Tributo a Ana Cristina Cesar

Eu morava em Santos quando comprei A teus pés
e no dia seguinte
como um choque

na contramão
a notícia fria contra o vento noroeste
Ana C. se matou

 

Nem tive tempo

de ler o livro
a morte atravessada na garganta
o navio ancorado no espaço nunca mais

 

Por que um poeta se mata, meu Deus?
e uma poeta

bela

linda como a manhã sobre o mar azul
uma poeta não

poderia morrer
e o navio joga sobre as ondas e as espumas

 

Tantos poemas que perdi
essa poética que desafina
essa poética contra
o ideal de um pequeno poema gravado em pedras tumulares
olhar o poema com um filete de sangue nas gengivas
Ana C. morta

a poeta bonita que é um desperdício
a mulher mais discreta do mundo
poeta

sem nenhum segredo

 

Tarde te amei tarde aprendi
por que conservar esse fiapo de noite velha?
a alma lavada não se lava outra vez

 

Escrever é uma maldade não escrever também

 

Ana C. sujou o linho da vida com um poema à sua espera

 

(Ana C. morreu em 29 de outubro de 1983)

 

Redação

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