O processo – ou como o Brasil atual poderia ser a pátria de Franz Kafka

Há vários dias uma folha seca de palmeira balança graciosamente num fio no final do calçadão da Rua Antonio Agu, próximo à esquina desta com a Rua Marechal Rondon, Osasco, SP. A foto da mesma pode ser vista aqui: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=786551371368693&set=a.198878050136031.49141.100000415136357&type=1&theater.

 

Passo pela cena sempre que desço o calçadão em direção a estação de trem ou ao Shopping. Sei como funciona a administração pública e, portanto, já conclui que ela ficará onde está até ser removida dali por um vendaval.

 

Se um comerciante pedir à prefeitura para retirar a mesma, um processo administrativo será aberto. Autuado o procedimento, o chefe da Secretaria que recebeu a reclamação eventualmente a encaminhará para outra Secretaria. Caso chegue a Secretaria correta após circular durante algum tempo, o processo será remetido a Secretaria de Negócios Jurídicos para parecer.

 

Suponho que um dos vetustos procuradores do município eventualmente dirá, usando linguagem técnica, que a palmeira foi plantada pelo Município. Portanto, a prefeitura teria o dever de limpar o calçadão caso a folha caísse no chão. Mas como ela está pendurado num fio, a competência para removê-la é da Eletropaulo, que detém os direitos sobre a rede elétrica e deve cuidar da mesma. O processo será arquivado após a intimação do cidadão que o iniciou.

 

Inconformado, nosso cidadão hipotético poderá fazer duas coisas: desistir ou reclamar na Eletropaulo, onde um novo processo será aberto. Após autuação e verificação das plantas elétricas do local, o funcionário da companhia elétrica eventualmente dirá que o fio em questão provavelmente pertence a Telefonica, recusando-se a realizar procedimentos num cabo que não pertence a Eletropaulo para não afrontar a competência de outra companhia. O cidadão poderá reclamar à Telefônica, mas correrá ainda o risco desta dizer que aquele cabo não é de telefone e sim de uma empresa de TV a cabo.

 

Conclusão: a folha de palmeira ficará plantada no fio por um bom tempo, a menos que o próprio cidadão coloque uma escada no local para a remover. Se ele fazer isto pode acabar sendo preso por policiais municipais que fazem a ronda pelo local. Ele será então conduzido de maneira bastante rude até a Delegacia mais próxima. E então o escrivão começará a lavrar o fragrante, mas terá que interromper seu trabalho para perguntar ao Delegado quem é a vítima naquele caso.

 

Saindo entediado de sua sala, o Delegado vem pessoalmente acompanhar a ocorrência. O escrivão lhe narra o que disseram os policiais municipais que efetuaram a prisão e o Delegado pergunta aos mesmos de quem é o fio. Eles não sabem responder. A mesma pergunta é feita ao suspeito e ele responde que a Prefeitura disse que é da Eletropaulo, a Eletropaulo disse que é da Telefonica, a Telefonica disse que é de uma empesa de TV a cabo, mas como não sei qual é a TV a cabo resolvi tirar pessoalmente aquela merda do fio na frente de minha loja.

 

O Delegado fica irritado com o linguajar do cidadão e o autua por desacato a autoridade com uso de palavrão. Depois, consulta seus códigos empoeirados e manda o escrivão colocar na ocorrência que a vítima da outra conduta criminosa do suspeito é indeterminada. Feito isto, o Delegado pergunta se aos policiais municipais se o réu foi preso antes ou depois de retirar a folha do fio. Eles respondem que ele estava com a mão na massa, ou seja, com a mão na folha quando recebeu o “alto lá cidadão”. Crime de dano tentado, dita o Delegado para o escrivão, que pergunta se o crime é de dano contra patrimônio público ou privado. O Delegado fica irritado e diz que quem terá que detalhar isto é o promotor, pois não se sabe ainda de quem é o fio onde a folha estava pendurada.

 

Caso encerrado? Não. Esta novela só acabaria depois que o promotor pedisse o arquivamento do caso ou denunciasse o réu após várias diligências para determinar quem foi a vítima do crime. Provavelmente o Inquérito ficaria balançando entre a Delegacia e o Fórum enquanto a folha de palmeira balançaria no fio até finalmente cair no chão por causas naturais impedindo a reconstituição do crime no local dos fatos.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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