Os vices e os vícios da república

João Goulart era vice e foi impedido de assumir o poder após a renúncia de Jânio Quadros. A crise foi contornada mediante um compromisso: Jango seria empossado, mas o regime seria parlamentarista. Algum tempo depois o regime presidencialista foi restaurado.

Pedro Aleixo era o vice de Costa e Silva. Foi impedido de assumir a presidência quando o presidente adoeceu e morreu. Os militares queriam um presidente fardado e conseguiram o que desejavam mediante o AI-12.

José Sarney assumiu a presidência em razão da morte de Tancredo Neves. Na época a discussão foi acirrada. Poderia o vice assumir sem que o presidente houvesse tomado posse? Venceu a tese de que o vice poderia tomar posse.

Itamar Franco foi empossado em razão do Impedimento de Fernando Collor. O presidente da Câmara dos Deputados que conduziu o processo caiu em desgraça em razão de também ser corrupto. Muito tempo depois o próprio Collor foi inocentado da acusação criminal que pesava contra ele.

Marco Maciel foi eleito vice de FHC. Como o presidente tucano gostava mais de rosetar e de viajar do que de cuidar das tarefas burocráticas cotidianas, coube a Marco Maciel exercer de fato o poder presidencial durante dois mandatos. Segundo alguns analistas políticos, quando estava no Brasil o presidente FHC se limitava a assinar o que era colocado na mesa dele. Discreto, Maciel saiu de cena e foi esquecido. FHC carrega a mácula dos erros que foram cometidos por seu vice. E não admite isto porque quer morrer com a aura do presidente que não foi.

Michel Temer é vice e comanda porções significativas do PMDB (partido que tem vários ministérios). Recentemente ele escreveu uma carta se dizendo magoado por não ter espaço no governo Dilma Rousseff. De fato ele sempre se mostrou mais preocupado em conservar e aumentar sua parcela de poder dentro do seu partido. Na prática, Temer vinha apunhalando a presidenta sempre que exigia mais ministérios e cargos para distribuir entre seus amigos a fim de consolidar seu poder pessoal.

O vice Michel Temer também assinou decretos dando pedaladas fiscais. Portanto, a rigor ele deve ser co-réu no processo de Impedimento iniciado contra Dilma Rousseff. Curiosamente isto não ocorreu a pedido dos autores da ação, nem foi lembrada pelo presidente da Câmara dos Deputados. Em razão disto, podemos suspeitar que Michel Temer manobrou nos bastidores para não ser preservado e poder, assim, chegar ao poder mediante um golpe de estado.

É impossível para mim dizer o que vice de Dilma Rousseff prometeu ao PSDB para se tornar presidente. Todavia, o desejo manifestado por José Serra de ser o Ministro num futuro governo de Michel Temer  sugere que ele traiu a presidenta, traiu os votos que recebeu junto com ela e , pior, traiu a Constituição Federal que jurou cumprir e fazer cumprir ao tomar posse no cargo de vice-presidente.

O regime é presidencial e, portanto, vice não governa. Ao vice que se diz magoado é facultado o direito de renunciar ao cargo por motivo de foro íntimo. Na vigência da CF/88 o vice não chega ao poder por meio de golpe de estado. Mas pode e deve perder sua credibilidade (e eventualmente o cargo) em razão de conspirar contra o regime constitucional.   

Fábio de Oliveira Ribeiro

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