O plano anti-enchentes de São Paulo – 2

Do Brasilianas.org

Enchentes: plano será entregue em dois anos – 2

Por Lilian Milena

Na segunda parte da entrevista que cedeu ao Brasilianas.org, o professor da Poli/USP, e engenheiro civil, Luiz Fernando Yazaki, sugere que os governos considerem a drenagem um serviço público que deve ser incluído no orçamento anual de prefeituras.   

Yazaki acompanhou programas de drenagem em cidades de vários cantos do Brasil, incluindo no período em que foi consultor do Ministério das Cidades. Dentre os exemplos que considera bem sucedido está o do município paulista de Santo André, que fixou uma taxa de drenagem, cobrada junto à conta de água e esgoto de cada morador. Com isso a cidade passou a garantir um orçamento fixo anual para investir em obras de drenagem. “Observamos, a partir de então, ano a ano, que as inundações estão diminuindo nessa região”, afirma.

O engenheiro é a favor da revitalização de rios e parques próximos às várzeas de grandes bacias hidrográficas. Mas afirma que a recente expansão das marginais do rio Tietê, pouco influenciaram para o último alagamento sofrido nas rodovias. “A impermeabilização daquele pequeno espaço [da Marginal Tietê] não afeta em quase nada as inundações, comparado ao tamanho da bacia hidrográfica que tem 4 mil km2”, esclarece.

Vocês foram contratados para solucionar a questão da cidade de São Paulo, que faz parte de uma região metropolitana maior. Acham que só pensar no perímetro da cidade vai resolver o problema?

Não. Esse trabalho tem que ser integrado ao estado. O plano da bacia do Alto Tietê, que é a grande bacia hidrográfica em que São Paulo está dentro, junto com mais 36 municípios. São Paulo, sozinho, pode resolver uma série de problemas, mas não todos.

Então é um plano da cidade, mas vocês estão estudando a bacia?

Faz parte desse trabalho, o trabalho junto com o estado. Agora, eles acabaram de fazer o processo licitatório para fazer o plano do estado. Então, agora, vamos trabalhar juntos. Não tenha dúvida. E cada município dentro da bacia do Tietê que for fazer seu plano, tem que integrar esse com o plano maior [do estado].

Você tem trabalhos de drenagem em outras partes do país. Tem algum caso em que conseguiram resolver o problema de enchentes?

Tem casos interessantes. Teve uma cidade chamada União da Vitória, na divisa do Paraná com Santa Catarina, que sofria inundações do rio Iguaçu, que é enorme, parecido com o rio Tietê. Não participei da execução desse plano, mas conheço. Para solucionar as inundações periódicas foi usada uma engenharia muito sofisticada para poder simular o que a gente chama de níveis diferentes de risco de inundação, e foram traçadas curvas de risco, quer dizer, delimitadas áreas que tem maior risco, risco médio e risco menor. E isso foi entregue à prefeitura da cidade, que fez o tal zoneamento de inundação.

Nas áreas de maior risco, a prefeitura comprou o que pode de área para construir um parque, e incentivou a mudança da população dessas áreas – também, naturalmente essas áreas foram se desvalorizando, e as pessoas foram procurando áreas mais altas.

Esse é um exemplo que gosto de dar, porque sem nenhuma obra resolveram o problema. Tudo com base num projeto bem feito.

Acompanhei por um tempo o trabalho da prefeitura de Santo André. A primeira coisa que a cidade fez foi criar uma taxa de drenagem. E acho que isso deveria existir em todas as cidades, porque nós estamos pagando uma taxa muito alta pela drenagem que a gente não está vendo, está dentro dos impostos que a gente paga. Agora, como essa verba não é amarrada a um serviço, a administrador faz o que quiser, ele remaneja para outras propostas.

Santo André é a única cidade do Brasil que cobra água, esgoto, drenagem, coleta de lixo e varrição. E vem na conta de saneamento que todo mundo recebe no fim do mês. O que acontece ali é que, agora, como possuem um dinheiro fixo, atrelado a lei, sabem que todo o ano vão contar com aquela verba.

A gente observa que, ano a ano, as inundações estão diminuindo em Santo André, tirando as que ocorrem na região do Tamanduateí, que não está na alçada do município. Mas as inundações nos bairros vêm diminuindo. Foi uma solução interessante, apesar de extremamente antipática na época.

A maioria das cidades que conheço a situação foi ao contrário. Não tinham inundações, e de repente começaram a sofrer. Por exemplo, visitei uma cidade do interior que sofreu uma inundação que nunca tinha havido ali. Uma situação tremenda, casas caíram. Quando investigamos, percebemos que, antes, a cidade era toda em paralelepípedos, e o prefeito resolveu pavimentar e asfaltar a cidade inteira.

O paralelepípedo absorve entre 30% e 40% da água das chuvas. Parece que não, mas é muito. Então aumentou a vazão em 40%, e as galerias não suportaram. Na hora que você vai asfaltar uma cidade, tem que recalcular todo seu sistema hídrico, e adequá-lo.

Estive em Nova Friburgo também, em 2005, quando era consultor do Ministério das Cidades, andei com a secretária de obras do município, que era quase todo em paralelepípedos. Naquela ocasião falei para ela [a secretária]: você não deixa asfaltar essa cidade!

O problema de Nova Friburgo é ser situada em região de serra, não? 

Quando se está lá, percebe-se que é um local extremamente perigoso. A cidade não deveria existir ali. Nova Friburgo era uma colonização de suíços que resolveram fazer uma cidade como estão acostumados na Suíça, a construir nos Alpes. Mas não pensaram que na Suíça não tem a chuva tropical que tempos aqui. Entretanto, desde que construíram a cidade sofreram com as inundações, que são naturais. Existem fotografias antigas de inundações locais.

Ela [Nova Friburgo] tem duas opções: ou ocupa a várzea do rio, ou ocupa a encosta. E a encosta é Serra do Mar, um terreno altamente delicadíssimo. É um solo que está depositado sobre rocha e em alta declividade. Quando ele [o solo] começa a absorver água, seu peso aumenta tremendamente, chegando uma hora que começa a encharcar sobre uma rocha lisa, não agüenta, e cai. São, inclusive, ocorrências naturais na Serra do Mar brasileira.

Além disso, se você abre uma rua, descalça o solo, corta um pedaço do solo numa inclinação fora do natural tirando o apoio da base. Vi por fotos que, em quase todas as áreas de escorregamento, tem em baixo uma ruazinha passando. Fizeram ruas, cortes, mexeram na co-formação natural do solo.

Se isso fosse feito com uma boa engenharia, talvez não tivesse acontecido. Alguma vez já ouviu falar que caiu uma barreira na Rodovia dos Imigrantes, por exemplo?  Não. Ela foi construída na década de 1970. Seu princípio de construção – que é uma obra gigantesca – foi que não se podia lutar contra a Serra do Mar, mas era possível conviver com ela. Então o pilar de sustentação dos viadutos tem uma “camisa” que acompanha o movimento natural da Serra do Mar.

A boa engenharia pode, então, resolver em dois anos o problema de São Paulo, por exemplo?

Não. Isso não se resolve em dois anos, de jeito nenhum. Podemos resolver os problemas mais urgentes. Sei que todo mundo morre de pressa, ninguém quer conviver com esse problema. Mas vou poder dizer isso quando terminarmos o plano. Quando tivermos estabelecido muito bem o que deve ser feito, quanto vai custar.

Para se ter uma ideia, fui num seminário de uns japoneses que fizeram aqui [em São Paulo] sobre esse tema [enchentes].

O plano diretor de macrodrenagem do Japão, que tem cerca do tamanho do estado de São Paulo, é um plano de 100 anos. Então como eles fazem para conviver hoje com os problemas? Montando um excelente sistema de alerta. Enquanto você não consegue chegar num nível de segurança razoável, tem que trabalhar com o sistema de alerta.

O cidadão japonês que está numa área de risco, é avisado por celular, televisão ou rádio, e sai do local de risco sabendo o que precisa fazer. Nas ruas colocam placas indicando por onde o cidadão deve sair, que geralmente dá num lugar seguro, e alto, um abrigo – seja uma escola, ginásio de esportes. No Japão, quando tem chuvas intensas, não deixa de ter inundação, deslizamentos, mas não morre ninguém.

Então posso dizer que a primeira proposta do plano é que exista uma ação consistente de defesa civil?

Sim. É um aprimoramento do sistema de alerta, como chamamos, e sistema de ações de emergência.

Mas isso tem que ser feito em proporção conforme as áreas de risco. Vocês já têm um levantamento das áreas de risco?

Sim. O IPT [Instituto de Pesquisas Tecnológicas] acabou de entregar um atualizado, mostrando áreas de risco que não podem ser ocupadas. Mas o levantamento é para áreas de risco de escorregamento.

Agora, o que pretendemos fazer é um mapa de áreas de risco de inundações. A gente não tem esse levantamento em São Paulo.

Existe alguma obra que foi feita, e você enxerga que deve ser desfeita. Por exemplo, as marginais [Marginal Tietê], alguma coisa ali deve ser revertida?

Primeiro, acho que reverter alguma coisa em São Paulo é muito difícil. Por exemplo, tem muita gente que gostaria de decanalizar os córregos. Mas, por exemplo, as marginais, o estado gastou R$ 1,8 bilhão. Como reverter isso?

No caso das marginais, já que já existiam, o pensamento do estado foi de melhorar o que já existia. A impermeabilização delas não afeta quase em nada as inundações, porque é uma bacia hidrográfica que tem 4 mil km².

É muito mais importante cuidar da várzea do Tietê do que não construir a marginal, porque a relação é muito pequena. É uma porcentagem menor que zero. Nós fizemos essa conta, foi à primeira coisa que nos pediram quando estava no processo de licenciamento: “qual o impacto que ela tem para aumentar as vazões do Tietê?”.

Eu participei dessa parte para responder essa questão. A impermeabilização das marginais não contribuiu em nada. A não ser, na fase de obras que não foi cuidado o assoreamento [deixado de forma desprotegida junto as margens do Tietê].

Importante é preservar as grandes áreas de várzea, as poucas que ainda existem, como na região da Penha e Mogi. O estado está com a ideia dos Parques das águas do rio Tietê, e isso é muito importante. Se acabar com aquilo [áreas de várzea], daí não tem mais jeito porque são os últimos espaços de vazão.

E sobre Franco da Rocha? O que poderia ter sido feito?

É difícil porque a Sabesp tem que manter seus reservatórios cheios.

Mas não tem como controlar? Não temos a meteorologia para prever? Dava para ser previsto, já que teve no ano passado?

Alguma coisa dá para fazer. Mas toda a barragem tem uma regra operacional visando o objetivo que, no caso daquela, é abastecer a água de São Paulo.

Não é uma barragem de amortecimento de cheias, é uma barragem para abastecimento de água. O maneja da água é complicado, porque o excesso dá em inundações, mas a falta da água é tão ruim quanto. Então, quando chove você tem que guardar a água o máximo que conseguir, porque quando chegar o inverno, pode ser que tenha que racionar – e isso é muito comum nessa região. Os reservatórios esvaziam rapidamente, são 20 milhões de pessoas que são atendidas.

E, de qualquer forma, o que ela [Sabesp] soltou de água foi igual ao que entrou. A Sabesp não aumentou a vazão do rio. Logo, se não existisse a barragem, a água iria alagar igualmente. O que saiu de água é igual ao que tava chegando. O problema é o bairro construído em área de inundação.

Uma coisa que a engenharia pode fazer é um mapeamento das áreas de risco, das ruas. Em algumas cidades do mundo, as prefeituras colocam na internet as linhas de inundação de risco. Se você for entrar no site da cidade de Denver, no Colorado, Estados Unidos, verá onde inunda, e as pessoas podem escolher construir ou não nessas localidades. Só que, nos Estados Unidos, você tem a opção de pagar por um seguro, se optar por morar numa área de inundação, para cobrir possíveis prejuízos.

Luis Nassif

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