDB. Rossi é afilhado reconhecido de Temer na Agricultura, como já fora na Conab e na direção dos portos de São Paulo.

O PMDB inteiro sabe disso, assim como desde sempre soube das denúncias que se acumularam contra o ministro nos cargos que exerceu antes por indicação do vice e da estreita ligação do ex-secretário-executivo da Agricultura Milton Ortolan com o chefe Rossi. Quando Rossi assumiu o posto, foi sugerido a ele manter na secretaria-executiva o ex-deputado Silas Brasileiro, mas ele insistiu com Ortolan.

Se Dilma quiser tirar Rossi ela não apenas tira como o PMDB não vai fazer nada. Pelo menos por enquanto. Além da opinião pública favorável à presidente, o partido “entende” que, se reagir, vai ficar ainda mais enlameado. Dilma pegou um peso-pesado pela frente. Sua decisão vai dizer se a faxina é à brinca, apenas uma jogada publicitária, como afirma a oposição, ou à vera.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

E-mail [email protected] 

Luis Nassif

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