Cartografia do Yauretê Milton Nascimento, por Sílvio Reis

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Foto: Divulgação
 
Por Sílvio Reis
 
A atual (e sexta) extinção mundial de animais, registrada no livro da jornalista Elizabeth Kolbert, também se reflete na música popular brasileira a partir dos anos 2000. Houve uma redução zoomusical em comparação com quatro décadas anteriores (1960-1990). A cartografia de Milton Nascimento, o Bituca, evidencia essa questão.
 
Em média, das 350 músicas gravadas e compostas por Milton Nascimento, 10% fazem referência a animais. A zoomúsica do cantor também está implícita em canções sobre a natureza e a vida indígena. O álbum Txai, de 1990, é todo ambiental e divulgou o Brasil na Eco92: O último álbum do Bituca,Tamarear, de 2015, comemorou os 35 anos de atividade do Projeto Tamar, de proteção às tartarugas marinhas. Nenhuma música sobre bichos, mas é um registro zoomusical.
 
Até novembro de 2017, Milton fez turnê com o espetáculo Semente da Terra, com canções de viés sociopolítico, e também sobre a questão indígena e a consciência negra. Metade das músicas do show homenageou o parceiro Fernando Brant, que morreu há dois anos, e escreveu cerca de 20% das composições de Milton. Os dois definiram uma filosofia animal, em duas músicas do disco Yauretê, 1987: “Onça verdadeira ensina a ser realmente o que sou”. Nativo do Planeta Blues, “Quem sabe a festa chega à floresta e o homem aceita a mata e o animal”. A atual extinção aponta um caminho contrário.
 
Mais de dez zoomúsicas de Milton Nascimento referenciam pássaros e contribuíram para posicionar o sabiá entre os mais cantados no País: “Bicho Homem tem de cantar, como canta o sabiá”. Em Fazenda, “Tinha sabiá, tinha laranjeira, tinha manga rosa”. Do clássico Baião da ‘Garoa, de Gonzagão: “Uma vez choveu na terra seca. Sabiá então cantou”. Em vídeo, Milton cantou Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque que, juntos com Vinícius de Moraes, criaram Olha, Maria, a sétima música interpretada por Milton com nome mariano.
 
Uma das mais de dez canções compostas somente por Bituca é zoo: “Rouxinol tomou conta do meu viver”. Ele prefere compor com amigos. Márcio Borges foi um dos principais parceiros, assim como Ronaldo Bastos, que é o letrista mais gravado por Milton e escreveu Tempo de Amar, para a novela da TV Globo, a partir de versos de Carlos Drummond de Andrade.
 
Bituca já musicou poemas de Ferreira Gullar, Drummond e Leila Diniz: “O mar é das gaivotas que nele sabem voar”. No projeto especial que resultou em Missa dos Quilombos, 1982, foram musicados textos do bispo Dom Pedro Casaldáliga e poemas (do politizado) Pedro Tierra: “Rezemos nos olhos, as águas dos rios, o brilho dos peixes, a sombra da mata, o orvalho da noite,  o espanto da caça…”
 
Ainda na literatura, em 1997 Chico e Milton compuseram Levantados do Chão  (título do romance de José Saramago) para o projeto Terra: “Um rebanho nas nuvens? Mas como? Boi alado? Alazão sideral?”
 
Geografia diversificada
 
A mineiridade de Milton Nascimento resultou em poucas zoomúsicas rurais. No cinema, para a trilha de Noites do Sertão, de Guimarães Rosa, “São cavalos beirando o rio, é o corpo da menina ofegante ali do lado”. Com Caetano Veloso, a trilha de A Terceira Margem do Rio, também de Rosa, sugere um passarinho com trinadozinho tristris.
 
Tem boi em Coisas de Minas, Ruas da Cidade e No Mar do Nosso Amor: “Estouro de boiada corre no meu peito”. No mar, a Pescaria de Dorival Caymmi, no rio um monte de peixes em Canoa, Canoa e no cotidiano indígena: “Minha mesa de peixe e pão.” O Peixe Vivo, para a minissérie JK, é simbólico, assim como Boi Janeiro, de Chico Amaral, um dos biógrafos do cantor.
 
 
Peixinhos do Mar é uma das várias adaptações folclóricas gravadas por Bituca. A geografia é diversificada. Do Mato Grosso, Cuitelinho e suas garças. Do Vale do Jequitinhonha, Beira-Mar Novo. Do catolicismo mineiro, Calix Bento. A Lua Girou e Villa-Lobos sofisticou Caicó e o indígena Nozani Na. Outros cantos da floresta tiveram registros originais: Awaisi, Baú Meteoro, Hoeiepereiga. Benke homenageia todos os curumins: “Beija-flor de amor me leva”. O folclore afro tem duas geografias: no Brasil, One Saruê; no Chile, Casamento de Negros. Em dueto zoo com Mercedes Sosa, Sueño con Serpientes.
 
O conjunto da obra zoomusical de Milton Nascimento inclui termos genéricos como aves, animais, bichos, pássaros e peixes, nas músicas Léo, Estrela de Cinco Pontas, Feito Nós, Homo Sapiens, Vida, Tudo. Em Voa, Bicho, o pássaro é citado: “Andorinha voou, voou, fez um ninho no meu chapéu”. Outras zoomúsicas só aparecem no título: Milagre dos Peixes, Notícias do Brasil (os Pássaros trazem) e Carro de Boi. Circo Marimbondo e Gran Circo apenas sugerem animais, que aparecem em Pão e Água: “Todos os aplausos são para o
leão”.
 
Quase não há animais domésticos e de estimação, com exceção de Eu sou uma preta sentada aqui no sol: “Homens, mulheres, cachorros e gatos, automóveis, mosquitos, aviões, eu estou aqui sentada ao sol (…) comendo farelo dos passarinhos.” São poucos os selvagens. Há “força de leão” em Dança dos Meninos. “O rio aquece sua água fria, onde a onça bebe, a serpente espia” (Estória da Floresta).
 
“A abelha fazendo o mel vale o tempo que não foi voou” foi popularizada em Amor de Índio, assim como “Vento solar e estrelas do mar, um girassol da cor de seu cabelo.”
 
Mais travessias
 
É um acervo artístico que ultrapassa os atuais 42 discos e 05 dvds. São muitas participações em álbuns de amigos, como o dueto de Milton e Chico em Arca de Noé, de Vinícius de Moraes, em 1980. Somente para a cantora Simone (Bittencourt de Oliveira) foram compostas várias músicas que Milton não gravou, incluindo a zoo Cigarra. Algumas canções para TV não constam na discografia oficial, como Irmãos Coragem (2ª versão), Órfãos do Paraíso (América) e Iara mãe d´água (Sítio do Picapau Amarelo).
 
A travessia continua e aumentam os parceiros musicais. Destaque para novas gerações de artistas. Criolo é um deles. Em novembro deste ano, Tiago Iorc, 31 anos, e Milton, 76, iniciam a turnê Mais Bonito Não Há, título de uma das parcerias entre os dois. Por essas e outras, Milton Nascimento está tão maior do que era antes e tão melhor do que era ontem, conforme indica a letra de Maior.
 
Sílvio Reis é jornalista (mineiro). Milton Nascimento é o terceiro cantor com cartografia zoo, depois de Chico Buarque e Gal Costa. O estudo prossegue com outros artistas e estilos musicais.
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

6 Comentários

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  1. Algumas confusões, misturas e erros. Mas valeu a intenção

    Pelo tema e pelo artista genial que aparece no título, Milton Nascimento, meu interesse foi imediato. Mas a crônica revels-se um samba do croulo doiido, atribuindo a Milton Nascimemto músicas compostas por outros artistas, como Lô Borges e Tavinho Moura. Para quem pouco conhece Milton Nascimento, suas composições e as músicas que ele interpretou, as informações imprecisas podem servir de motivação. Mas para que conece um pouco da carreira de Bituca, percebe, de cara, erros e uma mistura meio esquizofrênica, uma mistura de opinião, devaneio, com pretensões de narrativa histórica e jornalística. Como fonte de pesquisa esta crõnica se mostra deficiente, podendo induzir o estdante/pesquisador a cometer erros.

     

    1. Cartografia do Yauretê Milton Nascimneto

      João de Paiva, penso que vc fez uma leitura equivocada. Pra começar, não é uma crônica, é um artigo. O início é explicativo: “Em média, 350 músicas GRAVADAS e compostas por Milton…” Está subentendido que há músicas de outros compositores, como Lô Borges e Tavinho Moura. O seu comentário está confuso. Fala em mistura “meio esquizofrênica”, “fonte de pesquisa deficiente.” Ao mesmo, “Algumas confusões… valeu a intenção.” abraços

  2. Yauaretê, gente-onça

    Cachoeira do Iauareté ou Iauaretê, fica na Amazônia, diz a wikipedia, que complementa:

    Seu nome, como o de várias outras dessa região de fronteira, é definido nas inúmeras narrativas míticas até hoje guardadas pela memória social dos povos indígenas da área. Iauareté é a “cachoeira das onças”, local onde em um passado remoto viveu uma gente-onça, propensa à guerra e ao canibalismo, e cujo extermínio coube aos irmãos Diroá, personagens-deuses dos mitos indígenas, que legariam aos homens de hoje vários rituais e conhecimentos xamânicos.

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Iauaret%C3%A9

    http://www.brasil.gov.br/cultura/2014/11/cachoeira-de-iauarete-lugar-sagrado-dos-povos-indigenas

    1. Jaguaretê ou Yauarete, se

      Jaguaretê ou Yauarete, se refere à onça-pantera, a onça-negra, capa de um LP de Milton Nascimento, referente a si mesmo como “felino”, no caso uma onça-pantera.

  3. Cartografia do Yauretê Milton Nascimento, por Sílvio Reis

    Joao de Paiva, acho que vc fez uma leitura equivocada. Pra começar, não é uma crônica, é um artigo. O início é explicativo: “Em média, 350 músicas gravadas e compostas por Milton…”. Está subentendido que há músicas de outros compositores, como Lô Borges e Tavinho Moura. O seu comentário está confuso. Fala em mistura “meio esquizofrênica”, “fonte de pesquisa deficiente”, “algumas confusões”… Valeu a intenção. abraços

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