Burocracia e dívida: e eu com isso?

Certa vez precisei  comprovar que me encontrava em situação regular perante as leis do país, e um dos documentos tinha de ser obtido na central de arquivo forense, em BH.

Fui até lá para obter o tal documento, e nem precisei esperar muito. A  atendente  preencheu um formulário, me deu uma senha, e solicitou que eu voltasse no dia marcado, para receber a certidão.

No dia aprazado fui até lá e quando chegou minha vez de ser atendido me foi explicado que eu não podia obter certidão negativa, pois a prefeitura de BH tinha um processo contra mim, de cobrança de IPTU. Tomei um susto danado, já que nunca atrasei pagamento de IPTU nem nunca tive qualquer dívida com municípios. Então me disseram que a solução seria procurar a prefeitura, para resolver o impasse.

Na prefeitura falei calmamente com o funcionário encarregado de atender contribuintes em atraso e ele me ouviu, pediu meu nome e foi até um arquivo, de onde veio com uma pasta e mostrou que o devedor de IPTU tinha  nome e sobrenome exatamente iguais ao meu. Daí eu perguntei qual era o número de CPF daquele devedor, e o funcionário me disse que ali não constava . E ouvi menção ao endereço do devedor, diferente do meu, e fui ficando nervoso, e questionando como é que  tinham coragem de entrar com um processo de cobrança contra alguém e sujeitar outra pessoa  a idas e vindas desnecessárias?

Daí ele disse que casos de engano por causa de homonímia eram comuns – e eu argumentei que no passado remoto quando ainda não havia CPF  poderiam até ser comuns, mas não naquele momento.

Ele se distraiu, olhei rapidamente a capa dos documentos e descobri que havia outro dado ali que me diferenciava muito mais do meu xará devedor: ele  estava morto. Ou seja, eu, ainda vivo, sendo cobrado por dívidas de um falecido.

Quando comecei a gritar, com raiva, veio a chefe dele, se inteirou da situação,  e me disse que dentro de uns 4 dias eu voltasse lá, que o assunto estaria resolvido.

Passados os 4 dias, voltei e a procurei. Ela, sem graça, me contou que a única solução para fazer com que a certidão me fosse rapidamente emitida era eu assinar uma declaração de que nada devia à Prefeitura, e fornecer cópia de minha carteira de identidade – tais documentos seriam juntados ao processo contra meu xará. Fiquei pasmo, não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Ela, calmamente, me dando todas as razões possíveis, me convenceu – assinei o tal papel dizendo que eu não era o tal falecido, juntei a cópia da identidade e fui para casa aguardar a emissão da certidão negativa.

Passados uns dias, ela mesma me telefonou avisando que a certidão já estava disponível no fórum, eu fui até lá e a obtive. Respirei aliviado, mas muito impressionado com os caminhos que a burocracia consegue implantar neste país nosso tão estranho.

Uns 20 dias depois, o porteiro do condomínio onde resido me chamou para entregar um envelope registrado. Assinei o recebimento no livro e  vi que o remetente  tinha endereço no fórum, onde o tal processo de cobrança se encontrava.

Desconfiado, abri, e não deu outra: tratava-se de uma notificação me concedendo prazo para eu ir pagar a dívida.

Respirei fundo, e no verso da notificação escrevi uma porção de argumentos, trincando os dentes, com muita raiva.

Ao preparar o envelope para levar ao correio,  coloquei como remetente meu nome e como endereço do remetente: céu.

Nunca mais me procuraram. 

Redação

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