Impressões sobre a primeira entrevista de Nelson Teich

Se na montagem da equipe for utilizado o critério de não aproveitar ninguém da equipe anterior, o general não vai longe. O que de pior poderia acontecer seria o novo Ministro se indispor com a máquina da saúde, que funciona bem quando bem estimulada.

Em sua primeira entrevista coletiva, o novo Ministro da Saúde Nelson Teich não disse nada que o comprometesse. Mas não mostrou nada que o consagrasse.

Os jornais deram muito destaque à sua afirmação de que não haveria nem condição nem necessidade de testes de massa para mapear o vírus: basta uma boa amostragem.

Está certo. É o mesmo princípio das pesquisas eleitorais.

Também soltou algumas verrinas em relação à condução anterior da política de saúde. Na reunião que manteve com governadores, pediu uma relação de todas as promessas não cumpridas do Ministério da Saúde, de entrega de equipamentos e recursos.

Mas os primeiros passos, na montagem da equipe, deixam espaço para dúvidas. Para Secretário Executivo foi indicado o general da ativa Eduardo Pazuello. É considerado um tocador de missões, capaz de colocar alguma ordem na distribuição de equipamentos para estados.

Mas o trabalho do Ministério não é apenas esse. Há todo um desafio na produção e aquisição dos produtos. Tem que sabe como coordenar os esforços de produção de equipamentos pela indústria, a reconvenção de fabricantes de outros produtos, a articulação com Fiocruz e outros institutos de pesquisa, com as universidades públicas, com as empresas com contato com a China.

Obviamente exige um conhecimento interno do complexo da saúde, que o general não tem. Antes da coletiva, em algumas entrevistas ele parecia enxergar seu lugar, de apenas garantir o ritmo de trabalhos até o Ministro indicar sua equipe. Na coletiva, permitiu-se até opiniões sobre o isolamento e as características diversas dos municípios brasileiros, mostrando que ninguém escapa da epidemia do opinionismo.

De qualquer modo, se na montagem da equipe for utilizado o critério de não aproveitar ninguém da equipe anterior, o general não vai longe. O que de pior poderia acontecer seria o novo Ministro se indispor com a máquina da saúde, que funciona bem quando bem estimulada.

Luis Nassif

9 Comentários

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  1. Tudo bem, chama atenção para os aspectos técnicos envolvidos na entrevista. Aconteceu, mesmo, foi a comprovação das razões porque o Bozo fez tanta questão de forçar a saída do médico Mandetta, seu correligionário e parceiro, trocando-o pelo médico Nelson Teich: acelerar o mais que possa, formulando teses discutíveis, a volta das atividades econômicas, sem dúvidas nenhuma, sem apoio da ciência. Este médico, Dr. Teich, mesmo sendo parceiro político mais distante do Bozo, é um empresário bem sucedido da área da saúde, proprietário de uma clínica médica. Com fortes razões torna-se evidente que o Dr. Teich não se ocupa em evitar, acima de tudo, o aumento de mortes horríveis pela inadequação da estrutura de atendimento médico do país, principalmente a falta de respiradores, com dificuldades até no sepultamento de vítimas, como já vem acontecendo em Manaus e Fortaleza, não tardando, em maiores números, em São Paulo e no Rio de janeiro. Já deu mostras friamente deste seu lado tétrico. Para o Bozo, a escolha perfeita, que permite que exerça sua política genocida sem entraves, inclusive agora contando com um general (eles entendem de tudo, de ginecologia a bomba nuclear, ridículo: é só dizer que é missão, não há civil com tanta capacidade) para secundar nas tratativas do governo para acelerar a volta da normalidade econômica, sem se preocupar com o aumento da morte de pessoas. O genocídio perfeito, será?

  2. [crônica completa aqui:http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx…%5D

    E quem não morreu com a Espanhola?

    [nelson rodrigues – extrato]

    “A gripe foi justamente a morte sem velório. Morria-se em massa. E foi de repente. De um dia para o outro, todo mundo começou a morrer. Os primeiros ainda foram chorados, velados e floridos. Mas quando a cidade sentiu que era mesmo a peste, ninguém chorou mais, nem velou, nem floriu. O velório seria um luxo insuportável para os outros defuntos… Durante toda a Espanhola, a cidade viveu à sombra dos mortos sem caixão.

    Morrer na cama era um privilégio abusivo e aristocrático. O sujeito morria nos lugares mais impróprios, insuspeitados: na varanda, na janela, na calçada, na esquina, no botequim. Normalmente, o agonizante põe-se a imaginar a reação dos parentes, amigos e desafetos. Na Espanhola não havia reação nenhuma. Muitos caíam rente ao meio-fio, com a cara enfiada no ralo. E ficavam lá, estendidos, não como mortos, mas como bêbados. Ninguém os chorava ninguém. Nem um vira-lata vinha lambê-los. Era como se o cadáver não tivesse nem mãe, nem pai, nem amigo, nem vizinho, nem ao menos inimigo.

    A forma de lidar com os corpos era igualmente aterradora. “Vinha o caminhão de limpeza pública, e ia recolhendo e empilhando os defuntos. Mas nem só os mortos eram assim apanhados no caminho. Muitos ainda viviam. Mas nem família, nem coveiros, ninguém tinha paciência. Ia alguém para o portão gritar para a carroça de lixo: ‘Aqui tem um! Aqui tem um!’. E, então, a carroça, ou o caminhão, parava. O cadáver era atirado em cima dos outros. Ninguém chorando ninguém.

    Se os próprios familiares não mais tinham ânimo para rituais, os carregadores muito menos. Nem para esperar o desfecho da morte. E o homem da carroça não tinha melindres, nem pudores. Levava doentes ainda estrebuchando. No cemitério, tudo era possível. Os coveiros acabavam de matar, a pau, a picareta, os agonizantes. Nada de túmulos exclusivos. Todo mundo era despejado em buracos, crateras hediondas. Por vezes, a vala era tão superficial que, de repente, um pé florescia na terra, ou emergia uma mão cheia de bichos.

    De repente, passou a gripe. Com o fim da gripe as coisas não mais foram as mesmas. A peste deixara nos sobreviventes não o medo, não o espanto, não o ressentimento, mas o puro tédio da morte. Lembro-me de um vizinho perguntando: ‘Quem não morreu na Espanhola?’. E ninguém percebeu que uma cidade morria, que o Rio machadiano estava entre os finados. Uma outra cidade ia nascer. Logo depois explodiu o Carnaval. A pandemia passou e, no Brasil, o Carnaval de 1920 representou um desafogo e a euforia geral tomou conta da população. E foi um desabamento de usos costumes, valores, pudores. Exatamente como antes.”

  3. Do Thiago Silva, no Twitter:

    A parte mais cruel pra mim na fala do Teich hoje pode ter passado desapercebido pra muitos. Qdo ele diz que nenhum sistema de saúde estaria pronto para uma crise como esta pois “são feitos” para trabalhar perto do limite, revela um aspecto duplamente perverso do seu pensamento.
    Primeiro. Ele interpreta como UMA duas lógicas completamente diversas. Ele iguala a lógica do setor privado da Saúde, de trabalhar perto do seu limite para evitar dispêndios com capacidade instalada OCIOSA, com a ESCASSEZ crônica de capacidade instalada do SUS. Como se a escassez que matava pessoas por falta de acesso à saúde ANTES DO COVID seguisse a mesma lógica de evitar OCIOSIDADE praticada pelo mercado. Isso é muito cruel, visto que ESCASSEZ no SUS sempre significou gente morrendo por falta de UTI, cirurgia, vaga de enfermaria, cateterismo, etc. Quantas vezes não vimos pacientes na nossa frente aos quais não podíamos fornecer o melhor cuidado porque a fila de espera era de um ano, porque o tal remédio “não tem no SUS”, porque o tal exame “só no privado”…
    Por um lado o setor privado opera na lógica de evitar a ociosidade, por outro o setor público se equilibra como pode no mar de escassez. E daí vem o SEGUNDO aspecto perverso desse pensamento: esse embate entre escassez e ociosidade JÁ entrou na ordem do dia, da forma mais trágica possível. Teich hj mostrou preocupação com a ociosidade da capacidade instalada do setor privado, devido a pandemia: cirurgias eletivas, procedimentos ambulatoriais, etc. Ao passo que não demonstrou a menor preocupação com o COLAPSO iminente/concretizado do SUS em 4 Estados…
    Sabem o que isso significa? Que entre a cirurgia eletiva (e porque não as estéticas?) do rico, e a necessidade de leito para Covid pro pobre, está clara a posição do Ministro.
    É por isso que a Campanha Vidas iguais e Leitos para todos, apoiada pela ABRASCO é tão fundamental. A vida de quem paga plano de saúde NÃO vale mais que a vida dos usuários do SUS!
    Finalizo com uma triste constatação: a tendência de aprisionamento do Sistema Único de saúde à lógica privada é cada vez mais perversa e sofisticada. Ao paradoxo de um Sitema de saúde híbrido, mas sob a lógica do “monstro” chamei de Minotauro da Saúde em minha dissertação de Mestrado. Pra quem se interessar, deixo o link abaixo.
    https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/6/6135/tde-13022017-112252/pt-br.php

  4. /storage/emulated/0/Download/d9607ea8164811162d66838775249c93d249e6eb_740.440.img
    Arthur Virgílio, comemorando a queda da CPM, que ia toda para a Saúde, hj ele chora lágrimas de crocodilo. Quantos bilhões de 2007 para cá deixou de ser repassado ao SUS?

    1. Olhando pra cara chorosa do governador fiquei pesquisando meus arquivos de memória perguntando: – de onde eu conheço essa cara ensebada?
      Acho que essa pandemia veio a reboque na bagagem do “senhor do carma”

  5. O novo ministro questiona os estudos acadêmicos que fazem projeções sobre epidemias.
    (de novo o descredito do conhecimento )
    Diz que a realidade será diferente. O que me parece mais do que óbvio. Sempre é assim para qualquer projeção em qualquer área social ou economica.
    Só que ninguém, por conta disto, prefere trabalhar sem plano, projeto e previsão, ou seja sem objetivo.
    Bolsonaro conseguiu encontrar outra pessoa tal qual.
    O Joaozinho do passo certo.
    Outra inusitada, desconhecida e mortal raridade.

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