Londres não estava na pauta.

 

Postado no: http://klaxonsbc.com/2011/08/13/londres-nao-estava-na-pauta/

“Custa dinheiro para cuidar. Mas também custa dinheiro para limpar motins, selvageria e comportamento anti-social.”

Camila Batmanghelidjh, fundadora da ONG “The Place To Be e Kids Company (que atua nas ruas de Londres)

 

Demonizem a política, esvaziem-na com a retórica falso moralista, resultado: caos na polis. Londres, Manchester, Birmingham estão aí para provar. O que se passa na Inglaterra é muito diverso para que usemos nossos olhares viciados. Há dois caminhos, ambos preguiçosos, que são escolhidos automaticamente para “interpretar” os conflitos nas cidades inglesas.

De um lado reduz-se a questão à leitura policialesca e repressora. Imigrantes ingratos, bandidos com pré disposição para saques e baderna? Por outro lado a romantização dos ocorridos que denunciam uma voz calada e reprimida que se insurgiu contra a exclusão.

Como disse, são reducionistas, não deixam de conter verdades, mas não dão conta do todo.

A despolitização e total falta de foco são inegáveis. As ruas têm regras próprias e difíceis de decodificar ao longe e com ferramentas inadequadas. O jornalismo adere a grita conservadora e vira reprodutor das falas oficiais com breves mudanças.

As tentativas de isolar o fenômeno inglês dos demais protestos que ocorreram em outros países recentemente só denotam uma necessidade de desviar o foco principal: insatisfação.

Insatisfações diversas, evidente, têm origens diversas e ramificações, pontos que as unem e pormenores que a afastam. A contestação aos regimes “autoritários” no Oriente Médio é o foco das revoltas de rua no Egito, Síria, Líbia e motiva o apoio aos insurgentes por parte da ONU e dos países “democráticos”.

O que querem os revoltosos das ruas de Londres? Qual o apoio interno e externo que o heterogêneo governo inglês necessita para “vencer” este furor? Quais os motivos de origem: roubar DVDs, tênis, gadgets, tomar o poder, democracia?

Como vamos separá-los e tratá-los de forma desigual, se o que se professa há mais de século é que os fundamentos econômicos servem para o mundo todo.

Remédio para os males todos, a pauta neoliberal é usada sem contrapontos para “sanear” a economia de todos os países do mundo. Como justificar esta ortodoxia econômica, sem empobrecer a análise das questões sociais e políticas?

O resultado você lê em jornais diários e assiste nos noticiários de TV. Olhares monolíticos.

O que salta aos olhos foi a surpresa que causou o fato dos amotinados roubarem lojas e saírem rindo com vulgares materiais de consumo. O consumo é um dos elementos que organizam a polis hoje. Parece até redundância.

Os espaços comuns de convivência há muito e em varias cidades do mundo são os shoppings centers, ou qualquer outro nome que se dê em cada lugar para espaços onde o consumo é o fio condutor.

Aqui onde vivo (exemplo que vejo de perto), uma cidade relativamente organizada e com recursos, mínguam os espaços públicos. Muitos estão sucateados e não atraem, outros apesar de “revitalizados” (palavra estranha, pois indica que algo estava morto e reviveu) são ignorados e não frequentados.

O que são os espaços públicos no restante do mundo? São diferentes?

As cidades se organizam e se encontram nos locais de consumo. Como tirar o consumo do centro de um conflito? No caso ele se apresenta através da expropriação, roubo ou do termo que melhor convém a quem o defende.

Não é justificativa, é quase uma relação causal.

A criminalização dos revoltosos e o remédio usado e ensaiado desde o início pelos apressados, prometida e cumprida pelo Primeiro Ministro, Cameron, e desejada pelos censores de sofá:

“Bater, antes de perguntar e cortar liberdades de quem não sabe usar”.

“Barrar as redes sociais”.

A pauta esta pronta desde o início. Como a redução de gastos públicos na Grécia, a cadeia para quem pilhou, é a “fórmula certa”.

Homens, mulheres e crianças vão e vem na cidade, a mobilidade dificultada pelo medo e pelas distâncias cheia de obstáculos (excessos de carros, transporte caro e insuficiente, etc.) confina as pessoas em espaços cada vez menores. Estacionamentos em áreas nobres ou comerciais são mais extensos que centenas de moradias aglomeradas.

A oportunidade de viver em grupo, muitas vezes não o é por opção e por pura falta de espaço. As ruas vão ficando pequenas e sufocadas. As casas tristes.

Qual o espaço da política nessa refrega? Onde ela entra nas comunidades?

Os movimentos sociais, apartidários por questão de principio, disputam com o cinismo do consumismo um espaço dentro do imaginário das pessoas em geral. Relação desigual e excludente. A política sempre entra pela porta dos fundos e como gafe.

Fazer política é trabalhoso e complexo. A referência que se vende da política, em parte pela ação de picaretas e pela amplificação das mesmas na mídia, é a de lugar de oportunistas e desonestos. O mais fácil não seria pular as agruras da política e ir direto para ações oportunistas e desonestas?

A generalização de um pensamento gera consequências. Despolitização. O cinismo tem um preço muito alto.

Onde começa isso?

Não é fácil tomar partido quando ambos os lados são pontiagudos.

Redação

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