Manuel Domingos Neto
Manuel Domingos Neto nasceu em Fortaleza em 1949. Graduou-se em História pela Universidade de Paris VI, mestre pela Universidade de Paris III e Doutor em História pela mesma universidade, em 1979. Professor da Universidade Federal do Ceará e professor associado da Universidade Federal Fluminense
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Cadete, ordem errada não se cumpre!, por Manuel Domingos Neto

Guardião que se mete a político e quer mandar em tudo é o mais covarde traidor da pátria.

Cadete, ordem errada não se cumpre!

por Manuel Domingos Neto

Eu vivo apertado, mas pago com gosto tuas despesas escolares, cadete. Tua farda, teu alojamento, tua comida, teu soldo, tua assistência médica, teu lazer, pago tudo.

Outros, em situação pior que a minha, sem o alimento assegurado, também te custeiam. Sempre te assistiremos. Garantiremos tua velhice sem ostentação, mas plena de dignidade.

És candidato à guardião. Precisaremos de ti em situações extremas. Prepara-te para abater nossos inimigos, caso necessário.

Tirar a vida de semelhantes, assumir risco de morte… A profissão que escolhestes é incomparável. É de doação sem meio termo, de sacrifício sem limites, nem poetas a descreveriam com acerto.

Há dois mil anos, Platão dizia que ninguém poderia negar beijo ao que entregasse a vida pela coletividade.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn

Mas advertia que guardiães não poderiam tocar em ouro. Se tens amor ao dinheiro, se preferes a ribalta ao castro, se a vanglória te atrai, pegue o beco, cadete. Não nos faça de abestados. Tem sentido custearmos gente que aceita prebendas e sinecuras? Vantagens indevidas?

Homem armados por nós não podem conduzir nosso destino. Guardião que se mete a político e quer mandar em tudo é o mais covarde traidor da pátria.

Pátria, cadete, não é pedaço de chão nem é Estado, entidade vocacionada para o domínio sobre todos e que vive fingindo exprimir a vontade geral.

Estado é arena de disputa permanente. A luta política define sua natureza. Quanto mais autoritário, mas distante da pátria; quanto mais democrático, mais próximo à pátria.

O Estado brasileiro foi fundado por um autocrata fissurado em proteger sua dinastia. Cinicamente, pediu a todos que morressem pela pátria!

A pátria somos nós, brasileiros que te custeamos, cadete. Pátria é o povo unido em comunhão de destino. É construção social permanente, mistura criativa de cores de pele, sotaques, hábitos e valores.

Pátria é caleidoscópio de crenças religiosas. Quem usa em vão o nome Deus para justificar sua sede ilimitada de mando é demagogo sem escrúpulo.

Quem não gosta de negro, é inimigo da pátria. Quem menospreza mulher é traidor da pátria; quem reprime orientações sexuais, também; quem persegue reformadores sociais, nem se fale.

O Estado que nos submete está nas mãos dos ricos, que se ajoelham diante do estrangeiro poderoso. Este Estado enviou muitas vezes fileiras para massacrar homens, mulheres e crianças em nome da ordem social iníqua.

Lembre-se, cadete, Estado é dominação, pátria é sociedade em comunhão! Apenas o povo avisado e mobilizado tomará para si as rédeas do Estado.

Lembre-se, sem o amparo da sociedade serás um fracassado por antecipação. A força do guerreiro provém da coletividade que lhe sustenta. Prepara-te para a guerra sabendo que sociedades fragmentadas por iniquidades e submetidas ao Estado dominado por poucos não se garantem perante o inimigo.

Defende-se mais facilmente quem tem vizinhança amiga. Quem menospreza a unidade sul-americana, cadete, opera contra a pátria brasileira.

Tem mais força quem conta com melhores cientistas e inventores. São estes os que permitem ver mais longe, deslocar-se mais rapidamente, se comunicar com mais eficácia, bombardear com mais potência e precisão, cuidar melhor dos feridos… Militar que nega a ciência e ataca professores, cadete, é embusteiro.

Teria muito a te falar, mas finalizo pedindo que não sigas o exemplo dos fardas-sujas que ajudaram a colocar um traidor da pátria na cadeira presidencial.

Respeite a hierarquia e a disciplina. Mas não esqueças: ordem errada não se cumpre! E qualquer ordem contra o Estado democrático é errada.

Manuel Domingos Neto nasceu em Fortaleza em 1949. Graduou-se em História pela Universidade de Paris VI, em 1976. Obteve o título de Mestre em Sociedade e Economia na América Latina, pela Universidade de Paris III, em 1976, e o título de Doutor em História pela mesma universidade, em 1979. Foi pesquisador da Casa de Rui Barbosa, superintendente da Fundação Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí, estado pelo qual também foi deputado federal. Professor da Universidade Federal do Ceará e professor associado da Universidade Federal Fluminense, foi também vice-presidente do CNPq e presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED).

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