Equívocos da Proposta de choque fiscal de Von Doellinger, por José Luis Oreiro

O presidente do IPEA e sua polêmica proposta apresentada em artigo publicado no Valor Econômico, na ultima terça-feira

O presidente do IPEA, Carlos Von Doellinger | Foto: Reprodução/Youtube

Equívocos da Proposta de choque fiscal de Von Doellinger

por José Luis Oreiro

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O economista Carlos Von Doellinger, presidente do IPEA, apresentou uma polêmica proposta de choque fiscal em artigo publicado no Valor Econômico da ultima terça-feira. Segundo o economista o Brasil precisa de um choque fiscal na forma de três “d´s”: desindexação, desvinculação e desobrigação dos gastos públicos para recuperar a eficácia da gestão fiscal e aumentar os investimentos públicos. Ainda de acordo com o economista, a estratégia de consolidação fiscal em curso na economia brasileira seria ineficaz por seu gradualismo, sendo que a experiência brasileira mostraria que as estratégias historicamente bem sucedidas para lidar com problemas persistentes como, por exemplo, a alta inflação foram sempre estratégias baseadas em algum tipo de choque.

O primeiro equivoco da argumentação de Von Doellinger pode ser encontrado no exercício aritmético feito para justificar a terapia de choque. Com efeito, enquanto o crescimento das despesas obrigatórias é calculado em termos nominais, o que inclui o efeito da inflação sobre as mesmas; o crescimento das receitas tributárias é calculado apenas em termos reais, ou seja, excluindo o computo da inflação sobre a base de arrecadação tributária. Dessa forma, a soma do crescimento das despesas obrigatórias devido a indexação à inflação passada e ao crescimento vegetativo fica entre 7,5% a 9% a.a; ao passo que o crescimento das receitas acompanharia o crescimento do PIB real, situando-se numa faixa compreendida entre 2,0 a 2,5% do PIB. O erro elementar desse exercício é que a receita tributária acompanha o crescimento do PIB nominal, o qual é a soma do crescimento do PIB real com a taxa de variação do deflator implícito do PIB. Com base em dados publicamente disponíveis no IPEADATA (série Produto interno bruto (PIB) a preços de mercado – deflator implícito: variação anual) podemos constatar que a média da taxa de variação anual do deflator implícito do PIB no período 1998-2018 foi de 7,62%. Supondo que essa taxa de variação irá se manter no médio e longo-prazo; então o crescimento nominal do PIB no longo-prazo pode ser estimado entre 9,62% e 11,12% a.a, mais do que suficiente para compensar – com folga – o crescimento da despesa obrigatória devido a indexação e ao crescimento vegetativo.

Outro equívoco se encontra na analogia feita por Von Doellinger com a estratégia gradualista de combate a inflação adotada nos anos 1960. Com efeito a estratégia desinflacionaria gradualista adotada pelo PAEG – Plano de Ação Econômica do Governo – durante o início do período militar foi muito bem sucedida. Com efeito, enquanto a inflação média no período 1964-1967 foi de 45,5% e o crescimento médio do PIB real foi de “míseros” 4,2% a.a; no período 1968-1973 a inflação se reduziu para uma média de 19,1% a.a, ao passo que o crescimento se acelera para um ritmo chinês de 11,1% a.a. Isso está bem longe de ser um fracasso. O PAEG foi desenhado a partir da premissa de que a magnitude da contração monetária e fiscal requerida para reduzir rapidamente a inflação provocaria uma grave recessão, o que não era politicamente recomendável. Isso refletia  o consenso existente então no Brasil de que as “crises de estabilização” não eram necessárias para o alcance da estabilidade de preços.

Outro equivoco está em atribuir ao ajuste fiscal feito no período anterior ao Plano Real o êxito no processo de estabilização do nível de preços pós 1994. Com efeito, o Setor Público consolidado apresentou uma expressiva deterioração da sua posição fiscal no período 1995-1998 na comparação com o período 1991-1994. De fato, o resultado primário do setor público caiu de 2,9% do PIB na média do período 1991-1994 para -0,2% do PIB no período 1995-1998; ao passo que o déficit nominal aumentou de 0,4% do PIB no primeiro período para 5,1% do PIB no segundo período.

Em suma, os argumentos apresentados pelo Presidente do IPEA nem de longe corroboram sua conclusão de que “a opção pelo penoso ajuste gradualista é a permanência da estagnação econômica ou mesmo a volta da recessão”.

Redação

1 Comentário

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  1. É quase inacreditável que alguém, neste caso o presidente do IPEA, consiga atingir cinismo tão elevado, uma vez que qualquer economista que acompanhe, que tenha interesse pelo assunto é capaz de destruir completamente algumas premissas que poderiam justificar esta proposta de choque fiscal.
    Novamente estão todos diante de outra espantosa fragilidade de argumentos, como já tinha sido demonstrada anteriormente por conta da “reforma previdenciária que salvará o brasil”.
    No caso anterior, praticamente não se viu muitas análises quanto à necessidade da tal reforma previdenciária e seus efeitos de médio prazo, que serão duríssimos para dezenas de milhões de brasileiros, vamos ver se em relação ao choque de Von Doellinger a informação possa fluir melhor, caso contrário poderá ocorrer o mesmo que em relação à reforma trabalhista, que iria reduzir o desemprego.
    Como se pode ver, o país está entregue às traças com um ministro da Economia que não sabe se anda para a esquerda ou para a direita, um típico “barata voa” que conhece zero de gestão pública e faz questão de demonstrar, diariamente, esta sua limitação.

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