Você não está louco. É a confusão que torna Bolsonaro mais forte, por Renato Bazan

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Você não está louco. É a confusão que torna Bolsonaro mais forte

por Renato Bazan

Não passou nem um mês que Bolsonaro foi eleito presidente e já é possível fazer uma lista de supermercado com as mentiras e desditos do novo mandatário. O plano original para este texto era redigir essa lista. Mas é inútil.

Compreender Jair Messias Bolsonaro é visitar uma casa de espelhos: muitas imagens se projetam diante do visitante, quase nenhuma real. É um labirinto formas distorcidas cujo único propósito é nos fazer questionar nossa capacidade de encontrar a saída. Quanto mais tempo passamos na casa, menos acreditamos em nós mesmos. Quantos mais vezes esbarramos em algum reflexo, maior se torna o poder de quem criou a bagunça.

Escrevo porque vejo amigos se questionando sobre a natureza das próprias convicções. Pessoas progressistas, com a cabeça no futuro e solidariedade no peito, que acordaram se perguntando se estavam de ponta-cabeça ou se o mundo virou. Permitam-me dizer, com carinho e temor: “Vocês estão bem. Vocês não estão loucos. Mantenham-se firmes”.

O caso dos médicos cubanos é um exemplo cristalino desta situação. Bolsonaro passou a última semana trombeteando sobre suas condições magnânimas para que continuassem no Brasil. Três exigências, apenas: que revalidassem seus diplomas, que pudessem trazer suas famílias, e que retivessem o salário de forma integral no Brasil. À primeira vista, um gesto humanitário e inquestionável – até que lembremos de suas ações apenas dois anos antes, quando tentou emendar o Mais Médicos para “proibir dependentes de médicos intercambistas estrangeiros de exercer atividades remuneradas”.

O objetivo, na época de Dilma Rousseff, era “limitar o estabelecimento de vínculos permanentes” no Brasil, já que, na cabeça de Jair, os médicos eram “guerrilheiros comunistas” que se dispersaram para organizar a revolução.

Em qual Bolsonaro devemos acreditar? No que é contra o Mais Médicos porque o programa contribui para a imigração da “escória do mundo”, ou no que diz ter feito tudo para impedir a retirada dos médicos?

Nenhum dos dois, infelizmente. A malícia de Jair está no desdizer, que não é só um ato de incompetência profunda (também é), mas também de enfraquecimento mental contra a população. Hannah Arendt, a judia que dissecou o nazismo, via traços muito similares na Alemanha da Segunda Guerra: “Num mundo incompreensível e em constante mutação, as massas haviam chegado a um ponto em que, ao mesmo tempo, acreditavam em tudo e em nada, achavam que tudo era possível e nada era verdade”.

A aspa é do “Origens do Totalitarismo”, de 1951, mas poderia ser de algum artigo sobre as campanhas de fake news no WhatsApp.

Bolsonaro em nenhum momento tocou nos contra-argumentos oferecidos pelo governo de Cuba ou pela Organização Mundial da Saúde, que intermedia o mesmo convênio com mais 65 países. Isso é proposital. O não-contraditório e o silenciamento contribuem para suas mentiras em série, que nos tornam incapazes de discernir falsidade de realidade. O objetivo é esvaziar o pensamento crítico e forçar a confiança em sua figura de autoridade, um tipo particularmente tóxico de paternalismo.

O zigue-zague de posicionamentos serve ao mesmo propósito. Em um dia, Bolsonaro anuncia um ministro, e no outro diz que nunca o quis no cargo. Em um dia, Bolsonaro condena oponentes investigados na Justiça, no outro diz: “Eu também sou réu no Supremo, e daí?”. Em um dia, defende abertamente que deveria “ter matado 30 mil na ditadura”, no outro garante que a Constituição estará preservada em seu governo.

Torna-se impossível discutir, porque não há solidez nenhuma em suas posições. Seus eleitores são simultaneamente cúmplices e reféns, primeiro porque viabilizaram a chegada deste louco, depois porque não sabem como reagir. E assim, recolhem-se para uma negação da realidade intocável, a ponto de defenderem ideias abertamente condenadas poucos dias antes (como a exclusão dos militares da Reforma da Previdência). É uma relação abusiva que substitui a sensatez pelo discurso do poder autodeclarado: “Eu disse isso agora, logo esta é a verdade. Esqueça tudo o que foi dito antes”.

Imaginem a sensação maravilhosa que isso traz ao ex-militar.

É por este motivo que projetos como o Escola Sem Partido e a incorporação de figuras inquestionáveis de poder, como Major Heleno ou Sergio Moro, são pautas centrais do futuro governo. A confusão só se sustenta quando acompanhada do silenciamento. Quem possa desafia o poder, seja um professor de História da periferia ou o ex-presidente Lula, deve desaparecer.

Quando finalmente chegarem ao Planalto, os Bolsonaro e sua caravana levarão esta tática ao limite. Usarão a máquina estatal para deslegitimar ideias já consolidadas sobre a realidade, como o Aquecimento Global e a importância do Mercosul, e apostarão no obscurantismo para distraírem os brasileiros. Servirão mentiras e contradições para impedir a articulação de respostas honestas, como faz Donald Trump nos EUA, como fez Jair com o “kit gay” (desmetindo inúmeras vezes). Se isso falhar, restará o grito e a porrada – o fetiche militarista finalmente realizado.

Lembrem-se, amigos: vocês não estão loucos. Quanto mais os Bolsonaro se verem encurralados, mais alto vão gritar. Nossa tentação será cair em silêncio, na falsa expectativa de que os dois lados se abram para escutar. Mantenha a voz firme.

 
 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  1. Verdade e poder – Bolsonaro e o discurso comunista
      

    Direita ou esquerda, o que importa é o poder.

     

    (de um blog de direita)

     

     

    A maneira russa de mentir: uma perspectiva filosófica sobre a propaganda pós-soviética

     

    Sociedade 3 comentários  

    Por Roger Scruton [*]

    Talvez o paradoxo mais famoso descoberto pelos filósofos gregos seja o do “mentiroso”. Um cretense diz que todos os cretenses são mentirosos: se o que ele diz é verdadeiro, então é falso. Simplificando, considere: “Esta frase é falsa.” Se for verdadeira é falsa, se falsa, verdadeira. Os antigos levavam a sério esse paradoxo, pois se o conceito de verdade é intrinsecamente contraditório, como o paradoxo implica, então todo o discurso, todo o argumento, toda a tomada de decisão racional ocorre em um vazio. Um filósofo antigo, Filitas de Cos, em seu desespero na busca de uma solução, cometeu suicídio. Mais recentemente, o grande lógico Alfred Tarski usou o paradoxo para argumentar que a verdade pode ser definida em uma linguagem somente através de uma “meta-linguagem” com um ponto de vista externo. Na visão de Tarski “Esta frase é falsa” não é uma frase possível. Mas eu acabei de escrevê-la!

    Um filósofo sobressai-se como um traidor da tradição, Nietzsche, com a famosa declaração que não há verdades, apenas interpretações. A declaração de Nietzsche, se verdadeira, é falsa. Nietzsche, que era mais poeta do que filósofo, não era dissuadido por contradições: era mais importante em sua visão destruir o discurso ordinário do que resgatá-lo. Em seu rastro vieram as tropas de desconstrucionistas, pós-modernistas e relativistas, todos encantados com a idéia de que não há verdade. Que o que eu penso é tão bom quanto o que você pensa – de fato melhor, porque sou “eu” pensando. Se você me oferecer um cargo de professor apesar do fato de que minhas publicações não conterem nada que você reconheceria como verdadeiro ou significativo, então isso mostra que você é tão descolado quanto eu.

    Não devemos nos surpreender assim se os nossos departamentos de humanas são agora preenchidos por “professores de pós-verdade”, que devem seu status intelectual ao provar que não há status intelectual a ser alcançado.

    Tudo isso vem à mente ao refletir sobre o papel da verdade na diplomacia russa. A ideologia comunista descartou a idéia de verdade como se fosse uma construção burguesa. O que importava era poder — e você batizou como verdade aquelas doutrinas que o fornecem. Essa maneira invencível de marginalizar a realidade foi exposta para todos por Orwell, Koestler, Solzhenitsyn e, mais recentemente, Havel. Somente a educação em uma universidade moderna, com doses repetidas de Foucault, Deleuze e Vattimo, pode cegar para os perigos de uma filosofia que vê o poder como o verdadeiro objetivo do discurso. Infelizmente, essa educação existe, e temos que viver com o resultado disso.

    Todos os que encontraram a máquina comunista estavam familiarizados com a abolição da distinção entre verdade e poder, incluindo companheiros de viagem como Eric Hobsbawm e Ralph Miliband, que aprovaram isto. O que importava ao Partido Comunista era a meta: a instalação do controle comunista sobre o máximo possível do mundo civilizado. O mito do “cerco capitalista” — a descrição da expansão militar soviética como uma “ofensiva de paz”, as invasões da Hungria, da Tchecoslováquia e do Afeganistão como “assistência fraterna”: tudo parte da diplomacia da pós-verdade. A falsificação do discurso político estendia-se às minúcias. Os judeus eram perseguidos não como judeus, mas como parte da conspiração burguesa-sionista-capitalista. Os católicos foram presos por “subversão da república em colaboração com uma potência estrangeira”. As tentativas da Otan de instalar defesas antimísseis tornaram-se “atos de agressão que desestabilizavam a Europa”. E assim por diante. O resultado era uma espécie de discurso paranóico que não podia ser respondido com argumento racional, já que cada argumento era mais uma prova de que todos os que denunciavam as mentiras também as diziam. A máquina de propaganda soviética enfrentava todos os fatos gritando a plenos pulmões “mentiras!”, como um lógico louco que grita “essa frase é falsa!”

    A paranóia institucionalizada não desapareceu com o colapso do comunismo. Poderá ser superada, mas apenas por uma imprensa livre, instituições livres e universidades que protegem a liberdade de expressão: coisas que estão sob ameaça em todo o mundo pós-verdade e que não existem na Rússia há cem anos. Quando foi mostrado que os mísseis russos derrubaram um avião civil malaio sobre a Ucrânia a resposta era outra vez “mentiras!” As acusações de doping de atletas russos, invasão de contas de e-mails dos EUA, mobilização de tropas na fronteira com a Polônia, movimentos de armamento para o enclave de Kaliningrado, constante violação do espaço aéreo da Suécia — todos encontraram a mesma resposta. A premissa da diplomacia russa é: “Não há verdade e portanto tudo o que você diz é uma mentira.” O que, se verdadeiro, é falso. Como foi demonstrado.

    [*] Roger Scruton. “The Russian way of lying”. The Spectator, 23 de Março de 2017.

    Tradução: Guilherme Pradi Adam

    Revisão: Rodrigo Carmo

     

     

  2. Desgosto terrível

    Quando Lula entrou para o govenro ele, meio que sem querer, iniciou um movimento pela brasilidade, pelo orgulho de ser brasileiro. Dezenas de novos programas de desenvolvimento importantes iniciaram Luz Para Todos, Bolsa Família, Territórios Rurais, Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos, PAC, 28 novas universidades, … e uma nova política externa ativa e altiva, Militares no Haiti, no Congo, …, criamos o G20, Forum Social de Porto Alegre, o BRICS, reativamos as industrias Naval, Civil, Aeroespacial, Ferroviária, …, Petrobrás se torna top 10 do MUNDO e distribui riqueza aos seus empregados com a PL…etc …etc…

    Lula passava a impressão sincera de que tinha orgulho de ser quem ele era, brasileiro (o que FHC nunca conseguiu transparecer). E isso contagiou a nova classe C e até mesmo partes das classes mais abastadas.

    O que ele não esperava, e nem eu, é que esse sentimento acendesse a luz de alerta do establishment. E tudo ruiu.

    Com a cumplicidade e traição do José Cardoso e a apatia da Dilma o establishment montou uma verdadeira operação de guerra híbrida contra a brasilidade, usando, para confundir, o nacionalismo tosco e discursos vazios mas apelativos e de interesse da classe média parasita (que se acha elite) e que tem influência sobre os pobres.

    Não lerei mais nada sobre Bolsonaro. Não há a mínima chance de um governo entreguista e que quer impor um modelo neoliberal dos anos 1970 ao Brasil dar certo.

    Bolsonaro vai se esborachar e levar o Brasil junto. E se não for Bozo será outro porque o brasileiro está cego numa Cruzada contra si próprio.

    Mas o pior foi ver o sentimento de brasilidade ir junto com Lula para a prisão política

    Nenhum orgulho de ser brasileiro agora. Teremos de refundar o Brasil, mas talvez isso demore demais, e nem tenhamos mais nem o território.

    Como derrubar um Judiciário com Partido corporativista e que não se encherga na brasilidade de Lula?

    1. Solidariedade
       

      Quando você começa a enumerar as realizações do Lula, o nosso sentimento de brasilidade e a situação que vivemos hoje, não me resta outro sentimento que o de solidariedade:

      “dá um desgosto…”

       

      https://www.smartkids.com.br/content/coloring_pages/images/2547/original/vamos-dar-maos.png

       

    2. Prezado Victor
      Bom dia 
      A

      Prezado Victor

      Bom dia 

      A cada ciclo geracional passamos por essa situação. Antes de Dilma, Collor também foi golpeado por ousar enfrentar as elites e oligarquias que comandam o Brasil desde o primeiro golpe em 1889 com a implantação da famigerada republica, inclusive “expulsando” o imperador do país.

      Creio que ainda é cedo para “julgarmos o bonoSSauro”!

      Por que esquecemos do Temer heim? 

      Abração.

  3. Não creio que a pessoa de

    Não creio que a pessoa de Jair Bolsonaro esteja fingindo-se de confuso para induzir confusão. Creio que ele é confuso, mesmo, obtuso e muito, muito limitado.

    Mas creio que há gente bem esperta, inteligente e com absoluta clareza de objetivos orientando-o e aos seus igualmente limitados, gente com objetivos bem diversos do que tem a Democracia como vocação. Gente que pretende orientar a coisa pública para benefícios privados e não da coletividade.

  4. Bolsonaro é um fantoche do

    Bolsonaro é um fantoche do grande capital, poderia ser Aécio. O Bozo é despreparado, mas utiliza táticas militares e quem dirige o jogo está bem acima dele e provavelmente fora do país.  Temos uma constituição, mas ela não é mais aplicada, a não ser contra os inimigos das corporações, perto disso as mentiras do Bozo são bem menos relevantes.

  5. Lidar com a mentira é bastante danoso para o cérebro humano

    Para contarmos uma mentira, nosso cérebro precisa “bloquear” a verdade. Este “trabalho” repetidas vezes traz esforço para o sistema nervoso. Que psiquiatras, psicólogos, médicos, terapautas, coach, curandeiros e curadores se preparem , pois viveremos numa sociedade visivelmente mais adoecida mentalmente, agora que o fake news está libertado e liberado. E o grave de quem recebe as notícias mentirosas é que elas geram mais medo, tensão, alerta, inquietação, ansiedades.

    Já dizia um pensador moderno: “Não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente” Jiddu Krishnamurti

     

  6. O governo do Bozó é Teoria do

    O governo do Bozó é Teoria do Caos na veia, ou seja, aumenta-se ao máximo a confusão para ninguém notar o que de fato ele está fazendo: entregando o Brasil para os EUA.

    Qualquer cego vê isso, menos os eleitores do Bozó, que não são cegos. São burros mesmo.

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