A autonomia militar e a soberania nacional, por Roberto Amaral

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Para o governo, o papel das Forças Armadas é o de Guarda Nacional

A autonomia militar e a soberania nacional

por Roberto Amaral

O país que não incentiva a modernização das Forças Armadas renuncia ao futuro. Lamentavelmente, não se pode esperar essa visão do atual governo

Em artigo a Carta Capital (“O Brasil precisa de um setor siderúrgico eficiente e competitivo”, publicado na edição 940 de CartaCapital com o título “As três autonomias”), a propósito de oportuna defesa da siderurgia brasileira, ponto de partida, como ensinou Getúlio Vargas, de qualquer projeto de construção nacional, o ex-ministro Antonio Delfim Neto, destaque do pensamento conservador, delineia as três autonomias sem as quais, diz ele, “nenhuma nação será independente”.

Eu quase diria que é um bom ponto de partida para um Programa Nacional, um Projeto de País, de que tanto carecemos. E assim vou comenta-las.  Essas condicionantes, inafastáveis, são: 1) a autonomia alimentar, 2) a autonomia energética e 3) a autonomia militar.

Vejamos.

A autonomia alimentar é aquela capaz de suprir o consumo interno, não apenas por imperativo político-social, mas por razões estratégicas, como a necessidade de enfrentar ocorrência de conflitos ou guerras, crise de transporte ou qualquer ‘impedimento das importações’..

O festejado agronegócio é um dos setores mais dinâmicos da economia – graças aos investimentos estatais, dos quais os melhores exemplos são a Embrapa (centro de excelência científico-tecnológica) e o financiamento das safras pelos bancos públicos com prazos e juros favoráveis.

Esses subsídios são sempre esquecidos…  Mas, sabidamente, a grande produção é de commodities voltadas para o mercado internacional. Qualquer mudança de padrão produtivo cobraria tempo, com o que as crises de abastecimento não se acomodam. Já o mercado interno, é crescentemente atendido pela agricultura familiar, responsável por mais de 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa, apesar de ser, em face de seu conteúdo social,  ‘o patinho feio’ do governo das oligarquias.

No mesmo plano encontra-se a autonomia energética, fundamental em qualquer hipótese, sabemos, mas imprescindível em país com as nossas características e nosso nível de desenvolvimento e urbanização. Sem energia, não há parque produtivo de pé nem civilização.

Daí o grande mérito do esquecido ‘Luz para todos’, trazendo milhões de brasileiros para o século XXI. O projeto energético brasileiro precisa ser revisto, pois vivemos, desde o desastrado desmonte da Eletrobrás nos anos 90, na fronteira de uma crise de abastecimento – evitada até aqui pela queda de consumo derivada da recessão – e, em especial, pela crise da indústria.

O setor hidrelétrico, responsável por mais da metade do fornecimento de energia, sofre o atraso da construção de novas usinas e de suas longas linhas de transmissão, cada vez mais contestadas por ONGs internacionais. O abastecimento, ademais,  precisa  estar assegurado independentemente de condições climáticas adversas que afetam o volume de água armazenável.

Releva aqui, destacar o papel do petróleo, e consequentemente, da Petrobras, posta em crise, para que deixe de ser protagonista de nossa autonomia de combustível, projeto da administração Temer-Parente. Fatiada para ser mais facilmente privatizada, a grande empresa estatal, antes garantia de nossa autonomia, tem, hoje seu futuro – isto é, o futuro do petróleo brasileiro -, transformado em uma incógnita.

O programa nuclear, que engatinha há mais de 40 anos, sofre mais um baque, com a paralisação das obras de Angra III. A alternativa da biomassa, que deu seus primeiros passos com o Proálcool ainda não conseguiu firmar-se, em face das idas e vindas da política energética brasileira.

Há avanços, ainda não muito significativos, na geração de energia fotovoltaica (ainda muito cara) e eólica esta principalmente no Nordeste. Mas a produção dessas duas fontes será sempre complementar, e, ainda assim, irrelevante tendo em vista as necessidades do consumo nacional, que, porque defendemos o desenvolvimento, queremos que cresça e cresça muito.

A terceira  ‘autonomia’, a  militar, é, do meu ponto de vista, a autonomia síntese, pois dependente de todas as demais e dependente, principalmente, do desenvolvimento industrial-tecnológico, de que tanto estamos nos afastando. Essência, ponto de partida e ponto de chegada, a autonomia militar (autonomia bélica, sim, mas igualmente autonomia ideológica) é conditio sine qua non de soberania, sob todas as modalidades conhecidas.

Dela tratarei mais demoradamente.

De certa forma, a função moderna de Forças Armadas, em país como o nosso, não é fazer a guerra, mas evita-la, advertindo eventuais agressores das perdas que lhe seriam impostas. É o seu papel de dissuasão,  tradução moderna  do si vis pacem para bellum romano. (A consciência da autodestruição, fruto da auto dissuasão, evitou que a guerra fria terminasse na hecatombe atômica).

Para isso, porém, precisam ser Forças modernas, bem aparelhadas, servidas por pessoal altamente adestrado capaz de resposta rápida. Mas não tem Forças Armadas quem não tem autonomia científico-tecnológica e, ao fim ao cabo, indústria bélica, um desdobramento da indústria civil.

O desenvolvimento em ciência, tecnologia e inovação é o pivô do desenvolvimento econômico, social e militar, e condiciona os conceitos de soberania e defesa, posto que soberania não é um conceito nem jurídico, nem político, nem militar, mas multidisciplinar, pois compreende uma visão social, uma visão econômica, uma visão política, uma visão estratégica, uma visão científica e tecnológica e acima de tudo uma visão política,  ideológica e  cultural, uma vez que significa, igualmente, uma proposição de valores que se realiza na aplicação do projeto de nação, que visa ao desenvolvimento das forças sociais, à consolidação do país e à sua continuidade histórica.

Segurança, independência, capacidade de defesa e preservação da soberania nacional, ofício das Forças Armadas, integradas com a sociedade, refletem a medida do desenvolvimento científico-tecnológico-industrial das nações. O país que não compreender esta lição, e não exercitar seu ensinamento, estará renunciando ao futuro.

Conhecimento científico e tecnologia estão no cerne dos processos por meio dos quais os povos são continuamente reordenados em arranjos hierárquicos. Desde sempre se sabe que o conhecimento, usado politicamente (e sempre o é), comanda a hierarquização dos povos, motivo pelo qual faz-se necessário assumir a evidência de que não há possibilidade de nação soberana sem autonomia científica e tecnológica, de que depende a autonomia militar, e, conclusivamente, não há possibilidade de inserção justa na sociedade internacional, na globalização, sem soberania.

Soberania nacional e dependência científico-tecnológica-industrial são incompatíveis entre si, como incompatíveis são subdesenvolvimento e independência, como é impossível estratégia militar de dissuasão sem Forças Armadas altamente equipadas.

Lamentavelmente, nada disso se pode esperar de um governo que intenta destruir a empresa nacional, põe em risco a Petrobras e entrega o Pré-sal a multinacionais e entregar o território nacional à cobiça do capital privado internacional, liberando a venda de terras, inclusive nas fronteiras.  Um governo para o qual o papel das Forças Armadas é o de Guarda Nacional, para suprir as polícias estaduais em seu rotundo fracasso como garantidoras da segurança pública.

O escritor e o malfazejo

Raduan Nassar é um dos maiores escritores de nossa língua, no nível de um Graciliano Ramos, de um Guimarães Rosa, e mesmo de um Machado de Assis. Lavoura Arcaica e Um copo de cólera são obras-primas em qualquer literatura do mundo.

O Prêmio Camões – antes dele, entre outros brasileiros agraciados, estão Jorge Amado, João Cabral de Melo Neto, Lygia Fagundes Telles, Antônio Cândido – fez justiça ao escritor consagrado  e ao intelectual comprometido com a liberdade, a independência e os interesses de seu país e de seu povo, os temas de sua obra.

Em seu discurso, ao receber o Prêmio (concedido por um júri formado por escritores brasileiros e portugueses) fez-se intérprete do sentimento nacional, ao criticar o governo que aí está, despertando a fúria, a grosseria, a falta de educação do pequenino ministro da Cultura em exercício, intelectualmente minúsculo, e, por isso mesmo, à altura do governo a que serve como cão de fila.

Esse homem menor tentou atingir Raduan Nassar, o grande escritor, o grande intelectual, o grande e desassombrado patriota. Sobrou-lhe arrogância, faltou-lhe tamanho.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

8 Comentários

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  1. O objetivo de todo exército é
    O objetivo de todo exército é ser tão bom que qualquer possível agressor desista antes de tentar. Mas um país de escravos não precisa exército.

    1. Armadas em país colonizado é p manter dominação

      É bem isso mesmo… País que aceita ser vassalo e colonia de exploração não necessita de força armada com vistas na proteção de ameaças externas porque a sua função e foco central resume-se tão soimente é em conter o inimigo interno – a parte da população que não aceita a sua dominação/escravidão por imposição. A dominação é externa mas são as armadas nacionais do país-alvo é que cumprem o papel de manter o povo bem quietinho, manso e resignado. É um filme de terror mesmo..

  2. É incrível

    Em pleno século XXI, ainda se discutir soberania nacional abarcando os tópicos “autonomia alimentar”, “autonomia energética” e “autonomia militar”.

    Só um país desfigurado desde sempre, como é o Brasil, para de tempos em tempos voltar a discutir, ser um país soberano.

    Não descarto ninguém, das forças que compõe a sociedade brasileira, são as responsáveis pelas tragédias que sempre assolaram este imenso continente, riquíssimo em tudo, desde os recursos naturais até a sua gente.

    A verdade é que se dependesse apenas da sua gente, nós não estaríamos discutindo isso hoje em dia.

    O nosso grande problema são as nossas intituições, inclusive as Forças Armadas.

    Num passado não muito remoto, foram elas as responsáveis pela “garantia” do perigo comunista que assombrava o mundo.

    Cartilha editada pelos imperialistas, “irmãos” do norte, e sabujamente obedecida pelos comandantes das três forças armadas.

    Se os comandantes das forças armadas não fossem alienados pelos pensamentos dos EUA, nós já seríamos uma potência a muito tempo.

    Dos políticos deste país, nunca pudemos esperar nada, e não será agora com esse governo golpísta.

    Sempre estivemos subordinados a governos que nunca pensaram propositalmente em fazer do Brasil, uma grande nação.

    E as forças armadas sempre estiveram metidas nesses imbrólios, sempre “apostando” do lado equivocado.

    Que forças armadas são as nossas, que silenciam num momento em que um bando de larápios assaltam o poder, destituindo uma presindenta eleita legitimamente pelo seu povo e comprovadamente honesta, e eles ficam calados e parados como estátuas?

    Estão com medo de fazerem as cagadas do passado? Pois sempre apostaram do lado errado e agora não querem correr mais risco?

    Forças armadas apolítica agora?

    São uns ingênuos, ou mal intencionados mesmo.

    A prova dos noves, e eu acredito que isso ocorrerá, cedo ou tarde, uma revolta popular das classes mais atingidas pelas desgraças provocadas pelas elites deste país.

    Quero ver para onde eles vão apontar os seus canhões.

  3. Forças armadas não estão fazendo o dever de casa

    Vejam qual é a missão das FFAA e fica fácil de entender que, além de terem apoiado o golpe, NÃO ESTÃO FAZENDO O DEVER DE CASA:

     

    A MISSÃO DO MINISTÉRIO DA DEFESA (Do portal=http://www.defesa.gov.br/):

    “Coordenar o esforço integrado de defesa, visando contribuir para a garantia da SOBERANIA, dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, do PATRIMÔNIO NACIONAL, a  SALVAGUARDA DOS INTERESSES  NACIONAIS  e o incremento da inserção do Brasil no cenário internacional.”

    1. A finalidade das FFAA é manter intacta a estrutura da sociedade

      “A guerra é travada, pelos grupos dominantes contra seus próprios súditos, e o seu objetivo não é conquistar territórios nem impedir que outros o façam, porém manter intacta a estrutura da sociedade.” – George Orwell, 1984

  4. Autonomia militar para esmagarem a nossa população?

    O que disse a Rosa Luxembrugo, em Reforma ou Revolução, sobre a proteção alfandegária e o militarismo:

    “O Estado atual é antes de tudo uma organização da classe capitalista dominante. Sem dúvida que assume funções de interesse geral no desenvolvimento social; mas somente na medida em que o interesse geral e o desenvolvimento social coincidam com os interesses da classe dominante. A legislação da proteção operária, por exemplo, serve igualmente o interesse imediato da classe capitalista e os das sociedades em geral. Mas esta harmonia cessa num certo estádio da evolução capitalista. Quando essa evolução atinge um determinado nível, os interesses de classe da burguesia e os do progresso económico começam a cindir-se mesmo no interior do sistema de economia capitalista. Pensamos que essa fase já começou; testemunham-no dois fenómenos extremamente importantes da vida social atual: a política alfandegária e o militarismo. Esses dois fenómenos representaram na história do capitalismo um papel indispensável, e nesse ponto de vista, progressivo, revolucionário. Sem a protecção alfandegária, o desenvolvimento da indústria pesada nos diferentes países teria sido quase impossível. Actualmente, a situação é diferente. A protecção alfandegária já não serve para desenvolver as indústrias jovens, mas somente para manter artificialmente as antigas formas de produção.

    Na perspectiva do desenvolvimento capitalista, quer dizer, da economia mundial, pouco interessa que a Alemanha exporte mais mercadorias para a Inglaterra ou que a Inglaterra exporte mais mercadorias para a Alemanha. Por consequência, se se considera o desenvolvimento do capitalismo, a protecção alfandegária desempenha o papel de bom criado que depois de ter efectuado o seu trabalho, o melhor que tem a fazer é ir-se embora. Deveria mesmo fazê-lo. Sendo de dependência recíproca, o estado em que actualmente se encontram os diferentes sectores da indústria, os direitos alfandegários sobre qualquer mercadoria têm necessàriamente como resultado o encarecimento da produção das outras mercadorias no interior do pais, quer dizer, entravam pela segunda vez, o desenvolvimento da indústria. Este é o ponto de vista da classe capitalista. A indústria não precisa de protecção alfandegária para o seu desenvolvimento, mas os empresários precisam dela para proteger as suas colocações no mercado. Isso significa que actualmente as alfândegas já não servem para proteger uma produção capitalista em vias de desenvolvimento frente a uma outra mais adiantada, mas para favorecer a concorrência de um grupo nacional de capitalistas contra um outro grupo nacional. Para mais, as alfândegas já não têm a função de protecção necessária a indústrias nascituras, já não ajudam a criar e conquistar um mercado interior; são os agentes indispensáveis à concentração da indústria, quer dizer, da luta dos produtores capitalistas contra a sociedade consumidora. Por fim, o último traço específico da política alfandegária actual: não é a indústria mas a agricultura que tem hoje um papel preponderante na política alfandegária, ou, por outras palavras, o proteccionismo tornou-se um meio de expressão dos interesses feudais e serve para o mascarar com as cores do capitalismo.

    Assiste-se a uma evolução semelhante do militarismo. Se considerarmos a história, não como poderia ter sido ou deveria ser, mas tal como é na realidade, somos obrigados a constatar que a guerra foi um auxiliar indispensável do desenvolvimento capitalista. Nos Estados Unidos da América do Norte, na Alemanha, na Itália, nos Estados balcânicos, na Rússia e na Polônia, em todos esses países. o capitalismo deve o seu primeiro impulso às guerras, independentemente do resultado, vitória ou derrota. Enquanto existiam países onde era preciso destruir o estado de divisão interna ou de isolamento económico, o militarismo desempenhou um papel revolucionário do ponto de vista capitalista, mas hoje a situação é diferente. Os conflitos que ameaçam o cenário da política mundial não servem para fomentar novos mercados ao capitalismo; trata-se fundamentalmente de exportar para outros continentes os antagonismos europeus já existentes. O que se defronta hoje. de armas na mão, quer se trate da Europa ou de outros continentes, não é um confronto entre países capitalistas e países de economia natural. São Estados de economia capitalista avançada, levados ao conflito por identidade do seu desenvolvimento, que, na realidade, abalarão e desordenarão profundamente a economia de todos os países capitalistas. Mas a coisa aparece bastante diferente na perspectiva da classe capitalista. Para ela, o militarismo tornou-se actualmente indispensável sob três aspectos: 1º, serve para defender os interesses nacionais em concorrência com outros grupos nacionais; 2º, constitui um campo privilegiado de investimento tanto para o capital financeiro como para o capital industrial; e 3º, no interior é útil para assegurar o seu domínio de classe sobre o povo trabalhador e todos os interesses que, em si, nada têm de comum com o progresso do capitalismo. Dois traços específicos caracterizam o militarismo actual: um é o desenvolvimento geral e concorrente de todos os países – dir-se-ia impulsionados no seu crescimento por um força motriz interna e autónoma –, fenómeno ainda desconhecido há algumas décadas; o outro é o carácter fatal, inevitável da explosão eminente, embora se desconheça o pretexto que a desencadeará, os Estados que serão envolvidos, o objectivo do conflito e todas as outras circunstâncias. Em contrapartida o motor do desenvolvimento capitalista, o militarismo. transformou-se numa doença capitalista”.

     

    “A população armada é melhor
    exército de massas 15/03/2006 16:02

    É melhor ter cerca de 30 milhões de cidadãos com boa saúde física e mental, de ambos os sexos, com um fuzil guardado em casa do que Forças Armadas regulares.

    Se tentassem invadir o Brasil, cada quarteirão seria uma trincheira.

    Seria bom também que cada bairro das grandes cidades e cada cidade média do interior tivesse uma bateria anti-áerea e todos os cidadãos adultos fossem treinados para saberem utilizá-la para derrubar aviões e helicópteros inimigos.”

    http://www.brasil.indymedia.org/pt/green/2006/03/347918.shtml

  5. Primeiro deve-se ensinar que moramos e devemos

    defender a REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, seu povo, suas riquezas minerais e agrícolas. 

    Nós não somos e não estamos presos a nenhulm outro país. Não somos Estados Undios da América.

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