Secundaristas de São Paulo relatam violência policial na OEA; veja a audiência

Comissão Interamericana de Direitos Humanos questionou o uso desmedido da força policial e recomendou a adoção de um protocolo que regule uso de armas letais e não letais pela Polícia Militar. 

Por Dafne Melo, do Centro de Referências em Educação Integral 

Estudantes paulistas que protagonizaram ocupações e mobilizações contra o processo de reorganização escolar foram escutados, na quinta-feira (7/04), pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). A motivação da audiência – realizada em Washington (EUA) – foi denunciar as violações de direitos humanos cometidas pela Polícia Militar durante a repressão às manifestações.

 

“Nós, mães e pais de jovens vemos que o Estado brasileiro se omite covardemente e dá respaldo a uma polícia que mutila, prende sem justificativa, humilha e, como sabemos, mata nossos jovens”, agregou.Os jovens foram acompanhados pela organização não governamental Artigo 19 e por uma das mães de um dos adolescentes presos, representando o Comitê de Mães e Pais em Luta. “Foram inúmeras as violações dos direitos desses jovens, meu tempo aqui não seria o suficiente para relatar uma a uma, vou falar do meu filho. Assisti pela TV, ao vivo, meu filho ser algemado e preso de forma violenta e sem motivo. Chegando à delegacia, sofri todos os tipos de humilhações”, contou Ângela, com a voz trêmula e visivelmente emocionada.

A audiência, completa, está disponível no canal da CIDH-OEA no youtube:

 

“Estamos aqui secundaristas que lutaram bravamente para barrar um projeto que iria precarizar ainda mais a educação pública em nosso estado. Por lutar por um direito humano, fomos torturados psicologicamente, agredidos, cercados em nossas próprias escolas, sufocados, perseguidos e presos por uma polícia que tinha ordem para oprimir e gerar medo. Em um dos atos de rua, um policial disse que não queria bater na gente, mas que era essa claramente a ordem e assim foi feito”, detalhou o secundarista Igor Miranda, de 17 anos. ”Não conseguimos entender porque a polícia agia com tanto ódio contra nós, que poderíamos ser seus filhos”, completou.

O estado foi representado pelo procurador-geral de São Paulo, Elival da Silva Ramos – o único a se pronunciar – e pelo procurador do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), Julio César Botelho, entre outros.

As autoridades usaram seu tempo para justificar a reorganização escolar e relativizaram as denúncias de abuso policial, embora, antes de iniciar suas falas, os estudantes tenham exibido um vídeo com imagens e depoimentos contundentes para os comissionados da OEA. O procurador destacou que a ocupação de prédios públicos não é legal e que gerou prejuízos de R$ 2 milhões. 

Durante sua apresentação, o procurador-geral exibiu fotos de estudantes obstruindo vias públicas. “Em outros casos, os ânimos se acirraram e foram arremessados objetos nos policiais. Claro que a reação foi proporcional a cada caso. Se houve abusos, devem ser punidos”, declarou.Ramos afirmou desconhecer ter recebido alguma denúncia formal de abusos e disse acreditar que os fatos relatados pelos estudantes possam ser apenas pontuais. “Se esses fatos ocorreram, como foram descritos aqui, com riqueza de detalhes, que eles sejam levados aos órgãos do Estado brasileiro”. E completou: “O governo de estado de São Paulo aguarda que essas denúncias sejam levadas a ele, com o acompanhamento da comissão inclusive, e poderá fazer as apurações em seu tempo devido, punindo eventuais abusos que podem ter ocorrido”.

Imagens “perturbadoras”

Os comissionados manifestaram incômodo com as imagens da repressão. A jamaicana Margarette May Macaulay foi a mais enfática e as qualificou de “perturbadoras”. “Que tipo de formação em direitos humanos o Estado dá aos diferentes oficiais?”, questionou.

Edison Lanza, relator para a Liberdade de Expressão, perguntou quais investigações já haviam sido inicializadas. “Essas imagens, públicas e notórias, ocorreram ao redor de novembro de 2015; queremos saber que investigações foram feitas desde então, frente a esses abusos, e que identificação de responsáveis e sanções foram feitas”, perguntou, sem obter resposta das autoridades presentes.

Na próxima terça-feira (12/04), o Tribunal de Justiça de São Paulo pode referendar uma decisão que restringe o uso de balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo pela PM em manifestações. Outro tema em discussão é a obrigatoriedade de que os policiais estejam identificados durante atos. Há uma petição online organizada por apoiadores da medida. Lanza também recomendou que o Estado lance mão de alguma mediação nesses casos, que não o uso da força militar, e falou da importância de algum protocolo que proíba uso de armas letais e regule o uso das não letais.

A decisão não tem relação direta com a repressão aos estudantes secundaristas, pois é uma resposta a uma ação movida pela Defensoria Pública de São Paulo contra abusos nas manifestações de junho de 2013, mas busca criar um protocolo público, de acordo com parâmetros internacionais, que regule o uso da força em manifestações.

A audiência não gera denúncia formal contra o Estado envolvido. Sua função é dar visibilidade a acusações de violações de direitos humanos e criar um espaço de diálogo entre os denunciantes e seus governos.

(Colaborou Caio Zinet)

Redação

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