Curadoria de Conteúdos: O que é? Quem faz? Como faz?

Por: Eliana Rezende

O termo inquieta muita gente e, pela banalização de seu uso em diferentes meios comunicacionais, causa a impressão de que ao final qualquer um pode realizar a Curadoria de Conteúdos, ou como alguns preferem chamar Curadoria Digital ou Curadoria Informacional.

Em todos os casos, a questão circundante não muda muito e por uma questão que é muito mais pessoal do que de qualquer coisa, opto chamá-la aqui de Curadoria de Conteúdos, já que Informação é a matéria-prima com a qual se lida e não utilizo Digital, por crer que o curador pode e deve atuar utilizando a produção de conteúdos para quaisquer suportes. 

 

Já há algum tempo venho pensando em como falar a respeito do tema, tomando em conta especificamente a visão que tenho a partir de diferentes leituras.

Talvez, devêssemos começar pelo contrário, e estabelecer o que Curadoria não é.
Observe:
1. Curadoria não é simplesmente reunir e compartilhar conteúdos de terceiros nas redes
2. Curadoria não se restringe à ferramentas tecnológicas
3. Curadoria não está restrita à um único nicho de profissionais (encontraremos curadores entre profisisonais da área de Comunicação Social, Biblioteconomia, Ciências da Informação, Ciências Humanas e outras diferentes áreas de Conhecimento)

Se tomarmos a palavra pela sua origem, temos uma raiz que vem do latim “cura”, zelo por algo.
Os dicionários a dividem em pelo menos 4 significados:
1. pessoa que cura um doente. Ex: Tratou-se com um curador.
2. pessoa que exerce a curadoria de algo. Ex: o curador da exposição
3. (lei) pessoa judicialmente incumbida de zelar pelos bens e interesses daqueles que não podem fazê-lo por si próprios. Ex:  Foi nomeado curador do órfão.
4. (lei) membro do Ministério Público incumbido de defender pessoas ausentes, incapazes, instituições falidas. Ex: Foi indicado para o cargo de curador.

O termo desta forma remete sempre a um sentido de cuidar, zelar, proteger.
Assim, tomo em conta esta noção e saliento que o curador tem em mãos um patrimônio (i)material, e que após todo o seu trabalho converterá para uma socialização.

É papel do Curador de Conteúdos oferecer um contexto e percursos alternativos ao usuário/leitor, de modo a valorizar as informações por ele trabalhadas e disponibilizadas. Sua necessidade e importância tem aumentado na mesma proporção em que quantidades massivas de informações irrelevantes são produzidas dia a dia.

Rosembaum (2011), por exemplo, denomina esse volume de informações crescentes de “tsunami de dados” e Bieguelman (2011) de “dadosfera“.

 

Neal Gabler (2011), que já citei por aqui, chegou a declarar que a era digital nos libertou para a “ignorância bem informada”. Isso porquê cada vez mais as pessoas vem se transformando em grandes acumuladores de informação, mas já não são capazes de desenvolver um pensamento crítico e mais aprofundado das coisas. Leia aqui o post que trata sobre esse perfil de coletores e produtores de informação.

Um exemplo disso, é o que o recentemente um repórter do periódico The Guardian observou. Em pesquisa que fez verificou que de cada 100 pessoas online, uma cria conteúdo, dez interagem com ele (comentando ou oferecendo incrementos) e os outros 89 apenas leem, ou seja, continuam como espectadores passivos. Ainda assim é um consumidor que pode ser influenciado. E portanto, alvo de diferentes mídias.

 

Keen (2009), é outro jornalista e que se coloca como avesso à produção de conteúdos por internautas. Segundo ele, público e autor estão se tornando uma coisa só e podemos estar transformando nossa cultura em cacofonia. Conheça aqui sua principal obra, e veja como ele se refere ao esvaziamento do papel de especialistas e a emergência dos palpiteiros da web que estão isentos de controle, fiscalização, abrindo-se com isso um território livre para plágio, calunia, boataria e propaganda.

A grande diferença aqui é que todos os consumidores podem, se desejarem, ser produtores. Diferente do que ocorria com a mídia do controle que tínhamos antes do tempo de web, onde só veículos institucionalizados podiam produzir conteúdos.

 

Tomando-se esse universo de grande produção de informação, diferentes pesquisadores veem tentando estabelecer quais seriam as fases que consistiriam esse trabalho de cura.
Segundo Weisgerber (2012), por exemplo, elas poderiam ser divididas da seguinte forma:

1) Achar: identificar um nicho; agregar
2) Selecionar; filtrar; selecionar: qualidade/originalidade/relevância
3) Editorializar: contextualizar conteúdo; introduzir/resumir (não simplesmente postar); adicionar a sua perspectiva;
4) Arranjar/formatar: classificar conteúdo; hierarquizar; leiautar conteúdo;
5) Criar: decidir por um formato: Paper.li, Scoop.it, Storify.Storiful, Twitter curation; creditar fontes
6) Compartilhar: identifique sua audiência; qual mídia usam?
7) Engajar: seja o anfitrião da conversação; providencie espaço; participe; anime;
8) Monitorar: monitorar o engajamento; monitorar a liderança da conversação; melhorar

Gostaria de analisar cada uma em separado:

Curador de conteúdos

O que é?
O Curador de Conteúdo tenta encontrar entre a vasta quantidade de informação que inunda a internet, aquela que é realmente relevante aos seus usuários/leitores. Esse conteúdo de valor deverá satisfazer as exigências de informação que tais pessoas apresentam, e que funcionaria como um antídoto contra aquilo que vem se convencionando chamar de infoxicação, da qual a rede padece de forma epidemiológica.

 

De acordo com minha experiência considero que as principais fases da Curadoria de Conteúdos sejam assim discriminadas:

Fases:
1 – Coleta
Esta fase é a primeira, exatamente porque é nela em que o curador toma contato com o grosso da informação disponível.
Esse momento equivale a um verdadeiro garimpo, onde vai-se buscar em meio a tudo o que se produz o que verdadeiramente tem interesse para aqueles que são seus usuários/leitores.
Nessa fase, se percorrerá todas as fontes possíveis de informação sobre o tema escolhido para cura e que estão em diferentes suportes e formatos: infográficos, resenhas, artigos, fotografias, tutoriais, etc..,. 
Devido a essa quantidade massiva de informação o esforço demandado será grande e poderá significar um investimento alto em tempo despendido. 
Importa ressaltar que nesse ponto já seria importante estabelecer hierarquias de valores para o que for sendo encontrado, excluindo-se aquilo que não for relevante ou que não tenha real interesse. 
Considero nesse ponto, um grande teste ao curador de conteúdos: aqui começará a provar seu valor e consistência. 
Deverá de pronto saber separar o joio do trigo. Não se deslumbrará e nem equivocará facilmente.

2. Seleção e Criação de Filtros
Aqui é que o curador de conteúdos mostrará seu valor tanto como pesquisador como agregador. 
Do universo, muitas vezes incomensurável de coisas, buscará critérios para selecionar aquilo que de fato será importante e que merece tempo e investimento em publicação e divulgação. 
Um equívoco comum é achar que essa fase será simples e rápida, uma vez que tudo já foi coletado. Mas nem sempre é assim. 
Esta fase pode também demandar tempo e esforço para filtrar e hierarquizar.

3. Edição, Elaboração
Nessa fase caberá ao curador acrescentar contexto ao conteúdo a partir de sua perspectiva.
Esta fase tem como objetivo poupar possíveis problemas, já que é nela que se examina como os conteúdos selecionados podem ser adaptados para melhor atender aos usuários. Essa adaptação pode tomar em conta: adequação ao idioma, formato para publicação, o tempo de leitura, links e hiperlinks.
Todos esses aspectos ajudam a definir qual a melhor estratégia de publicação e divulgação e minimizar erros ou fracassos dos mesmos como post ou outro meio.

4) Arranjar/formatar:
Classificar o conteúdo, criar hierarquizações e dar um leiaute à tudo o que selecionou, editou e elaborou.

5) Criar a estratégia de disponibilização/distribuição
Aqui é o momento de decidir por um formato: Paper.li, Scoop.it, Storify.Storiful, Twitter curation, entre outras.
É também o momento de creditar as fontes utilizadas.
Uma vez selecionada, filtrada, elaborada chega o momento de distribuir essa informação.
Aqui a escolha recai sobre quais os meios mais adequados para aquele conteúdo, em que faixa de horário e até o melhor dia da semana para alcançar a maior audiência para o mesmo. 
É também a fase onde é testado o grau de conhecimento e interação do curador de conteúdos e sua audiência (público alvo)

6. Engajamento
O curador nesta fase exercitará seu poder de influência, animação entre seus usuários/leitores. Será preciso motivar, trocar e dialogar com sua audiência como forma de estabelecer a relação tão desejada de engajamento.
É o espaço de conversação e onde as relações com os usuários/leitores se estreitarão.
Daí a importância do curador ser conhecedor do tema em que faz a cura. Somente assim será capaz de instigar, tirar dúvidas, trocar, e mais do que tudo: ter uma boa reputação online. A influência acontece exatamente a partir desta qualidade e capacidade.

7. Análise, monitoramento
A curadoria não termina no momento da divulgação.
É fundamental analisar de forma precisa e meticulosa todos os resultados obtidos. 
Serão eles que determinarão se houve êxito na empreitada, se os objetivos e o público a que se destinava foram alcançados e com qual grau de assertividade.
Também será nessa fase que se estabelecerá estratégias futuras. A partir de erros e acertos, o curador irá aprimorar suas ações.
Portanto, essa fase tem igual peso e importância

 
 
 

Erros mais comuns a se evitar:

É natural que lidando com um número tão grande de informações e compartilhamentos cometamos alguns erros. 
Estes aumentam especialmente se temos que fornecer conteúdos de forma sistemática e contínua.
Estabelecer crivos e filtros pode ser mais difícil do que se imagina. 
Assim, aqui algumas dicas:

1. Nunca simplesmente cole e copie
Isso é desmerecer a inteligência e a paciência de seu usuário/leitor.
Cuide para não ficar repetindo chavões e fórmulas prontas. A internet anda cheia disso, e quem busca bom conteúdo não gosta disso.
2. Nunca deixe de se posicionar. Sempre coloque sua posição
O Curador de Conteúdos deve ser antes de tudo um alimentador, fomentador de ideias. O objetivo de uma curadoria de conteúdos não é uma colcha de retalhos! Exercite sua criatividade. Vá além do dado e crie conexões e caminhos para que seus leitores cheguem aos seus caminhos com a ajuda que você oferecer.
3. Dê sempre o crédito à sua fonte inicial
Nunca, nem sob tortura omita a fonte de onde retirou as informações. Não plagie! Busque a autenticidade todo o tempo. Seja profissional em suas escolhas e ações.
Atribua créditos e tenha certeza que será igualmente respeitado e creditado
4. Seja responsável com o que escreve
Como Curador de Conteúdos você não pode colecionar achismos. É preciso que, como especialista, saiba exatamente o que diz e porque. Aqui é uma situação de igual profissionalismo e ética.
5. Vá além das palavras chaves! 
As publicações precisam ter um conteúdo consistente que sirva de acompanhamento a tudo o que está recomendando.
6. Tenha cuidado com infográficos!
O infográfico possui como característica fundamental ser um facilitador de leitura de um conteúdo. Ele precisa e deve, por meio de imagens fazer com que o leitor/usuário fique dispensado da leitura e por meio de imagens intuitivamente apreender um conteúdo.
Mas , o que temos em muitos casos são verdadeiros poluidores de imagens e textos que geram mais confusão e ruído informacional do que qualquer outra coisa. Não se deslumbre facilmente por eles!
Recomendo a leitura desse excelente post que dá muito boas sugestões sobre o que tomar em conta quando se elabora um.

Algumas qualidades que são fundamentais para um Curador de Conteúdos:

1. Precisa ter espírito curioso
Sem essa qualidade estará sempre no mesmo lugar. A curiosidade movimentará suas buscas e será fonte de inspiração para seus usuários/leitores
2. Precisa ter espírito sintético, já que deve funcionar como um filtro entre a informação e seus usuários/leitores.
Seu papel e função é exatamente ser capaz de reduzir tudo ao mínimo indispensável e de forma clara
3. Precisa ser empático
Se interagirá entre conteúdos e usuários/leitores precisa ser capaz de sentir o humor, as vontades, as necessidades de quem está do outro lado. 
É muito importante que saiba colocar-se do lado de onde está seu usuário/leitor para perceber quais são as suas expectativas, necessidades, vontades. 
Fazendo isso conseguirá um caminho estreito entre si  e o outro e a isso chamamos de diálogo. 
A empatia gerará também confiança por parte do usuário/leitor e isso como vimos acima é fundamental na construção de uma boa reputação online.
4. A proatividade é outra característica importante.
Tê-la significa antecipar-se sempre às necessidades e demandas de seus usuários/leitores e significará que sempre estará um passo adiante. 
5. O curador de conteúdos precisa ser um especialista do tema que escolher para curar
Não é possível planar sobre várias coisas. 
O Curador de Conteúdos terá que definir, para o bem e qualidade de sua permanência no meio, sobre qual será o âmbito de sua curadoria. Por isso, sugere-se que seja uma área em que domine e que possa ser considerado um especialista. 
Caso não o seja, rapidamente poderá ser identificado como apenas um charlatão ou reprodutor puro e simples de ideias alheias. O que definitivamente não deve ser o caso.
Imagino que isso seja a última coisa que alguém que quer ser curador de conteúdos deseje ser.
Portanto, não vá além daquilo que você sabe!
Quem está em busca de bom conteúdo saberá identificar rapidamente imprudências, superficialidades e engôdos.
E caímos novamente no que pode ser o contrário de ter uma boa reputação online
6. Saber exercitar a crítica
Aqui não é a crítica pela crítica, mas alguém com profundidade e consistência suficiente para, ao se defrontar com diferentes informações, saber qualificar o que lê na medida correta.

Graficamente teríamos:

 

Trocando em miúdos

De tudo o que citei acima, vejo que um cuidado a se ter na Curadoria de Conteúdos é a acuidade nas escolhas. Se não for seletivo e atento pode-se “atirar” para vários alvos e acabar afastando leitores. Sentir esse humor do usuário/leitor é fundamental.

Não vejo como sendo uma atividade a ser desenvolvida de forma restrita por essa ou aquela profissão. O Perfil desse profissional está muito mais ligado a uma habilidade do que propriamente a um diploma. O que de fato importa é que esse profissional tenha profundo conhecimento da área em que atuará. E que não seja necessariamente esse ou aquele profissional oriundo dessa ou daquela formação.

 

Além disso, o curador deve ser capaz de movimentar o tema e interagir quando for necessário. Se apenas reproduzir as notícias sem o trabalho de posicionar-se sobre as mesmas o conteúdo se transformará rapidamente em apenas mais um site de atualização de notícias. O que não vejo que seja o caso e nem o objetivo desse profissional.

Este trabalho de fato é técnico, mas requer grande habilidade e sensibilidade do outro. Este talvez seja o grande diferencial do Curador de Conteúdo. Conseguir ter repertório que sustente suas sugestões de posts, encontrar temas relevantes e adequá-los ao seu público leitor é uma tarefa muitas vezes árdua e de “alta-costura” (requer paciência e cuidado). É preciso também posicionar-se de forma crítica e além do mais acrescentar dados de modo a complementar a sugestão de conteúdo.

Talvez esteja aí a maior e principal dificuldade da curadoria. Não somos capazes de falar com propriedade sobre tudo o que achamos interessante. O limite para o curador será sempre sua própria ignorância! Para manter a consistência terá que estar focado não apenas ao que o seu público quer, mas também àquilo que pode comentar e contribuir com segurança e profundidade.

É preciso dar corpo e voz ao conjunto de postagens e fazer com que toda uma comunidade interessada no tema tenha conhecimento agregado a partir da verticalização que cabe ao curador. Não é fácil e exige muita leitura e disciplina. Isso eu garanto! Mas de outro lado, é muito bom ver o quanto isso faz da comunidade usuária/leitora coesa e consistente. Considero que, para o meu caso específico, a atuação nos Grupos do LinkedIn são um excelente laboratório de conteúdo e de interação, onde todas as ações que sugiro acima são testadas diariamente.

Mas tudo falharia se não houvessem interlocutores. Sem estes nenhuma curadoria faria sentido!

Referencias

  • Amaral, Adriana; Aquino, Maria Clara. Eu recomendo…e etiueto. Praticas de folksonomia dos usuários di Lst.fm, Revista Libero, n. 24, Ano XII
  • Belguelman, Gisele, Curadoria de Informação. Palestra, USP 2011. [Link:]
  • Jenkins, Henry. Cultura da Convergência, São Paulo, Aleph, 2006
  • Keen, Andrew. O Culto do amador. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2009
  • Recuero, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009
  • Rosenbaum, Steven. Curation nation. Why the future of context is context. NY: McGraw Hill, 201
  • Site e Infográficos: 
  • Link 1: 
  • Link 2: 
  • Link 3:
Agradecimentos:
  • Lionel Bethancourt por leitura atenta e cuidada e auxilio em diagramar ideias transformando-as em imagens.
  • Victor V. Valera por ser interlocutor atento e me despertar para uma série de temas relacionados à Curadoria de Conteúdos, e que me serviu de inspiração para muitos dos temas tocados nesse post.
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Publicado originalmente no Pensados a Tinta

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