Censura: STF precisa enfrentar o “entulho autoritário” criado após o fim da Lei de Imprensa

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Marco Aurélio Mello avisou que a revogação da Lei de Imprensa sem que uma nova lei fosse colocada no lugar traria “insegurança jurídica”. Vácuo foi preenchido por juízes sem o mesmo compromisso do STF com a liberdade de imprensa, dizem juristas

Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal – STF

“Se dependêssemos de tribunais estaduais e tribunais regionais federais, a liberdade de expressão já haveria sucumbido no Brasil”, diz Cláudio Pereira de Souza Neto

Jornal GGN – O Supremo Tribunal Federal fez história quando derrubou um dos últimos “entulhos autoritários” que, no papel, resistiu à redemocratização: a Lei de Imprensa, criada durante a Ditadura Militar. Mas em tempos em que um juiz de primeira instância, de maneira subjetiva e em tutela antecipada, consegue censurar o jornalismo com uma canetada – como ocorreu com o GGN no caso BTG Pactual – se aproxima o momento em que a Corte deverá ser provocada a enfrentar os produtos do julgamento daquela ADPF 130.

“Agora precisamos de outra ADPF” para fixar parâmetros que ficaram “a descoberto” com a revogação da Lei de Imprensa, “e que continuam dando espaço enorme à discricionariedade dos juízes e tribunais para dizerem o que pode ou não ser publicado”, disse à TV GGN o jurista Lenio Streck. 

Quando a pauta é liberdade de imprensa, “ficou um entulho autoritário construído a partir de um certo ativismo judicial”, acrescentou.

No julgamento da ADPF 130, em 2009, com 7 votos puxados pelo relator Ayres Britto, o STF reconheceu que os 7 capítulos da lei 5.250, de 1967, eram incompatíveis com a Constituição de 1988. A maioria dos ministros entendeu que os Códigos de Processo Penal e Civil dariam conta de punir eventuais abusos dos meios de comunicação.

O único a rejeitar o fim da Lei de Imprensa sem que uma nova lei fosse colocada no lugar foi o ministro Marco Aurélio Mello, prevendo que a ADPF 130 criaria um “vácuo” que, por sua vez, geraria “insegurança jurídica”.

Deixemos a cargo dos representantes do povo brasileiro a edição de uma lei que substitua essa, sem ter-se, enquanto isso, o vácuo que só leva à babel, bagunça, insegurança jurídica, sem uma normatização explícita da matéria, inclusive quanto ao direito de resposta”, disse ele [relembre o julgamento abaixo].

Embora tenham defendido e celebrado o fim da antiga lei, membros das instituições de classe reconheceram, depois, que a ADPF 130 distribuiu “aos juízes de primeira instância um poder muito grande”, como resumiu o ex-presidente da Fenaj, Sérgio Murillo, numa entrevista à TV Justiça. 

Autor da ADPF 130, o deputado federal Miro Teixeira disse na mesma reportagem que “temos que confiar nos juízes” nas questões relativas à liberdade de imprensa, e que o próprio sistema de Justiça “admite recursos” para corrigir os eventuais excessos.

Segundo um levantamento do Conselho Nacional de Justiça, de 2018, os tribunais estaduais são os que mais acumulam reclamações sobre liberdade de imprensa.

Em 2020, os excessos deterioram outro aspecto inerente à liberdade de imprensa, que é a pluralidade de informação. Quando o direito de resposta em meios de comunicação de pequeno e médio são substituídos por censura antecipada e multas exorbitantes, a própria existência dessas empresas é colocada em xeque. Somente a mídia hegemônica tem capital para resistir a esse tipo de sanção.

“Ao mesmo tempo em que temos o ‘Cala a boca já morreu’, com a decisão do Supremo, por outro lado, tem um espectro aberto para que alguém selecione discricionariamente e diga: ‘isso não pode [publicar]. Tanto não pode que vou impedir e se você publicar, tasco-lhe uma multa e seu blog pode ir para as calendas'”, comentou Streck.

Porque as leis dão margem a isso, os meios de comunicação ficaram à mercê da subjetividade do juiz. Cada cabeça, uma sentença. “Depende muito de quem está examinando a ação. Do modo que tem sido feito, você escreve e não sabe se vai ter o seu jornal ou blog censurado, se vai levar uma multa e pagar uma fortuna.”

Para Streck, os juízes na maioria das vezes não agem com “dolo”, mas porque têm “compreensões equivocadas acerca desse sentido aberto do que é liberdade de expressão e imprensa.”

Já na opinião do jurista Cláudio Pereira de Souza Neto, os tribunais regionais e estaduais não têm o mesmo compromisso com direitos constitucionais que o Supremo.

“O que vemos nos tribunais estaduais e tribunais regionais e federais é um comportamento vazio de compromisso com a liberdade de expressão. Há juízes que têm esse compromisso, que são exemplares, mas há uma sequência incrível de decisões que cerceiam inapropriadamente o exercício da liberdade de expressão. Apenas o STF tem sido eficaz em evitar que essa jurisprudência autoritária se consolide”, disse Cláudio

“Se dependêssemos de tribunais estaduais e tribunais regionais federais, a liberdade de expressão já haveria sucumbido no Brasil”, acrescentou.

RELEMBRE: O FIM DA LEI DE IMPRENSA

Em 2009, sob a presidência de Gilmar Mendes, o STF julgou a ADPF 130, de autoria do então deputado federal pelo PDT, Miro Teixeira (hoje na Rede Sustentabilidade). 

Sete ministros, puxados pelo relator Ayres Britto, votaram a favor da ação para derrubar a Lei de Imprensa. Ellen Gracie, Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes votaram pelo acolhimento parcial da ADPF, destacando que era necessário regular alguns dispositivos, como o direito de resposta. Gilmar criticou sobretudo “a disparidade de armas” entre o indivíduo e os jornais.

Marco Aurélio Mello votou pela rejeição da ADPF, prevendo que ela criaria “insegurança jurídica”. Ele recomendou que o Congresso aprovasse uma lei substituta:

“Em toda democracia moderna existe um conflito clássico entre dois valores fundamentais: o direito de informação de um lado e os direitos ligados à personalidade de outro. As constituições resolveram o dilema conferindo primazia ao primeiro termo em nome do interesse público. Como contrapartida, as constituições criaram mecanismos para reparar os excessos cometidos no livre exercício da imprensa. Eu não posso, a não ser que esteja a viver em outro Brasil, dizer que nossa imprensa hoje é uma imprensa cerceada, presente a lei 5.250. Digo, e sou arauto desse fenômeno, que temos uma imprensa livre, agora, claro,  sem que se reconheça o direito absoluto, principalmente considerada a dignidade do homem público ou privado. deixemos a carga dos representantes do povo brasileiro a edição de uma lei que substitua essa, sem ter-se, enquanto isso, o vácuo que só leva à babel, bagunça, insegurança jurídica, sem uma normatização explícita da matéria, inclusive quanto ao direito de resposta.”  

A Associação Brasileira de Imprensa apoiou integralmente a ADPF. 

A Procuradoria-Geral da República defendeu a revogação parcial da Lei de Imprensa.

Sem a Lei de Imprensa, a principal referência para a questão do direito de resposta passou a ser o artigo V, inciso V da Constituição Federal, que assegura o direito de resposta “proporcional ao agravo”, além de indenização por dano material, moral ou à imagem. 

Seis anos depois, Dilma Rousseff sancionou a lei de direito de resposta (13.188/15), que guarda suas controvérsias.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

1 Comentário

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  1. Opinião de leitor.
    Falta união.
    GGN é site de esquerda , os orgãos de direita (@6@4@₩ para a censura.
    TV Globo , jornalão , os orgãos de esquerda não ligaram para o episódio do Crivella.
    Quando os jornalistas da Folha apanharam li em sites de esquerda que foi merecido.
    Entre outros casos.

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