Santuário, santuário… meus bits por um santuário para Assange, por Fábio de Oliveira Ribeiro

A bela catedral queimou para que outras possam expandir seu poder. Mas o fundador do Wikileaks não encontrará refúgio em seu interior.

Efeitos em foto de Henry Nicholls/Reuters

Santuário, santuário… meus bits por um santuário para Assange

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Durante a Idade Média, as catedrais eram símbolos de poder e riqueza. Não foi por acaso que elas entraram em declínio justamente durante o neoliberalismo, teologia político-financeira que possibilitou a construção das catedrais do século XXI onde os deuses algorítmicos são adorados pelos programadores de computação.

O incêndio de Notre Dame é uma tragédia cultural inegável. Entretanto, no mundo em que nós vivemos, apenas o incêndio nos principais data centers do Google ou do Facebook acarretaria uma devastação econômica comparável à destruição de uma catedral durante a Idade Média.

Enquanto uma religião morre a outra floresce. Assim como o cristianismo se alastrou pela Europa com a destruição dos templos dos deuses antigos, o culto dos deuses algorítmicos obterá lucros com o incêndio da catedral parisiense.

A expressão “incêndio na catedral de Notre Dame” já conta com 184 milhões de resultados no Google. A mesma frase em inglês resulta em 651 milhões de resultados no Google. O horror causado pelo episódio já começou a inundar a internet. Em pouco tempo ele começará a dar lucro para os donos do website de busca e da principal rede social, pois é cediço que o Google e o Facebook ganham dinheiro hierarquizando conteúdos buscados e associando-os aos anúncios publicitários.

Durante a Revolução Francesa, o poder simbólico migrou das mãos dos teólogos católicos para as dos filósofos. A Revolução Industrial fez o poder migrar para as mãos dos industriais. Os banqueiros substituíram os industriais. Durante a 4ª revolução industrial o poder está se concentrando nas mãos dos clérigos do neoliberalismo algoritmizado, capazes de extrair lucro inclusive e principalmente da decadência de todos os símbolos do passado.

Ontem resolvi assistir uma vez mais o filme que marcou minha infância: The Hunchback of Notre Dame (1939). Três cenas dele continuam extremamente atuais. Na início do filme, o rei da França aponta para a catedral de Notre Dame e diz que lá está um símbolo do passado. A frase dele poderia ter sido dita por Macron, político neoliberal que cortou as verbas destinadas à reconstrução da catedral.

Numa outra cena, o conselheiro do rei diz que a terra é plana. Talvez ela seja redonda como disse Colombo, responde o rei. A religião cristã levou séculos para se acostumar ao novo formato do planeta. O credo neoliberal algoritmizado precisou de apenas algumas décadas para fazer milhões de pessoas acreditarem que a terra é plana.

A opinião pública é perigosa, sire! Diz Claude Frollo ao rei. Perigosa para quem? Responde o rei ao nobre culpado que condenou Esmeralda pela morte do capitão Phoebus. Assange será sacrificado aos deuses algorítmicos norte-americanos em virtude de ter desafiado o poder que eles exercem por intermédio da Casa Branca e do US Army?

Quando tinha 17 para 18 anos, um amigo me apelidou de Quasímodo. Aceitei a ofensa como um elogio. Num mundo de aparências, a beleza não está necessariamente estampada no rosto dos personagens. A bela catedral queimou para que outras possam expandir seu poder. Mas o fundador do Wikileaks não encontrará refúgio em seu interior. Os clérigos que organizam o culto dos deuses algorítmicos são tão perversos quanto Claude Frollo.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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