Um Brasil oriental?

Um dos fatos mais marcantes do golpe de 2016 foi a ausência de qualquer resistência significativa à derrubada de Dilma Rousseff. Quase todas as organizações públicas e privadas aceitaram o rompimento da legalidade com uma naturalidade inadmissível até em países menos desenvolvidos do que o Brasil (digo isto pensando especificamente no caso da Turquia, cuja tentativa recente de golpe de estado foi abortada com violência). Em nosso país, nenhum grande jornal, empresa privada ou quartel de polícia ou militar se sublevou contra a chegada de Michel Temer ao poder. Até mesmo a OAB, que tinha um histórico de lutas em favor da democracia, sucumbiu aos encantos do novo ditador civil.

Todos parecem ter acreditado que, trocando as cartas do baralho, o Brasil voltaria a crescer. Todavia, a economia não melhorou e começou a afundar de vez. O pólo naval lentamente incentivado pelos governos petistas foi aceleradamente desmantelado pelo novo presidente da Petrobras causando imenso prejuízo aos fornecedores de equipamentos e matérias primas aos estaleiros. Aos industriais prejudicados nada foi oferecido em troca.

É fato comprovado pelas estatísticas oficiais: os investimentos externos, prometidos pelo usurpador e garantidos pela imprensa que o levou ao poder, não vieram. Em razão da tempestade militar diariamente instigada no Mar da China o Brasil não receberá uma atenção maior dos investidores internacionais. Além disso, quem em sã consciência colocaria dinheiro novo num país que apenas reforçou seus velhos defeitos?

O golpe de 2016 foi dado em nome dos valores do neoliberalismo, mas até a presidente do FMI (autoridade insuspeita) tem criticado Michel Temer. Recentemente Christine Lagarde sugeriu que o usurpador aumente o Bolsa Família ao invés de desmantelar de vez o principal programa social petista. Curiosamente, nenhum analista econômico da Folha, do Estadão ou do jornal O Globo teve coragem de mandar ela para Cuba.

A derrocada do PT pode ser facilmente explicada pela literatura marxista:

“Já se escreveu muito mais sobre as burocracias, e a maioria de nós tem uma experiência mais permanente com elas. As observações de Luttwack a este respeito, portanto, provavelmente trarão mais o prazer do reconhecimento do que o da descoberta. Entretanto, dois de seus pontos merecem ser aqui lembrados. O primeiro é que os únicos métodos já descobertos para controlar a tendência parkinsoniana das burocracias públicas e privadas, de crescer ao infinito, são eles mesmos burocráticos. Um destes métodos consiste em criar um outro departamento ‘que satisfaz seus instintos opondo-se ao crescimento de todas as organizações burocráticas restantes’, um papel geralmente desempenhado pela burocracia financeira; um outro confia em que cada departamento encarregado da construção de impérios dê o melhor de si para manter seus rivais potenciais sob controle.

A segunda observação é a de que as burocracias são essencialmente instituições hobbesianas, nas quais não se pode confiar para defender os regimes existentes quando percebem a provável vitória de um novo regime. Isto se aplica à polícia tanto quanto a todos os outros componentes do aparelho do Estado, embora com algumas matizações. Entretanto, Luttwack deixa de observar que isto não os torna politicamente neutros. Nem o exército nem a polícia opuseram qualquer resistência à derrubada do fascismo na Itália, mas, como os recentes eventos naquele país demonstram, a persistência do aparato da era fascista torna quase impossível a solução dos problemas fundamentais da Itália após o fascismo. As observações de Marx de que as revoluções não podem simplesmente ‘tomar a máquina estatal tal como ela existe e usá-la para seus próprios fins’, por mais ansiosa que ela esteja para ser tomada, tem ainda maior sentido hoje do que em 1872.”  (Revolucionários, E.J. Hobsbawn, Paz e Terra, São Paulo, 2003 3ª edição, p. 196)

A sobrevivência das instituições públicas e privadas que foram construídas ou cresceram após o golpe de 1964 facilitou o golpe de 2016. Mas o contexto internacional era outro. Isto explica a rápida obsolescência do novo regime.

A economia brasileira naufragou num escolho: a eleição de Donald Trump reforçou o protecionismo nos EUA no momento em que Brasil resolveu abrir as pernas para o mercado internacional. A oportunidade ganha pela quadrilha do PMDB/PSDB de ficar impune derrubando Dilma Rousseff (e desmantelando as instituições que combatiam a corrupção) equivale, portanto, à oportunidade perdida pelo Brasil. O impávido colosso voltou a ser tratado como um anão corcunda na arena internacional.  

Nesse sentido, impossível deixar de notar que os investimentos externos funcionaram apenas como um canto de sereia contra o qual nenhuma organização pública e privada foi capaz de se prevenir. Até os eruditos que apoiaram a derrubada de Dilma Rousseff não foram capazes de lembrar que deveriam colocar cera nos ouvidos. Não por acaso alguns deles já estão mudos ou abandonaram o barco que começou a afundar.

O sucesso de Michel Temer foi seu maior fracasso. Ele chegou ao poder, mas provocou a ruína do país que queria governar. O usurpador pensou que podia conhecer a si mesmo escutando a melodia da sereia. O auto-engano que o usurpador cometeu já arruinou as vidas de milhões de pessoas. Ele sairá da vida pública sem entrar na História porque foi incapaz de navegar numa mitologia que tem mais de 32 séculos.

As duas rupturas (1964/2016) tem em comum apenas uma coisa: a vocação do Brasil para sabotar seu povo. O milagre econômico da década de 1970 foi abortado porque não tínhamos petróleo e a democracia herdou a hecatombe urbana e rural resultante da exclusão social. O novo surto de desenvolvimento brasileiro está sendo programaticamente abortado para que o país se transforme num exportador de petróleo.

Geograficamente o Brasil está no Ocidente. Sob o comando dos 40 ladrões liderados por um descendente de libaneses estamos sendo deslocados para o Oriente. Só falta agora o fundamentalismo evangélico crescer e se transforma num fenômeno parecido com o fundamentalismo islâmico.

  

Fábio de Oliveira Ribeiro

1 Comentário

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  1. Somos o Texas!

    Com fundamentalismo evangélico & exportador de petróleo, geograficamente o Brasil é o Texas! Os 40 ladrões liderados por um descendente de libaneses conseguiram! Viramos um neocolonia v 1,02!  Só falta liberar o visto para Miami!

    E ainda não saimos do século XIX!

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