Eu morava em Santos quando comprei A teus pés
e no dia seguinte
como um choque
na contramão
a notícia fria contra o vento noroeste
Ana C. se matou
Nem tive tempo
de ler o livro
a morte atravessada na garganta
o navio ancorado no espaço nunca mais
Por que um poeta se mata, meu Deus?
e uma poeta
bela
linda como a manhã sobre o mar azul
uma poeta não
poderia morrer
e o navio joga sobre as ondas e as espumas
Tantos poemas que perdi
essa poética que desafina
essa poética contra
o ideal de um pequeno poema gravado em pedras tumulares
olhar o poema com um filete de sangue nas gengivas
Ana C. morta
a poeta bonita que é um desperdício
a mulher mais discreta do mundo
poeta
sem nenhum segredo
Tarde te amei tarde aprendi
por que conservar esse fiapo de noite velha?
a alma lavada não se lava outra vez
Escrever é uma maldade não escrever também
Ana C. sujou o linho da vida com um poema à sua espera
(Ana C. morreu em 29 de outubro de 1983)
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