Quanto Vale Uma Think Tank?

Potências Estrangeiras Compram Influências das Think Tanks

By ERIC LIPTON, BROOKE WILLIAMS and NICHOLAS CONFESSORESEPT. 6,

WASHINGTON – O acordo assinado no ano passado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros da Noruega foi claro: Por US$ 5 milhões, o parceiro da Noruega em Washington iria influenciar altos funcionários da Casa Branca, do Departamento do Tesouro e do Congresso para dobrar os gastos com um programa de ajuda externa dos Estados Unidos.

Mas o destinatário do dinheiro não foi uma das muitas empresas tradicionais de lobby que envolve Washington trabalhando em nome de governos estrangeiros.

Foi o  Centro de Desenvolvimento Global, uma organização de pesquisa sem fins lucrativos, uma think tank, uma das muitas entidades de Washington que os legisladores, funcionários do governo e da mídia há muito consideram como fonte confiável para fornecer análise política independente e conhecimentos.

Borge Brende, the foreign minister of Norway, in June at the Brookings Institution in Washington.

Credit

Conforme uma investigação feita pelo The New York Times desvendou, várias entidades importantes de pesquisa em Washington vêm recebendo dezenas de milhões de dólares de governos estrangeiros nos últimos anos, para influenciar os funcionários do governo dos Estados Unidos a adotarem políticas que muitas vezes refletem as prioridades dos doadores.

O dinheiro está cada vez mais transformando o mundo das think-tanks, outrora sério, em um braço musculoso do lobby dos governos estrangeiros em Washington. Isso desencadeou questões muito preocupantes sobre a liberdade intelectual: Alguns pesquisadores informaram que são pressionados a obterem resultados que interessam ao governo que financia a pesquisa.

As think tanks não divulgam os termos dos acordos que fizeram com governos estrangeiros. E não se registram oficialmente com o governo dos Estados Unidos como representantes desses países doadores, uma omissão que pode, em alguns casos, ser considerada violação da lei federal, conforme concluíram os especialistas legais que examinaram os acordos, a pedido do The Times.

Como resultado, os legisladores que confiam nas think tanks muitas vezes desconhecem a ação de governos estrangeiros no financiamento da pesquisa.

Joseph Sandler, advogado e especialista para o estatuto que rege os lobbies americanos para governos estrangeiros, disse que “os acordos entre os países e essas entidades abriram uma janela, totalmente nova, sobre este aspecto da compra de influência, que não era previsível”.

“É preocupante porque, com um escritório de advocacia ou empresa de lobbying, você espera que se comportem como advogado,” acrescentou Sandler. “As think tanks têm essa imagem de neutralidade e objetividade acadêmica, o que está sendo comprometida”.

O caso envolve as think tanks mais influentes de Washington, incluindo a Brookings Institution, o Center for Strategic and International Studies, e o Atlantic Council. Todas são grandes beneficiárias dos fundos do exterior, produzindo documentos políticos, apresentação de fóruns e reuniões privadas com altos funcionários do governo, que normalmente se alinham com as agendas dos governos estrangeiros.

A maior parte do dinheiro vem dos países da Europa, Oriente Médio e de alguns lugares da Ásia, principalmente das nações produtoras de petróleo como Emirados Árabes Unidos, Qatar e Noruega, de maneiras variadas. Os Emirados Árabes Unidos, um dos principais patrocinadores do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, silenciosamente doou mais de US$ 1 milhão para ajudar a construir a nova sede do Centro com fachada em vidro e aço próximo da Casa Branca. Qatar, o pequeno, porém rico país do Oriente Médio se comprometeu no ano passado em doar 14,8 milhões de dólares americanos em quatro anos para a Brookings, o que ajudou a financiar uma filial da Brookings no Qatar e um projeto sobre as relações dos Estados Unidos com o mundo islâmico.

Alguns pesquisadores informaram ter as doações levado a acordos implícitos que os grupos de pesquisa se abstenham de criticar os governos doadores.

“Se um membro do Congresso usar os relatórios da Brookings, eles devem ser alertados que não estão recebendo toda a história”, disse Saleem Ali, que atuou como professor visitante no Brookings Doha Center , no Qatar, alegando ter sido informado durante a sua entrevista de admissão que não podia tomar posições críticas contra o governo do Qatar em seus relatórios. “Eles podem não estar recebendo uma história falsa, mas não estão recebendo toda a história”.

Nas entrevistas, os executivos das think tanks defenderam fortemente os acordos, dizendo que o dinheiro nunca comprometeu a integridade das investigações de suas organizações. E quando as conclusões de seus acadêmicos se assemelham às intenções dos doadores, segundo eles, é mera coincidência.

“Nosso negócio é influenciar a política através da pesquisa acadêmica independente, com base em critérios objetivos, e para termos relevância política precisamos orientar os legisladores”, disse Martin S. Indyk, vice-presidente e diretor do programa de política externa na Brookings , um dos mais antigos e prestigiados think tanks de Washington.

“Nossa moeda é a nossa credibilidade”, disse Frederick Kempe, presidente-executivo da Atlântic Council, um dinâmico centro de pesquisa que se concentra principalmente em assuntos internacionais e tem aceitado doações de pelo menos 25 países desde 2008. “A maioria dos governos que vêm até nós, entendem que não somos lobistas. Somos uma entidade diferente, e nosso relacionamento tem sido para fins totalmente diferentes”.

Em seus contratos e documentos internos, no entanto, os governos estrangeiros são muitas vezes explícitos sobre o que esperar dos grupos de pesquisas que financiam.

“Em Washington, é difícil para um pequeno país conseguir acesso a políticos poderosos, burocratas e especialistas”, afirma um relatório interno encomendado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros da Noruega avaliando suas doações. “O financiamento às think tanks poderosas é uma maneira de obter esse acesso, sendo que algumas delas transmitem abertamente que atendem apenas aos governos estrangeiros que fornecem financiamento”.

Essa dependência das think tanks aos fundos do exterior é decorrência, em parte, pelo aumento da concorrência dentro do campo: o número de grupos políticos tem-se multiplicado nos últimos anos, enquanto as verbas para pesquisas do governo dos Estados Unidos tem diminuído.

Os estrangeiros descrevem essas relações como cruciais para ganhar influência no complicado cenário de Washington, onde centenas de nações disputam a atenção do governo dos Estados Unidos. Seus comportamentos variam: alguns países trabalham diretamente com as think tanks esboçando seus contratos que definem o objetivo e a direção da pesquisa. Outros doam dinheiro a essas entidades, e em seguida, contratam equipes de lobistas e consultores de relações públicas para forçar as think tanks a promover sua agenda.

“O Japão não é o assunto mais interessante no mundo”, disse Masato Otaka, porta-voz da Embaixada do Japão, quando perguntado por que o Japão doa fortemente a grupos de pesquisas americanos. “Estamos experimentando um crescimento mais lento da nossa economia. Eu acho que a nossa presença é menos sentida do que antes”.

O alcance do financiamento externo às think tanks americanas é difícil de determinar. Mas, desde 2011, pelo menos 64 governos estrangeiros, entidades controladas pelo Estado ou funcionários de governos têm contribuído para um grupo de 28 grandes organizações de pesquisa baseada nos Estados Unidos, de acordo com documentos desvelados pelas instituições e pelo governo. O pouco de informações que as organizações se prontificaram em informar sobre as doações de representantes estrangeiros indica um mínimo de US $ 92 milhões em contribuições ao longo dos últimos quatro anos. O total é, certamente, muito maior.

Em paralelo com o lobby

A linha entre a pesquisa acadêmica e lobbing às vezes pode ser difícil de discernir.

No ano passado, o Japão deu início a um esforço para persuadir as autoridades americanas a acelerar as negociações sobre um acordo de livre comércio conhecido como a Parceria Trans-Pacífico, uma das  principais prioridades do Japão. O país, antecipadamente, contratou a empresa de lobby, Akin Gump, e decidiu embarcar em uma campanha mais ampla.

Akin Gump  conseguiu reunir  vários membros influentes do Congresso em busca de ajuda na criação de um grupo do congresso dedicado à parceria, e estabeleceram o grupo chamado Amigos da Parceria Trans-Pacífico.

Para dar credibilidade ao grupo, as autoridades japonesas buscaram ajuda do lado de fora dos corredores do Congresso. Dentro de algumas semanas, eles começaram a recebê-las do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em que o Japão tem sido um doador de longa data.

Nos últimos quatro anos, a organização tem dado ao centro pelo menos US$1,1 milhão “para pesquisa e consultoria” a fim de promover o comércio e o investimento direto entre o Japão e os Estados Unidos. O centro também abriga acadêmicos de dentro do governo japonês, incluindo Hiroshi Waguri, um executivo do Ministério da Defesa, e Shinichi Isobe, um executivo da organização de comércio.

No início de dezembro, o centro realizou um evento com o Sr. Boustany e Mr. Reichert, que destacaram a importância do acordo do comércio e as medidas que foram tomadas para pressionar a Casa Branca para consumá-lo. Além disso, em uma audiência do Comitê de Relações Exteriores do Senado, no final do mês, Matthew P. Goodman, um pesquisador do centro, testemunhou a favor do acordo, sua linguagem destacava a mesma mensagem que os lobistas do Japão e seus aliados no Congresso transmitiam.

Acesso ao poder

Alguns pequenos países estão descobrindo que podem ganhar grande influência fazendo parceria com as organizações americanas de pesquisa. Talvez o melhor exemplo seja a Noruega.

Como um dos maiores produtores de petróleo, um membro da OTAN e um ator presente nas negociações de paz ao redor do mundo, a Noruega tem um interesse em uma ampla gama de políticas dos Estados Unidos.

O país tem aplicado pelo menos US$ 24 milhões em várias think tanks de Washington ao longo dos últimos quatro anos, de acordo com o verificado por The Times, transformando estas organizações sem fins lucrativos em um braço forte, porém oculto, do Ministério das Relações Exteriores da Noruega. Documentos obtidos naquele país revelam que grupos de pesquisa norte-americanos, depois de receber dinheiro da Noruega, têm defendido em Washington um papel maior da Noruega na OTAN, promovendo seus planos de expansão da exploração do petróleo no Ártico e forçado sua agenda da mudança climática.

A Noruega pagou ao Centro para o Desenvolvimento Global, por exemplo, para convencer o governo dos Estados Unidos a gastar mais dinheiro na luta contra o aquecimento global, diminuindo o desmatamento de florestas em países como a Indonésia. Os documentos do projeto pedem aos think tanks para pressionar o governo americano a gastar US$500milhões por ano na proteção da floresta global. Mas enquanto muitos ambientalistas aplaudem o seu lobby para a proteção da floresta, alguns atacam os seus programas como sendo de auto-interesse: a redução do desmatamento poderia comprar mais tempo para as companhias de petróleo da Noruega continuar vendendo combustíveis fósseis no mercado mundial, enquanto pressiona por políticas de redução de carbono. A Oilwatch International, um grupo de defesa do meio ambiente, considera a proteção de florestas como um “esquema em que os poluidores usam as florestas e terras como supostas esponjas para a sua poluição”.

Limites sobre os acadêmicos

As dezenas de milhões de dólares em doações de interesses estrangeiros vêm com determinadas expectativas, conforme pesquisadores das organizações afirmaram em entrevistas. Às vezes, os doadores estrangeiros reagem agressivamente a opiniões contrárias às suas.

Michele Dunne serviu por quase duas décadas como especialista em assuntos do Oriente Médio no Departamento de Estado, incluindo passagens por Cairo e Jerusalém, e no Conselho Nacional de Segurança da Casa Branca. Em 2011, ela foi uma escolha natural para se tornar diretora fundadora do Centro Rafik Hariri do Conselho do Atlântico para o Oriente Médio, em homenagem ao ex-primeiro-ministro do Líbano, assassinado em 2005.

O centro foi criado com uma generosa doação de Bahaa Hariri, seu filho mais velho, e com o apoio do resto da família Hariri, que permanece ativa na política e nos negócios do Oriente Médio. Outro filho do ex-primeiro-ministro serviu como primeiro-ministro do Líbano, 2009-2011.

Mas no verão de 2013, quando militares do Egito removeram à força o presidente democraticamente eleito do país, Mohamed Morsi, Ms. Dunne logo percebeu que havia limites para sua independência. Depois que ela assinou uma petição e testemunhou perante a Comissão de Relações Exteriores do Senado, instando os Estados Unidos a suspender sua ajuda militar ao Egito, chamando a derrubada do Sr. Morsi de “golpe militar”, Bahaa Hariri chamou o Conselho do Atlântico para reclamar, executivos diretamente envolvidos no evento afirmaram.

Ms. Dunne não quis comentar sobre o assunto. Mas, quatro meses após a chamada, Ms. Dunne deixou o Conselho do Atlântico.

Michele Dunne resigned as the head of the Atlantic Council’s center for the Middle East after calling for the suspension of military aid to Egypt in 2013.

Credit

Numa entrevista, Mr. Kempe, o presidente do grupo, disse que nunca agiu em nome do Sr. Hariri para tentar modificar as posições que Ms. Dunne ou seus colegas tomaram. Ms. Dunne saiu, disse ele, em parte porque ela queria se concentrar na pesquisa, não gerenciar os outros, como ela estava fazendo no Conselho do Atlântico. 

Redação

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