A navalha na carne 2.0, por Fábio de Oliveira Ribeiro

As regras constitucionais que definem o processo penal são absolutamente cristalinas. O juiz deve respeitar o devido processo legal e manter equidistância em relação às partes

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A navalha na carne 2.0

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Após o STF liberar os arquivos dos chats entre os procuradores da Lava Jato e Sérgio Moro para a defesa de Lula a imprensa voltou a debater essa questão.

Os documentos reforçam aquilo que já vinha sido dito. Sérgio Moro coordenava e supervisionava o trabalho dos procuradores do MPF, fornecendo a eles informações relevantes e orientações profissionais e processuais. O comprometimento da imparcialidade judicial é evidente e deve provocar a anulação de todos os processos em que ele atuou, sem qualquer exceção.

As regras constitucionais que definem o processo penal são absolutamente cristalinas. O juiz deve respeitar o devido processo legal e manter equidistância em relação às partes. Quando conspira com uma parte para prejudicar outra (algo que evidentemente ocorreu nos processos de Lula), o juiz compromete a legitimidade do processo. O vício da parcialidade compromete totalmente a higidez da condenação criminal. Não é justa ou legal uma punição imposta ao réu numa ação criminal em que seu direito de defesa foi inviabilizado pela confusão entre a acusação e o órgão julgador.

Não importa o que os procuradores da Lava Jato, o juiz Sérgio Moro ou os defensores da Lava Jato digam. Qualquer solução que não seja a anulação das condenações de Lula no processo do Triplex e no do Sítio de Atibaia causarão uma situação ímpar. O STF é guardião da Constituição, mas aos Ministros daquele Tributal não foi conferido poder para reescrever o conteúdo dela para dizer que algumas regras constitucionais não se aplicam ao caso do ex-presidente petista.

A igualdade de todos perante a Lei é um princípio fundamental tanto do sistema legal brasileiro quanto do sistema legal internacional. Excluir Lula do universo das pessoas protegidas contra os abusos cometidos por Sérgio Moro não será apenas um vexame jurídico dentro do nosso país. Qualquer decisão do STF que considere válidos os atos nulos praticados pela Lava Jato terão inevitavelmente consequências na esfera diplomática, pois o ex-presidente petista está processando o Brasil no Comitê de Direitos Humanos da ONU.

Houve um tempo em que o Judiciário podia fazer qualquer coisa sem se expor à execração pública e internacional. Digo isso pensando especificamente na decisão do STF de autorizar a extradição de Olga Benário Prestes grávida para a Alemanha Nazista. Isso é obviamente coisa do passado. O juízo de exceção da Lava Jato chegou ao fim. Isso não pode deixar de ser reconhecido.

No Twitter, juristas e blogueiros estranharam o fato do Jornal Nacional não ter noticiado os fatos aqui referidos. O silêncio dos “canetas” do clã Marinho era previsível.

Sérgio Moro não apenas vazava informações para a imprensa como ajustava o timing de suas decisões de acordo com as necessidades jornalísticas da Rede Globo. Algumas vezes ele reforçava as teses levantadas pelos inimigos de Lula na imprensa. Em outras oportunidades o juiz lavajateiro proferiu decisões criando fatos novos para ajudar os jornalistas a desviar a atenção de questões relevantes em favor do ex-presidente que emergiam na imprensa.

No clímax da Lava Jato, Sérgio Moro não era apenas um juiz. Na verdade ele atuava como o editor de uma operação jornalística com repercussões processuais. O poder excepcional que ele exerceu não encontrava fundamento apenas nos limites da legislação. Isso explica tanto a inversão da pirâmide judiciária (durante um bom tempo as decisões de Moro eram tratadas como se fossem intocáveis pelas instâncias superiores) como o terrorismo que a Lava Jato chegou a utilizar contra os Ministros do STF quando o Tribunal começou a reconquistar sua competência de guardião da constituição em última instância. A partida foi definida quando Sérgio Moro ganhou um Ministério e perdeu o comando da Lava Jato.

A Rede Globo, entretanto, continuará a defender o editor de sua operação jornalística com repercussões processuais. A linha da casa deve ser preservada a qualquer custo. Mas essa regra que se aplica ao jornalismo não deve ter qualquer repercussão no julgamento em que a parcialidade de Sérgio Moro será debatida à luz das provas que vieram à luz.

Não deixa de ser irônico o fato da Lava Jato ter sido desmantelada por um hacker. De fato, os chats que se tornaram públicos provam inequivocamente que Sérgio Moro, Deltan Dellagnol e quadrilha limitada haviam hackeado o Sistema de Justiça brasileiro. Os diálogos entre os procuradores e entre eles e o juiz são escandalosos. Vagabundagem jurídica de primeira qualidade, aqui e ali salpicados de uma linguagem mais digna dos personagens de Plínio Marcos do que do debate no campo jurídico.

A Lava Jato começou como uma promessa de redenção nacional e terminou como uma pornochanchada banal. O procurador que dizia sentir tesão para excluir Lula da disputa eleitoral vai brochar sempre ver sua frase citada como um exemplo clássico de vulgaridade incompatível com o disposto no art. 21, da LEI N1.341, DE 30 DE JANEIRO DE 1951.

Art. 21. Os membros do Ministério Público da União dar-se-ão por suspeitos e, se não o fizerem, poderão como tal ser recusados por qualquer parte, nos casos e pela forma prevista nas leis processuais.”

No caso específico da Lava Jato e dos processos de Lula, os chats não comprovam apenas a parcialidade dos procuradores. Eles revelam que eles sentiam orgulho da parcialidade e a ostentavam como se não tivessem obrigação funcional de cumprir e fazer cumprir o dispositivo legal acima transcrito.

Karl Marx dizia que o capital não tinha pátria, que ele nunca poderia ser submetido pelo constrangimento da política, limitado pela ação do Estado ou disciplinado pelo Direito burguês. Os chats dos procuradores do MPF entre si e com Sérgio Moro comprovam a tese do infante terrível da filosofia alemã. Se não tivessem vindo a público, o resultado do marxismo jurídico cultural da Lava Jato (uma imensa pilha de processos nulos) nunca seria conhecido, nem poderia ser repelido pelo STF.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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