João de sapato novo

Ainda era cedo: 10 horas da manhã. João andava pra lá e pra cá em frente ao hotel Guaira, em Curitiba. Calça de tergal cinza claro, camisa branca de mangas curtas, meias pretas e sapato preto, lustroso até a sola. Como eu e mais meia dúzia de pessoas, João aguardava o resto da turma que ainda nem tinha descido para o café. O ano era 1979, o mês, fevereiro.  Mas o ar de Curitiba naquele dia era frio. Nós éramos os anfitriões. Íamos levar João do Vale e Zé Ramalho, que estavam participando do Projeto Pixinguinha no Teatro Guaíra, naquela semana, para comer um barreado em Antonina, descendo pela Serra da Graciosa. João continuava impaciente, andando de um lado para o outro em frente ao hotel. Quando já estava todo mundo esperando os carros para a descida da serra, João pára e diz: “Pô, hoje que tô de sapato ninguém fala nada?” E todo mundo riu.

Descemos para o litoral em três carros e fizemos diversas paradas na Serra da Graciosa, cuja paisagem impressionou tanto ao Zé quanto ao João. Em Antonina, João preferiu frutos do mar. Zé Ramalho saboreou o barreado. Mas joão pediu comprou uma garrafa de cachaça de banana e tomou-a inteira, sozinho, durante o almoço. Depois, pegou uma caixa de fósforo e fez uma canção para a ocasião.

João do Vale, Telma e Zé Ramalho

João do Vale, Telma e Zé Ramalho

João do Vale não tocava nenhum instrumento. Dizia que também não sabia cantar e nem tinha voz de cantor. “Sou um cantador”, repetia com Zé Ramalho. Os músicos que estavam com ele concordavam. Disseram que tinham que ir atrás porque cada vez ele cantava num tom diferente. Mas João tinha uma facilidade impressionante para fazer versos.

Eu sou a flor que o vento jogou no chão
Mas ficou um galho
Pra outra flor brotar
A minha flor o vento pode levar
Mas o meu perfume fica boiando no ar 

Naquele dia, João enriqueceu mais a minha vida. Saímos do litoral com o sol avermelhando todo o céu e chegamos a tempo para o show no Guaíra. João subiu no palco imenso do teatro descalço, mas sua performance foi inesquecível.

No Pé do Lajêro – uma homanegem a João do Vale

João Batista do Vale, cantor e poeta do povo, completa ao lado de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro a santíssima trindade da música nordestina. João do Vale dentro da música brasileira foi capaz de cantar com maestria, doçura e verdade, a vida, as tristezas e as alegrias do sertanejo e do retirante. Sua vida e obra resumem-se na poesia lírica, na denúncia política e na riqueza cultural do povo brasileiro. 

No show “No Pé do Lajêro”, o grupo Mundaréu homenageia o grande poeta de Pedreiras, Maranhão, e traz à cena um espetáculo encantador, revelando expressões como o tambor de crioula, os toques do Divino, bumba boi, cacuriás e pontos de Mina, além do forró e do samba, todas bem presentes na sua obra. O espetáculo, que tem por base a utilização de bonecos de vara e bonecos de balcão, além do uso das técnicas de sombras, é permeado pelas canções e os depoimentos sobre a vida de João do Vale, nos levando assim a reviver sua trajetória. 

Ficha técnica
Direção: Itaercio Rocha
Elenco: Itaercio Rocha, Thayana Barbosa, Roseane Santos e Carlos Ferraz
Confecção de Bonecos: Cia Manoel Kobachuk e Mundaréu
Cenografia: Mundaréu, Edson Naindorf e Aryosvaldo Cruz 

Espetáculo em curta temporada no Espaço Cultural Terreirão
De 29 de março à 13 de abril
Sábados às 20h e domingos às 19h
Ingressos somente na hora: R$20,00 e R$10,00
Capacidade: 50 lugares

Redação

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