Brexit Ameaça A Indústria Automobilística Inglesa

The New York Times

Tied to Europe, Britain’s Car Industry Is Vulnerable After ‘Brexit’

By STANLEY REED DEC. 8, 2016

A linha de montagem na planta da Toyota em Burnaston, Inglaterra. A Toyota compra peças e contrata trabalhadores de toda a União Europeia. Crédito: Tom Jamieson para o New York Times

BURNASTON, Inglaterra – Na moderna e avançada linha de montagem da Toyota inglesa os trabalhadores montam as partes finais dos veículos com peças transportadas por pequenos karts auto dirigíveis, que rodam pelos corredores estreitos do deposito até a estação de trabalho. A linha de montagem move-se com precisão de relógio, capaz de gerar um veículo a cada 72 segundos.

A indústria automotiva da Grã-Bretanha, antes doente e atormentada por greves, agora vibra com um centro global de manufatura. A maioria dos carros montados em Burnaston, modelos como Auris e Avensis, seguirá além das fronteiras britânicas. A Toyota compra peças e contrata trabalhadores de toda a União Europeia.

Mas o nível de integração, até aqui louvado, agora deixa as montadoras em situações vulneráveis após o voto britânico para deixar o bloco. Se esse embrionário divórcio acontecer, a Toyota e outros enfrentarão perspectivas de tarifas mais altas, um pool de mão-de-obra menor e menos acesso aos 500 milhões de potenciais clientes da Europa – tudo isso será negociado nos próximos meses e anos.

Nem mesmo a queda da libra esterlina, desde a votação, serviu de ajuda. Muitos contratos dos fabricantes de automóveis foram feitos em Euro, mesmo com fornecedores do mesmo país, como Johnson Controls, que fabrica assentos para a Toyota.

“Nós deixamos claro que se perdermos alguns desses elementos, isso tornará as montadoras do Reino Unido menos competitivas,” disse Anthony J. Walker, vice-diretor da Toyota Manufacturing in Britain. “Teríamos de reduzir os custos, o que seria muito difícil.”

Um motor é montado na linha de montagem da Toyota em Burnaston, Inglaterra. Os fabricantes de automóveis japoneses trouxeram uma abordagem mais voltada para a equipe, o que antes era contencioso nas fabricas britânicas. Crédito: Tom Jamieson para o New York Times

Montadoras como a Toyota estão agora em pleno modo de defesa. A Toyota e as outras estão dizendo ao governo que precisam de acesso contínuo e sem restrições à União Europeia para exportações, importações e engenheiros talentosos, que dizem serem escassos na Grã-Bretanha. A Toyota está preocupada com seu sistema de manufatura just-in-time – que exige que as peças cheguem à fábrica em certa ordem apenas algumas horas antes da montagem – possa vir a ser interrompido.

“É absolutamente suicida!”, disse Peter Tsouvallaris, representante sênior da fábrica no sindicato Unite, que também representa os trabalhadores de outras montadoras. “Estou preocupado com o futuro ao longo prazo da indústria, porque não sabemos o que Brexit significa.”

O governo britânico compreende as preocupações para o país, que também abriga um conjunto de fabricantes mundiais como Nissan, General Motors, BMW e Honda. O setor emprega cerca de 169 mil funcionários  e representa cerca de 12% do valor das exportações britânicas, de acordo com a Society of Motor Manufacturers & Traders, um grupo industrial.

Já, a primeira-ministra britânica, Theresa May, mostrou seu lado protetor. O governo prometeu investir 390 milhões de libras, ou 485 milhões de dólares, para incentivar o desenvolvimento dos avançados veículos de baixa emissão, incluindo carros sem motoristas e elétricos. May continuará financiando o treinamento para a Toyota e outras empresas de automóveis, bem como incentivará o desenvolvimento de fabricantes de componentes com base na Grã-Bretanha.

A Grã-Bretanha também ofereceu garantias à Nissan, cuja fábrica em Sunderland se tornou um ponto de preocupação (*) dias antes da votação do chamado Brexit. Embora não fora tornada pública nenhuma especificação, a Nissan disse em outubro que iria montar uma nova versão do seu popular Qashqai e outro modelo na fábrica.

(*) Sunderland é uma cidade do norte da Inglaterra e sua maior indústria é a Nissan. Sessenta por cento da população votou a favor do Brexit, apesar das ameaças da empresa de travar seus investimentos na fábrica local. A ex. Primeira Ministra, Margaret Thatcher dizia, para atrair as montadoras japonesas, que a Inglaterra era a melhor porta de entrada ao então Mercado Comum Europeu.

“O apoio e as garantias do governo do Reino Unido nos permitiram “tomar a decisão de investimento”, disse o presidente da Nissan, Carlos Ghosn, que recentemente se reuniu com Mrs. May.

As verificações finais em um Toyota Auris em Burnaston, Inglaterra. A Toyota e outras montadoras disseram ao governo britânico que precisam de acesso contínuo à União Europeia. Crédito: Tom Jamieson para o New York Times

Essa influência foi duramente ganha para uma indústria que esteve lutando até há pouco tempo atrás.

A Grã-Bretanha sempre teve um talento para design de carro, produzindo clássicos como o Jaguar XKE e Austin-Healey Sprite. Mas a indústria nos anos 60 e 70 sofreu por sub investimento, modelos ultrapassados, má qualidade e frequentes greves.

As perspectivas começaram a mudar nos anos 80, quando as montadoras japonesas começaram a procurar um ponto de apoio na Europa para ter acesso ao mercado único. A Grã-Bretanha acenou com a primeira-ministra Margaret Thatcher, cada vez mais acolhedora ao investimento estrangeiro, os sindicatos sobre controle, e a indústria automobilística britânica não representava uma grande ameaça competitiva.

A Toyota surgiu no início dos anos 90, encontrando um ótimo local na Inglaterra central onde poderia construir sua planta de acordo com as especificações da empresa. As empresas japonesas trouxeram métodos eficientes de produção. O centro industrial próximo de Derby deu boas-vindas aos novos trabalhos de manufatura, em um momento que os trabalhos nas outras companhias estavam escasseando.

“Os japoneses inverteram completamente aquilo que estava acontecendo”, disse Garel Rhys, professor emérito de Economia da Indústria de Motores na Universidade de Cardiff. “Eles mostraram que a Grã-Bretanha não era um lugar que estava fora de controle.”

Os fabricantes de automóveis japoneses trouxeram uma abordagem mais voltada para a ideia de equipe à indústria britânica, antes contenciosa.

Os trabalhadores da fábrica Toyota, que ganham mais de 30.000,00 libras em média/ano (US$ 37.360,00), são chamados de “membros”. Para evitar atrasos quando alguma dificuldade surge na linha, eles puxam um cabo pedindo ajuda ao líder da equipe, reconhecido por duas listras amarelas no boné azul marinho que todos os trabalhadores usam.

Bonecos representando David Cameron, à esquerda, o ex-primeiro-ministro da Grã-Bretanha, e Boris Johnson, o secretário de relações exteriores, são exibidos durante o Festival Scarecrow na Grã-Bretanha em 31 de julho. Crédito: Darren Staples / Reuters

Vários meses depois do Brexit, pouco está claro. A relação comercial da Grã-Bretanha com a U.E. parece estar no limbo. As empresas estão reavaliando seus investimentos de longo prazo na Grã-Bretanha. É o que aconteceu até agora.

O relacionamento de igualdade na Toyota ajudou nas relações de trabalho da fábrica, que é sindicalizada. A Toyota diz que nunca perdeu tempo com greves nesse quarto de século de operação na Grã-Bretanha.

“A principal razão é a sua filosofia”, disse Tsouvallaris, representante sindical. “Há sempre um canal aberto para a comunicação.”

Outras montadoras logo seguiram seus rivais japoneses.

No início dos anos 2000, a BMW da Alemanha começou a construir uma nova linha de carros Mini em Oxford. Mais tarde naquela década, Tata da Índia assumiu as antigas marcas britânicas Jaguar e Land Rover.

Isso ajudou a destravar a economia da Grã-Bretanha.

Com tudo isso, o país produziu aproximadamente 1.6 milhão de carros no ano passado. Os números, embora muito menor do que potências como os Estados Unidos e o Japão, a deixa próximo da França como a terceira maior montadora da Europa, depois da Alemanha e da Espanha.

A Toyota investiu 2,2 bilhões de libras esterlinas em Burnaston e na fábrica de motores no País de Gales. Juntas, empregam cerca de 3.200 pessoas. A Grã-Bretanha continua sendo um peso pesado para a Toyota, produzindo cerca de 30 por cento dos carros da empresa na região.

Agora, a indústria está repleta de incertezas.

A primeira-ministra britânica quer iniciar as negociações no início de 2017 sobre os termos da saída do país da União Europeia, as conversas podem durar dois ou mais anos. O espectro de possibilidades é amplo, desde a Grã-Bretanha permanecer como parte do mercado único, até o país enfrentar grandes barreiras ao comércio com o Continente. Ambos os lados têm seus próprios interesses sobre fabricantes de automóveis, colocando a indústria no meio de uma disputa onde será utilizada artilharia pesada.

Um Toyota Auris saindo  da linha de montagem em Burnaston, Inglaterra. Crédito: Tom Jamieson para o New York Times

 “A indústria de automóvel aceitou o prospecto da UE como realmente é”, disse Stephen Adams, sócio da Global Counsel, uma empresa de risco político em Londres. “confia-se na livre circulação de mercadorias na UE, não apenas para vender, mas também para produzir seus produtos.”

A Toyota tem outras opções se a planta de Burnaston provar não ser rentável.

A montadora tem mais de 30 fábricas de veículos em todo o mundo e, como muitos de seus rivais, os coloca uns contra os outros pelo direito de fazer vários modelos. A Toyota também tem uma série de fábricas em toda a região, incluindo grandes centros de produção de carros na França e na Turquia.

A companhia, anteriormente, teve que cortar produções em Burnaston ao fechar uma linha de montagem em 2010. A produção anual caiu para 180.000 de um pico de 282.000 carros em 2006.

Mr. Walker, executivo da Toyota, disse que um novo modelo para Burnaston está sendo considerado, embora nenhuma decisão tenha sido tomada.

A planta já executou várias mudanças de modelos na sua história. Em exibição na área da recepção está o Avensis, versão exportada para o Japão.

“Esta é a única fábrica no mundo que envia carros de volta para o Japão”, disse Walker. “Somos muito orgulhosos disso.”

Traduzido por Stanilaw Calandreli

Redação

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