A (nova) República Velha, por Bruno Quintella

Decisões importantes e estratégicas de cada ministério parecem estar não apenas sob crivo prévio do presidente da República — mas também ao sabor de suas convicções pessoai

A (nova) República Velha

 por Bruno Quintella

‘Ministro faz tudo o que quer, menos o que o presidente não quer’. 

– Rodrigues Alves, presidente da República (1902-1906) 

A privatização da BR Distribuidora é um sinal — e não sintoma — de que a sociedade está distraída quando pensa estar vigilante. A reforma da Previdência ainda fará o corta-luz para outras questões importantes tratadas com menos atenção. Enquanto isso, ministros do governo Bolsonaro agem como assessores parlamentares. O presidente é apenas o poder moderador.  

O silêncio e falta de ação da PF — chefiada pelo ministro da Justiça Sergio Moro — sobre o sumiço de Fabricio Queiroz, o policial militar e ex-assessor do senador Flavio Bolsonaro, filho do presidente, contrasta com a rapidez e dedicação para identificar (e prender) os supostos hackers. Poderia aproveitar o mesmo vigor e conduzir coercitivamente o suspeito laranja — ou laranja suspeito — e esclarecer o caso.  

Francisco de Paula Rodrigues Alves, o primeiro presidente natural do estado de São Paulo eleito diretamente, escolheu o abolicionista Joaquim Nabuco como embaixador dos EUA em 1905. Hoje, a indicação do deputado federal Eduardo Bolsonaro pelo pai (o segundo paulista conduzido democraticamente à presidência) ao cargo diplomático somado ao respaldo de Ernesto Araújo faz refletir sobre o papel atual do ministério das Relações-Exteriores; Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos propôs a empresários que investissem numa fábrica de calcinhas – tal medida evitaria abusos sexuais contra meninas paraenses que não tem condições de comprá-las. 

Tereza Cristina, titular da Agricultura, liberou quase trezentos agrotóxicos em menos de oito meses de governo e milhões de abelhas mortas; Ricardo Salles, do Meio-Ambiente, finge não ver nem ouvir o atrito entre seu chefe e seu subordinado, o diretor do INPE — sobre a divulgação dos números sobre o desmatamento da Amazônia. 

Privatizar o ensino superior será opcional, de acordo com o ministro Abraham Weintraub. A gestão será por meio de organização social. Ou seja, num ambiente acadêmico onde professores serão contratados por CLT, será difícil prever como diversidade do pensamento e pluralidade cultural serão debatidas com garantias democráticas — porque não há diálogo sem liberdade. 

Osmar Terra, ministro da Cidadania, vetou a divulgação dos números do Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira simplesmente porque ‘não confia na pesquisa’. Terra também acredita que o maior problema do Brasil não é a fome, mas a obesidade. O discurso, assim como o de seus colegas, está alinhado ao do chefe. 

Decisões importantes e estratégicas de cada ministério parecem estar não apenas sob crivo prévio do presidente da República — mas também ao sabor de suas convicções pessoais. Medidas sem relevância como fim do horário de verão ou exportação de abacates ou nióbio desviam o foco e arrancam sorrisos amarelos de parte de seu eleitorado. 

Se no ano do centenário de morte de Rodrigues Alves, porém, não for possível reverenciar a memória de Joaquim Nabuco — que pelo menos a saúde de Oswaldo Cruz seja preservada. 

E não uma (nova) República Velha. 

 

Redação

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