As parcerias na agropecuária

TERRA MAGAZINE HOJE: PARCERIAS NA AGROPECUÁRIA

Do Terra Magazine

Dos parceiros do Rio Bonito às fusões corporativas 

Rui Daher
De São Paulo

Em 1948, o professor Antônio Cândido de Mello e Souza, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, residiu na Fazenda Bela Aliança, em Bofete (SP), por um mês. Iniciava ali uma pesquisa de campo que, em 1954, seria apresentada como tese de doutorado em Sociologia. Publicado em 1964, o livro “Os Parceiros do Rio Bonito” (Editora 34, 10ª edição, 2003), continua peça fundamental para quem quer conhecer os mecanismos que regem as relações de trabalho no campo.

Ainda que anuncie um “estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida”, os leitores poderão reconhecer explícitas em qualquer área rural brasileira as mesmas inferências econômicas, sociais e culturais pesquisadas no interior de São Paulo no limiar da segunda metade do século passado.

Desde o início da colonização a produção agrícola brasileira balizou-se num modelo agroexportador originado de grandes extensões de terras e formação de capital reservada a exíguas oligarquias rurais. Do outro lado de lá, uma sociedade “rústica” (apud A.C.), com indígenas, mamelucos, cafuzos e negros representando a mão de obra escrava a quem se permitia apenas o limite da subsistência.

AexA expansão da economia capitalista trouxe novas etapas. Mudaram as formas de plantio e os manejos. Tecnologias e insumos modernos foram agregados à produção, ampliaram-se os recursos de financiamento, e as fronteiras agropecuárias se alongaram rumo norte, como marcadores do crescimento.

Nada disso, porém, foi capaz de romper com a estrutura produtiva. O modelo agroexportador persistiu e, até hoje, quase 75% das exportações do agronegócio são de bens primários. Também, a “sociedade rústica” permaneceu, agora, mais inchada, pois as etnias da fase colonial juntaram-se a uma massa de caipiras descendentes dos imigrantes que aqui chegaram para substituir a mão de obra escrava.

Diz Antônio Cândido sobre as formas de produção em Bofete, por volta de 1950: “A parceria é uma sociedade, pela qual alguém fornece a terra, ficando com direito sobre parte dos produtos obtidos pelo outro. (…) Se o proprietário fornece terra roçada, queimada, arada e semente, cabe ao parceiro plantio, limpa, colheita, dividindo-se o produto em duas partes iguais”.

Qualquer incursão pelo campo fará ver o quanto essa forma societária ainda é comum. Nas razões, a necessidade financeira e a intolerância cabocla de ver a terra limpa, sem plantio. Bem diferente do que ocorre nos EUA e Europa, onde a maior parte das propriedades é plantada por indivíduos ou famílias. Sociedade, no máximo, com o governo que os subsidia.

A coluna, no entanto, não acredita que nas inúmeras parcerias protagonizadas recentemente por corporações do agronegócio haja traços do que a pesquisa sociológica e antropológica realizada por Antônio Cândido, em Bofete, encontrou.

A fusão de Perdigão e Sadia. A participação da Louis Dreyfus no grupo europeu Libero, com subsidiárias no Brasil, que soma 4,5 milhões de hectares cultivados. A aquisição pela JBS-Friboi de um confinamento norte-americano para mais de 130 mil cabeças simultaneamente, em Welton, Arizona. As possíveis fusões entre as indústrias de suco de laranja Citrosuco e Citrovita, e as cooperativas Cocamar (Maringá) e Corol (Rolândia). Nenhuma teve como inspiração qualquer raiz cultural.

Isso fica por conta da constância com que se vê essa forma de arranjo societário na música sertaneja, tantas vezes interpretada por duplas de caipiras, de parceiros, de meeiros. Como foram Pena Branca e Xavantinho, Tonico e Tinoco, Alvarenga e Ranchinho. Sempre do outro lado de lá. O nosso. 

Rui Daher é administrador de empresas, consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola. 

Luis Nassif

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