Carta ao doutor Sócrates sobre o Brasil careta, por Xico Sá

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Sugerido por Galileo Galilei

Carta ao doutor Sócrates sobre o Brasil careta

Por Xico Sá, no El País

Sim, doutor, aqui na terra vão jogando futebol, tem muito mimimi, muito samba e rock’n’roll, só quero lhe dizer, Magrão, que a coisa aqui está careta, sobra quase nada de maluquice e o país só faz curvas perigosas à direita. Rapaz, que fase, que doideira, que merda, desculpa ai, família brasileira, que indecência.

Mas veja que do caralho: o Blatter, da Fifa pediu o boné, caiu fora, Marin está preso (leia mais adiante doutor) e o Del Nero tenta, no máximo, um golpe para ficar no poder da presidência da CBF. Sem chances. Qualquer negociata, e não são poucas, do Marin atingem esse infeliz de picaretagens tantas ainda na direção da Federação Paulista de Futebol.

No que digo, amigo Sócrates, logo você, irmão, que viu como a ideia de Democracia Corinthiana no gramado foi mais pedagógica do que mil horas de sala de aula de Educação Moral e Cívica dos assassinos da Ditadura, logo você, a própria ideia de utopia com a camisa número 8 mais genial de todos os tempos, logo você, Magrão, saiba que o Brasil encaretou de vez, que erro, que passa?

Óbvio que temos nos falado nos terreiros, como naquela madruga (rindo até agora) em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, lembra que deu até de calcanhar na bola da criança que passou entre nós, aquele menino com a camisa do Barcelona? Sim, Magrão, aqui na terra estão jogando futebol e os guris não lembram mais dos nossos times, só pensam em Champions League, repare no tamanho do prejuízo histórico.

Aqui vai mais uma cartinha, velho, desculpa este nordestino desgraçadamente epistolar, rapaz. Nada como uma carta de amor ou amizade, Magrão, só uma carta transmite, pelas maltraçadas linhas, o real sentimento dos homens que perderam amigos… Amigos cujas ausências desmantelaram uma narrativa de estar no mundo. Quando partiu, doutor, vaguei perdido por São Paulo uns dez dias, procurando fiapos dos nossos assuntos e ideias das nossas crenças e motivos. Sentava ali na Mercearia São Pedro e o esperava… Naquela mesa está faltando ele… E a saudade dele… Está doendo em mim… Que falta faz a esse Brasil caranguejo que só cisca para trás!

É, caro amigo Sócrates, o jogo anda truncado: o avanço ficou para as cucuias, lá nas primeiras gestões da turma do cordão encarnado (vermelho), nesse imenso pastoril brasileiro. O cordão azul hoje deita e rola. O pastoril está cada vez mais sacro e nada profano, melancólico, e o Velho Faceta e suas gostosas pastoras deram lugar aos pilantras profissas, falsos profetas que enganam os pobres em nome de línguas de Pentecostes. Ladrões da fé da massa.

Desculpa, doutor Sócrates, nem gosto de ser tão incisivo assim; penso logo na minha mãezinha hoje evangélica, assim como metade da família. Mas é que reparo em cada picaretagem pseudo-pentecostal que só vendo, amigo. Avimaria. E a crise econômica faz dos falsos profetas mais filhos da puta, perdão, ainda, eles amplificam a demonização sobre os costumes. Vivem da ideia do diabo, este sim um inocente que não tira um centavo da pobreza brasileira, amém. Nunca precisamos tanto do diabo como agora. O diabo é o único que não cobra pedágio, mesmo que o usem para roubar a pobreza.

Contradições Futebol Clube

E o festival de contradições de sempre movendo a história, doutor Sócrates: o governo supostamente de esquerda com cartilha pelo avesso, Quinca Mãos de Tesoura cortando tudo e a direitona, que deveria amar filosoficamente a tesourada, chiando pacas, dá pra entender? Tudo na base do farinha pouca meu pirão primeiro. Que classe média fuleira na filosofagem da existência.

Quinca Mãos de Tesoura, estou fora. Por essas e por outras é que eu sigo devoto do meu santo Quincas Berro D´água, o velho-menino baiano por excelência, o branco dos olhos tingido de vermelho por brasas do delírio, coração maneiro, o jeito leve de pedir passagem a quem de fato. Só respeita os orixás e os deuses que dançam! Certíssimo, grande Jorge Amado, o autor baiano que nos deixou um legado de travessuras e possibilidades de reinvenções. Como a ideia do Brasil que apostamos, o Brasil perdido que buscamos…

Quero os clichês do Brasil de volta, camarada. É tudo que peço e rogo, Magrão. O pior que aconteceu é que roubaram até nossos clichês, como um país cordial —leia o belo artigo do Luiz Ruffato aqui mesmo neste jornal. Pela volta dos clichês, pois somos bons nisso, somos um povo alegre e inzoneiro, como a canção popular nos fez ouvir nos tantos benditos. E não perdemos de tudo isso, baita erro também achar que o Brasil é só violência e estatísticas negativas. O Brasil, contradições à parte, é do caralho, país incrível.

Corinthians, de novo

Porra, doutor, viu, viste o Corinthians? Sei que tinha, tinhas, algo melhor para fazer nesse baile pós-vida e mais-valia na poeira das estrelas. O mais maluco, amigo, o Grêmio jogando um futebol bonito até os dez minutos do primeiro tempo. Esquece. Segue o jogo, o Milton Leite, nosso narrador, te manda um abraço. Aqui na terra vão jogando futebol… Grêmio 3×1, doutor, esquece.

Magrão, te contei não? O Blatter renunciou, juro! José Maria Marin (ex-CBF), aquele que dedurou o camarada Herzog ainda na Ditadura Militar, está em cana. Xadrez suíço como a grana naturalizada dele, mas já é alguma coisa. O resto, fala com o nosso amigo Juca Kfouri, ele dá a letra, Juca é o responsável por não desistirmos nunca de tais apurações. Fala com o Juca, ele te conta tudo, sabe que sou mais do discurso dos fragmentos amorosos…

Magrão, falar nisso, vi uma mulher hoje na tua barraca em Copacabana, vixe, que, sei lá, que aniquilamento da humanidade. Danada. A barraca “Doutor Sócrates” está de pé no posto 6, mas nem sempre, o dono é sábio, acredita, como a gente, no ócio criativo. Porra, doutor, que saudade, mas sem mimimi, por supuesto, fui lá naquele terreiro de Duque de Caxias só pra gente não se perder de vez de vista, a poeira das estrelas é uma maluquice ai por onde fez morada, fez, fizeste.

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Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. Ssasinhora, Xico Sá, empresta aí o verbo, homi, cê disse munto,

    meu.

    Tudo pra direita, até o amor, assim mínúsculo, antes MAIÚSCULO anda virando, virando. .. chegará uma hora pedirá perdão e licença na prefeitura pra poder acontecer.

    Sei não, Dr. Sócrates, tá HORRÍVEL a coisa !

  2. Eu não sei porque Xico Sá foi

    Eu não sei porque Xico Sá foi expulso da Folha.

      O que sei é que em 10 colunas, Xico citava Sócrates 9,5.

        Qual é a do cara, hein?

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