Macunaíma de Mário de Andrade e o enigma do herói às avessas, por José Miguel Wisnik

 

“macunaíma” é um livro profético resultado de intensas pesquisas de mário de andrade sobre a cultura popular, a obra descreve o herói às avessas como um projeto de país: imenso, mas muitas vezes menor do que poderia ser

do cpflcultura

“macunaíma” é o resultado de intensas pesquisas de mário de andrade sobre a cultura popular pelo brasil. o livro imita o modo de narração da composição popular. o herói às avessas é grande e é pequeno. como o brasil: imenso, mas muitas vezes menor do que poderia ser.

no último café filosófico cpfl da série “os clássicos e o cotidiano”, o ensaísta, compositor e professor aposentado de teoria literária da usp josé miguel wisnik falou sobre “macunaíma de mário de andrade e o enigma do herói às avessas”. escrito em 1928, o livro descreve a saga de um herói brasileiro apresentado com traços positivos e também marcadamente negativos. um livro, portanto, sobre o brasil atual.

“macunaíma é uma obra apaixonada pelo brasil. embora apresente as deficiências e inconsequências do país”, disse wisnik.

ele lembrou que, antes da publicação do livro, as obras do modernismo tentavam romper a distância entre a cultura erudita e a popular. a personalidade de mário de andrade era, naquele momento, agônica e conflituosa. como macunaíma

“a palavra ‘caráter’, em macunaíma, tem mais de um sentido. refere-se tanto ao mentiroso, desregrado, inconsequente como à ausência de características sólidas. ‘macunaíma’ era um plágio das lendas indígenas e o modo do brasil ser: uma bricolagem.”

em mário de andrade, afirmou wisnik, não há a ideia de identidade nacional, mas de sofrimento e gozo das populações em sua construção. “mário não está interessado na identidade, mas na entidade nacional. algo de contornos não definidos. ‘macunaíma’ é uma entidade que baixou em mário de andrade.”

o palestrante citou uma expressão de fernando novaes segundo quem “se o brasil se moderniza, deixa de ser brasil; se continua a ser brasil, não se moderniza”. este conflito está presente em macunaíma, personagem que protela o seu própria amadurecimento. wisnik lembrou que, ao longo do livro, não existe a mais remota possibilidade de lembrança de existência do pai. o pai, na tradição psicanalítica, explicou, é quem retira os laços da criança da mãe natureza e estabelece limites. mas macunaíma se recusa a entrar na ordem do simbólico. porque sabe o preço que tem. em vez disso, quer o mundo pautado pelo prazer.

“‘macunaíma’ é um livro profético. ele vê na realidade traços recorrentes que vão sempre comparecer [ao longo da história. o macunaíma é um exilado em sua própria. ao se tornar constelação, macunaíma foge da dor do mundo. ele não elabora o limite. tenta driblar a morte. e isso volta em forma de castigo.”

segundo o ensaísta, é preciso ler a obra para além dos esquematismos simplórios. e compreender a obra como um projeto do gênio do modernismo. a condição agônica de mário de andrade, segundo ele, é o entrechoque entre forças e demandas opostas. “por um lado ele se depara com uma realidade vista na amazônia e no nordeste. por outro, vê a necessidade da cultura escrita, ou erudita, se aliar a essa tradição popular.”

as pesquisas de mário de andrade sobre a tradição popular é o esforço para descobrir o brasil pré-moderno que a industrialização tende a levar ao desaparecimento. tratava-se de fundar (atrasadamente) a ideia da cultura popular.

mário de andrade não elege a música popular urbana, mas voltava as atenções na manifestação rural, anônima e coletiva sem as marcas estrangeiras ou comerciais. “mário recalca a emergência moderna ligada à cultura de massas popular. buscava uma pureza entre o popular e o erudito.”

essa busca, de acordo com o palestrante, denota uma relação paternal entre o intelectual letrado e povo. essa relação gerou obras fundamentais, como “macunaíma” e o “grande sertão: veredas”, de joão guimarães rosa.

segundo wisnik, a cultura popular urbana acabaria realizando o que mário de andrade idealizou: uma incrível poesia cantada.  nesse sentido, lembrou o ensaísta, mário e oswald de andrade eram “opostos e complementares”. “oswald apostou que a tecnologia estaria cada vez mais presente. e precisava ser incorporada. mário tem uma face melancólica de quem vê o mal-estar na civilização.”

Redação

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Aspeando meu professor

    ” Mário recalca a emergência moderna ligada à cultura de massas popular. buscava uma pureza entre o popular e o erudito.”

    essa busca, de acordo com o palestrante, denota uma relação paternal entre o intelectual letrado e povo. essa relação gerou obras fundamentais, como “Macunaíma” e o “Grande Sertão: veredas”, de João Guimarães Rosa.’

    Todos os citados são pérolas, ainda que aos poucos, plagiando Zé Miguel.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador