Xadrez da alma brasileira e desembargador que tentou livrar Flávio Bolsonaro

Tornou-se um militante ativo do bolsonarismo, inclusive nas disputas com governadores, sendo retuitado pela deputada (e ex-promotora) Bia Kics.

Peça 1 – o país sem caráter

O Brasil é um país sem caráter. Homens públicos, meritíssimos, políticos, jornalistas, seguem a máxima do bambu. Conferem a direção dos ventos e vergam, para não quebrar e para aproveitar o embalo das ondas. Não há apego a valores, a princípios.

O sujeito levanta, toma banho, vai ao closet e veste a roupa adequada para o dia.

Os ventos sopram a favor dos direitos? Sejamos garantistas. Mudam em favor do punitivismo? Viremos punitivistas. O que importa é a boa explicação. Que tal enquadrar o punitivismo, o “em dúvida, pró-sociedade”, na relação das medidas iluministas? Iluminismo é uma bela palavra e, assim como o creme de leite, ajuda a adoçar qualquer porcaria.

É por isso que garantistas de antes de ontem, se tornam punitivistas implacáveis de ontem, garantistas destemidos de hoje e, provavelmente, punitivistas implacáveis de amanhã. Tudo depende do rumo dos ventos.

Daí, nenhuma surpresa com a história do desembargador Paulo Rangel, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Peça 2 – a mão de Deus levando à Augusta Senhora

Rangel veio do Ministério Público estadual e se aproximou da primeira dama Adriana Anselmo, uma advogada ambiciosa que, por conta do casamento com o governador Sérgio Cabral, passou a interferir em todas as indicações do Judiciário – de desembargadores ao Ministro Luiz Fux no Supremo Tribunal Federal (STF), nos tempos que Cabral gozava de prestígio junto a Lula.

Nomeado desembargador em 2010, no seu discurso de posse Rangel contou o milagre e o santo. Segundo seu depoimento, no início da sua campanha para desembargador dizia “não ter apoio de ninguém, apenas de Deus”. Ao procurar uma autoridade ouviu dela, que Deus não votava no órgão especial. Logo veio a resposta divina, a dica de que Adriana Anselmo estava recebendo candidatos para avaliar. Foi o quarto candidato a pedir a bênção a Adriana Anselmo. Foi abençoado e conseguiu o cargo.

Quando recebia algum cliente em seu escritório de advocacia, Adriana Anselmo tinha por hábito ligar para algum desembargador e demonstrar, ao vivo, a intimidade com o meritíssimo. Graças ao marketing e à influência real, seu escritório de advocacia alçou voo.

Peça 3 – a alma sensível querendo o STF

Em 2013, quando Dilma Rousseff se preparava para escolher um novo Ministro do STF, Rangel já havia preparado sua estratégia. Os ventos sopravam em favor dos humanistas, dos garantistas, das pessoas com sensibilidade social

E quem poderia ter melhor coração que nosso Rangel? Luis Roberto Barroso, sem dúvida, que se apresentava como sendo “um homem bom”. Luiz Edson Fachin, é claro, defendendo lideranças rurais e sindicatos. Mas Rangel era homem bom também.

Em entrevista em 2013, explanou com propriedade sobre o espírito de vingança da sociedade e de como influenciava o trabalho do Ministério Público: “As pessoas têm prazer com o mórbido, com o sofrimento alheio. A sociedade é punitiva, é xiita, desde que não seja com ela. Se fizermos uma pesquisa e perguntar para as pessoas: “Vocês querem uma Polícia honesta, limpa e correta, um Ministério Público forte e independente, e um Judiciário implacável?”. As pessoas vão responder: “Sim. Desde que não seja para me processar”.

Foi além: “A sociedade é punitiva. Se for feita uma enquete nacional sobre pena de morte, ela será aprovada. E quem vai para a cadeira elétrica são os pobres, os negros, as prostitutas. Não os do crime de colarinho branco. Por isso que, quando se fala de pena de morte, é preciso pensar na maioria da população que vai sentar naquela cadeira. Essa medida está fora de cogitação”

Em 2015, procurou Dilma Rousseff, os deputados do PT ligados ao mundo jurídico, o Ministro da Justiça, candidatando-se a uma vaga no STF. Levou livros, fez profissão de fé nos direitos individuais e coletivos. Mas perdeu para Luiz Edson Fachin.

Peça 4 – a fase da Lava Jato

Com a campanha do impeachment, os ventos passaram a soprar vigorosamente em direção à Lava Jato. E Rangel, ao lado do amigo Marcelo Bretas, tornou-se um lavajatista de primeira hora. Assim como Barroso e Fachin, e outros homens bons.

Em 2004 em fundou o Instituto de Liberdades Públicas e Ensino Juridico Paulo Rangel, para ministrar palestras e dar treinamento. Foi após uma palestra no Instituto que Deltan Dallagnol teve a ideia de montar uma empresa para intermediar suas próprias palestras.

Segundo Deltan escreveu a Roberto Pozzobon, Rangel “deu o nome de INSTITUTO, que dá uma ideia de conhecimento… não me surpreenderia se não tiver fins lucrativos e pagar seu administrador via valor da palestra. Se fizéssemos algo sem fins lucrativos e pagássemos valores altos de palestras pra nós, escaparíamos das críticas, mas teria que ver o quanto perderíamos em termos monetários” — afirmou Dallagnol.

O nome do evento era “Brasil contra a impunidade”.

https://www.facebook.com/paulorangel57/videos/669199486831759

Entre as estrelas do evento, Deltan Dallagnol, o juiz Marcelo Bretas e o general de divisão Richard Nunes, Secretário de Segurança do Rio de Janeiro.

Os seminários contam com patrocínio de empresas.

Um sobre o Coronavirus teve o patrocínio da Qualicorp, mostrando a familiaridade de Rangel com o ramo da saúde.

À medida que Jair Bolsonaro foi crescendo nas pesquisas, Rangel rapidamente migrou das bandeiras lavajatistas para aquelas típicas do bolsonarismo. A partir de 2017, já era um bolsonarista-raiz.

Matriculou-se em um clube de tiro, ao lado do colega Marcelo Bretas.

Passou a vociferar contra criminosos de todas as classes e a defender menos Estado e mais armamento.

“Programa de fim de semana com a família! Durante 30 anos no Brasil, entraram em nossas mentes para termos medo de nos defendermos: ‘Nunca reaja’ e onde chegamos? Triplicaram os homicídio (sic), 3x mais entre liberar e não liberar as armas para pessoas de bem! Pensem nisso!”

Tornou-se um militante ativo do bolsonarismo, inclusive nas disputas com governadores, sendo retuitado pela deputada (e ex-promotora) Bia Kics.

Sua demonstração de total lealdade ao bolsonarismo – e ampla deslealdade com a Justiça – se deu no julgamento no qual Flávio Bolsonaro pleiteava prerrogativa de foro, tirando das mãos do juiz Flávio Itabiana. Alegou que seguiu sua consciência.

Em seu livro “Direito Processual Penal”, Rangel era um vigoroso crítico da prerrogativa de foro. No julgamento, atropelou decisão recente do Supremo, baseou seu voto em um voto derrotado na sessão que julgou o caso, foi tão apressado que trocou o autor – era de Dias Tofolli, ele atribuiu a Luis Roberto Barroso.

Peça 6 – as ligações com suspeito de lavagem de dinheiro

Um mês antes, Rangel foi denunciado ao Conselho Nacional da Justiça por ter adquirido uma corretora de seguros, a LPS Corretora de Leandro Braga de Souza, figura central no esquema de lavagem de dinheiro de Mário Peixoto, o cappo do esquema de corrupção na saúde do Rio de Janeiro.

Logo ele, intimorato defensor da Lava Jato e ardente adversário dos crimes de colarinho branco.

A corretora foi criada em 2017. Assim como outras empresas de Braga, provavelmente era utilizada para lavagem de dinheiro. Rangel já tinha bons contatos com empresas de seguro-saúde, conforme se confere no patrocínio da Qualicorp ao seu seminário.

O site da corretora é uma casca sem conteúdo. Há a home, mas os links levam a páginas não encontradas. Não há páginas de “Quem Somos”, “Visão e Valores” e contato.Pois foi Rangel quem colocou a Justiça em xeque, ao atropelar uma decisão do Supremo Tribunal Federal e ao proteger ostensivamente Flávio Bolsonaro.

Nas próximas semanas, o CNJ terá vasto material para avaliar suas atitudes.

 

 

Luis Nassif

5 Comentários

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  1. Pra mim, há um pacto de não agressão entre STF e Bolsonaros. Alexandre de Moraes, que sabe o que é o PCC, deu uma amostra grátis pros Bolsonaros, que sabem o que é milícias, que o judiciário hoje é o poder dos poderes no país – papel que foi dos militares. Hoje o judiciário brasileiro não só julga, como na prática cria leis. Houve um momento que tinha que tirar Lula da chance de ser presidente – então, sem problemas: primeiro impede-se dele ser chefe da casa civil do já quase morto governo Dilma ( ato que viola o direito do presidente de escolher seus ministros); votaram a prisão em segunda instância pra prenderem Lula antes da eleição de 18. Passado a eleição, voltam atrás, porque essa prisão de segunda instância poderia pegar os tucanos de Gilmar Mendes. Alexandre de Moraes viu que conseguiu dar um susto em Bolsonaro e esse até parou de falar com o cercadinho e já se livrou, com dor no coração, de Weintreub. Então não há necessidade agora de ir em cima de Flávio. Aliás, é muito melhor pro STF ter um presidente que já viram que é cachorro que ladra e se acoelha do que lidar com um que não se sabe como vai ser – no caso Mourão. Esse Rangel apenas vai fazer o serviço sujo que foi autorizado pelo STF. Se não fosse ele, seria outro – candidato não falta, a relação candidato-vaga é maior do que vestibular de medicina

  2. há de se esclarecer, como fez Jânio de Freitas, o voto de uma das desembargadoras: antes ela havia negado o habeas corpus. no voto da turma, concedeu o hc, embora tenha mantido as decisões do juiz a quo. Na verdade, embora muito se questione essas decisões, como fez um dos ministros do stf, essas decisões servem de parâmetro ao perpetrado no trf do sul: quando todos os desembargadores votaram da mesma maneira, inclusive e raríssimo (salvo quando “acompanham” o relator) na dosemetria da pena, para majorá-la, diga-se, em verdadeiro acinte ao princípio do non reformatio in pejus.

    p.s.: a folha de são paulo tentar dizer que foi “engalfinhada” pela ditaburra é um insulto a um: editorial escrito por Clovis Rossi de que a folha ajudou na tortura; a dois http://www.arquivoestado.sp.gov.br/revista_do_arquivo/02/interpretes_do_acervo_03.php, o que se infere que qualquer jornalista que lá trabalha é conivente com a corrupção mais deslavada, pois a tortura é imprescritível, segundo a CF, o que não recepciona nem lei de anistia, nem decisão do stf e tampouco “pactos”; a três que esse editorial serve para suavizar um passado que muitos ainda não se detiveram por sermos um país de parca leitura.

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Controv%C3%A9rsias_envolvendo_a_Folha_de_S.Paulo

  3. Na era Temer, Nassif criticou Moraes, Temer escolheu Moraes, na era Bolsonaro , Nassif criticou Rangel… No fim do ano a batalha vai ser Bolsonaro x Senado.

  4. Essa falta de caráter é chamada “duas-caras” aonde eu vivo. Mas o que me impressiona é como no Brasil essa prática é realizada A LUZ DO DIA e sem NENHUMA preocupação com o fato de que declarações hoje são gravadas em vídeo e ficam para sempre visíveis na Internet, o que portando denuncia o duas-caras para o mundo inteiro. O duas caras brasileiro não têm o menor pudor em se mostrar como duas-caras.

  5. CNJ fazer algo não vai acontecer como não fez contra Moro nem CNMP fez contra Dallagnol e os outros vaza-jateiros, como a comissão de ética nunca fez contra o então deputado Jair, nem fez ou fará conrra Aecin e Flávio, aquele que perdeu o sobrenome

    A falsidade ideológica é corporativista e o “mecanismo” se protege

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