O cardume de pescadores contra o Mexilhão gigante

O que você faria se precisasse organizar uma longa (e complexa) disputa ambiental com a Petrobrás?

Por Thiago Venco, em O Labirinto do Desacordo

Ah, se o pescado no seu prato falasse… ele poderia te contar uma história sobre como é duro exercer a plena cidadania no Brasil do século XXI. Escutei a seguinte história de um camarão (à paulista, frito no alho e óleo), em uma praia no Litoral Norte de São Paulo:

“A Cooperativa de Pescadores de São Sebastião vive há anos em disputa com a Petrobrás, por uma compensação por danos ambientais causados por sua operação na região – em especial, pelo gasoduto conhecido como Projeto Mexilhão”

Este pier do Bairro São Francisco foi conquistado pelo esforço e organização dos pescadores de São Sebastião
 

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Três temas chave nesta história:

 

1) A dificuldade do cidadão “comum”, no caso, os pescadores, de se articular num caso tão complexo e de gigantescas proporções – como o impacto ambiental causado por um gasoduto – onde ele precisa estabelecer acordos com múltiplas instituições estatais.

 

2) A ausência de transparência para o “cidadão comum”, no caso, você, leitor do Labirinto do Desacordo, em entender o que está em jogo no meio ambiente, de modo a pensar em como pode ajudar, enquanto você enche o tanque de gasolina para se dirigir ao mais próximo entreposto de sushis, moquecas, caldeiradas, lulas à doré e filés de peixe fritos.

 

3) O que significa o termo “compensação”? Bem, certamente não significa “recuperação ecológica do impacto ambiental causado”… mas também não significa “ressarcimento”; nem “indenização”. E você cidadão brasileiro? Sente-se “compensado” com estes acordos?

 

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Parte 1: papo de camarão frito

 
Você não quer que essa imagem vire uma vaga lembrança de um passado remoto
 

Felizmente (…), todos os seus 500 cooperados, além de terem aprendido o duro – e nobre – ofício de pescadores, tiveram a chance de estudar na escola pública excelentes disiciplinas que os ensinaram a elaborar e operar um Plano de Gestão Compartilhada (…) e hoje cuidam com total facilidade da articulação as diferentes instituições do Estado Brasileiro, em especial, aquelas que impactam diretamente em seu trabalho:

 

– IBAMA
– Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura Municipal
– Ministério Público
– Petrobrás (engenheiros, advogados, acionistas, trabalhadores… mil e um “agentes”)
– Fiscalização Ambiental Municipal
– Empresas Terceirizadas de Avaliação de Impacto Ambiental
– Secretaria de Patrimônio da União
– Ministério da Pesca
– Companhia Docas de São Sebastião
– Sindicato dos Pescadores
– Câmara dos Vereadores
– Associação Sebastianense de Pesca Esportiva Embarcada
– Comissão do Programa de Ação Participativa da Pesca (bairro São Francisco)
– Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb)
– … deve ter mais. Tipo, alguma instância do Poder Judiciário.

 
Jura?
 

HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA! Esse camarão é obviamente um piadista. Claro que nenhum dos pescadores jamais imaginou que, além de ser um bom pescador, eles teriam que encontrar a saída de tamanho labirinto institucional nas horas “vagas” (hahaha).

 

Agora pense que este problema “dura no tempo”; que as administrações mudam, mudam as pessoas, mudam as demandas, até as leis mudam. O que você faria?

Anotaria todas as atas de todas as reuniões, a mão, em diversos “caderninhos” e deixaria disponível numa pequena biblioteca na sede da Cooperativa, sob uma plaquinha “A QUEM INTERESSAR POSSA”?

 
Não vejo a hora de devorar todos estes 30 cadernos de atas escritos à mão!
 

– Manteria uma página no Facebook (melhor ler nosso texto “Zuckerberg nos condenou ao mesmo castigo de Sísifo” antes de tentar isso…)

– Faria uma lista de emails (desde 2009, já foram mais ou menos uns 3559 emails).

 

– Uma petição no AVAAZ por semana? Assine, mande seu RG e apoie nossa demanda com um abaixo assinado que será usado para “sensibilizar” algum político a atender nossa causa!

 
Como se não bastasse o ceticismo em relação ao poder de um abaixo assinado…
 

– Gravaria o audio de todas as reuniões e disponibilizaria aproximadamente 159 horas de reuniões chatíssimas e técnicas no Soundcloud?

– Iria para a pracinha da praia de São Francisco aos domingos, vestido de frade franciscano, subiria num banco da praça e atualizaria os passantes sobre com um sermão sobre os acontecimentos nos últimos anos?

 
Não tá fácil pra ninguém?
 

Acredito que você já tenha “captado” o problema:

 

qual a melhor estrutura para um “amador” (na arte da disputa pública sobre causas ambientais, profissionais) sustentar uma mediação tão longa e tão complexa?

 

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Parte 2: eu quero entender o que está acontecendo “de verdade” – como faço? Como ajudo?

 

Ok, esqueçam o camarão e vamos consultar o Google para nos informarmos sobre o que está acontecendo: infelizmente, só encontraremos o ponto de vista das “fontes oficiais” da Prefeitura, da Petrobrás e alguns sites jornalísticos, cujo interesse sobre o tema é inconstante como a maré.

 
Apenas alguns bilhões em jogo… uma cooperativa de pesca não pode paralisar o progreso, pode?
 

Estando de fora do contexto, temos alguns problemas estruturais para “descobrir” o que está acontecendo com a fauna marinha e com a pesca, diante da expansão do petróleo e das (perigosas) tentativas de aumentar ainda mais o trânsito de grandes embarcações o porto de São Sebastião:

 
Mais alguns bilhões… ora, não me venha com essa de algas, plâncton, baleias e garoupas… temos carros a receber da China
 

1) O ponto de vista de cada RELATO vai coincidir com os OBJETIVOS de cada parte; e como são muitos “atores”, quem vai dar conta de reunir e organizar essa miríade de perspectivas num todo inteligível?

 

2) Os INTERESSES ESCUSOS. Sabemos muito bem que a corrupção assola nosso país e que quando existem bilhões em jogo, existem milhares de pessoas interessadas em “tocar o f*-se” para o meio ambiente, para os interesses da população. Essas são as histórias que não se conta – pois você pode ser ameaçado pelos mafiosos ou mesmo processado por não ter provas pelas acusações que sabe serem verdadeiras.

 
Latuff, preciso
 

3) O problema do “SE EU NÃO TEREI CAPACIDADE DE AJUDAR, MELHOR NEM FICAR SABENDO, JÁ TEM PROBLEMA DEMAIS NO MUNDO”: ainda que eu saiba o que está acontecendo, perfeitamente – o que posso fazer? Já fizemos nossa piadinha com os abaixo-assinados… como um cidadão que mora em outra cidade, mas totalmente interessado na preservação do meio ambiente e na manutenção de seu pescado pode ajudar a cooperativa de pescadores? Não pode, realmente. Temos pouco tempo para agir – e mesmo se tivessemos milhares de leitores interessados no problema, sem uma estrutura para a colaboração, os corruptos, os poluidores, os incompetentes e os perversos continuariam fazendo prevalecer seus interesses escusos.

 


Quem ganha com essa fragmentação, certamente não é o cidadão. Nem precisamos fazer a cena do “pescador bonzinho” contra a “petroleira malvadona”:

 

Podemos ter certeza que, independente “do bem contra o mal”, os pescadores tem muito menos recursos para se organizar e defender sua profissão “milenar”. A Petrobrás conta com dinheiro, influência, corpo técnico, advogados…

 
Faz o mundo girar… ao contrário, se preciso
 

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Parte 3: o que é “compensação ambiental”?

 

O termo possui uma conotação jurídica muito específica. Nos interessa usar a pergunta para abrir novos questionamentos sobre “o que está acontecendo com a pesca no Litoral Norte”?

 

Mas fato é que logo nos deparamos com a noção que existe um “credor” e um “devedor” – e que a Petrobrás está em dívida com o meio ambiente!

 

Sem dúvida existe um reconhecimento de que a pesca na região foi prejudicada, pois os pescadores se tornaram “credores” da Petrobrás – ou seja, eles estão tendo sua atividade econômica prejudicada.

 
Eles não estão preocupados com o peixinho
 

Mas será que estamos falando de um “ressarcimento”, ou seja, que alguém calculou uma perda em Reai$, e esta perda foi repassada aos pescadores? Mas desde quando a natureza funciona com uma matemática “algébrica” – isso menos aquilo? A ecologia justamente trata da interdependência das cadeias alimentares, das relações de equilíbrio entre espécies… e obviamente não há dinheiro na mão de pescador nenhum que recupere isso.

 

Porquê esta compensação não está sendo feita para a sociedade Brasileira – sob forma de um amplo programa de conservação do meio ambiente? Ora, porque na verdade, os políticos da região, no nível municipal e estadual, estão trabalhando a todo vapor para piorar as condições do mar na região.

 

Segundo uma fonte pessoal do Labirinto do Desacordo, um biólogo responsável pela coleta de dados de impacto ambiental na expansão do Porto de São Sebastião, os responsáveis por este projeto “não estão nem aí pros atrasos na licença – eles sabem que se não for agora, será daqui a 20 anos”. E quando se trata de enfiar centenas de milhões de dólare$ no bolso, o que são 20 anos???

 

Mesmo que pensemos na “compensação” como uma “punição”, uma multa: o que adianta que a Petrobrás ou o Porto de São Sebastião transfira dinheiro para a União, em troca de prejuízos ambientais que podem ser irreversíveis?

 

Apenas 48 pessoas “curtiram” a página no Facebook da Câmara Federal de Compensação Ambiental – CFCA. Isso é menos do que o pavê de manga que a tia da sua prima fez na ceia de Natal.

 
Isso é bom mesmo para o Meio Ambiente, seu Ministro?
 

“A CFCA possui caráter supervisor e tem por objetivo orientar o cumprimento da legislação referente à compensação ambiental oriunda do licenciamento ambiental federal.

É composta por membros dos setores público e privado, da academia e da sociedade civil.

À CFCA cabe estabelecer prioridades e diretrizes para aplicação da compensação ambiental federal, para agilizar a regularização fundiária das unidades de conservação, e para a elaboração e implantação dos planos de manejo. Além disso, a CFCA compete avaliar e auditar, periodicamente, a metodologia e os procedimentos de cálculo da compensação ambiental, bem como deliberar, sob forma de resoluções, proposições e recomendações, visando o cumprimento da legislação ambiental referente à compensação ambiental federal.”

 

A destinação dos recursos não é feita pela CFCA, mas pelo Comitê de Compensação Ambiental Federal- CCAF, órgão colegiado criado no âmbito do IBAMA, instituído pela Portaria Conjunta nº 225, de 30 de junho de 2011. O CCAF é presidido pelo IBAMA, órgão licenciador federal, e conta com membros indicados pelo MMA e ICMBio. A principal atribuição do CCAF é deliberar sobre a divisão e a finalidade dos recursos oriundos da compensação ambiental federal para as unidades de conservação beneficiadas ou a serem criadas. Para acessar informações sobre os trabalhos do CCAF clique aqui.

 

O QUE A SOCIEDADE CIVIL BRASILEIRA TEM FEITO PARA DELIBERAR SOBRE OS RUMOS DESTE ÓRGÃO “COMPENSATÓRIO” DAS DÍVIDAS COM NOSSO MEIO AMBIENTE?

 
Ops foi mal aê galera deu uma vazadinha
 

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Mais notícias sobre este caso, em breve, no Labirinto do Desacordo! Não vamos deixar de acompanhar. Acreditamos que esta situação seja um exemplo de muitos outros casos de desacordo coletivo do cidadão com o Estado, com graves consequências da falta de estrutura nesta mediação – e com alto potencial de “injustiça” nos labirintos da corrupção no Poder Judiciário.

Redação

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