Francisco Celso Calmon
Francisco Celso Calmon, analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral - E o PT com isso?; Combates Pela Democracia; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula.
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Autocrítica: paranoia ou mantra enviesado?, por Francisco Celso Calmon

Por que tanto interesse em cobrar autocritica do Lula e do PT? Qual a finalidade da autocritica? Para que serve? E a quem interessa?

Foto EBC

Autocrítica: paranoia ou mantra enviesado?

por Francisco Celso Calmon

Por que tanto interesse em cobrar autocritica do Lula e do PT?

Qual a finalidade da autocritica? Para que serve? E a quem interessa?

Qual o interesse de uma mídia golpista como a Globo em cobrar autocritica de Lula ou do PT? O Globo levou 49 anos para reconhecer o erro de ter apoiado o golpe de 64, e de nada adiantou, pois em 2016 estava de novo apoiando o golpe parlamentar-judicial. E no mesmo ano em que fez seu editorial, estava incitando segmentos da classe média à subversão da legalidade, com sugestivo impeachment à presidenta Dilma e a nova intervenção militar.

Nos protestos que eclodiram em junho de 2013, a Globo e afiliados foram alvo das manifestações em diversas cidades. Nelas, as palavras de ordem eram “A VERDADE É DURA, A GLOBO APOIOU A DITADURA” e “O POVO NÃO É BOBO, ABAIXO A REDE GLOBO”. Atos contra prédios da emissora foram registrados em todo o País. Premida por esses movimentos e querendo aproveitar deles para desestabilizar o governo Dilma, a Globo passou a manipular e impôs uma narrativa para fazer de objetivos difusos desses segmentos sociais um movimento de vetor desestabilizante do Estado democrático de direito e anti-PT.  Nesse contexto publicou a sua “autocrítica”. Abaixo o título do editorial e um parágrafo no qual entrega seus parceiros, em 02/09/2013.

“Apoio ao golpe de 64 foi um erro

[…]

A lembrança é sempre um incômodo para o jornal, mas não há como refutá-la. É História. O GLOBO, de fato, à época, concordou com a intervenção dos militares, ao lado de outros grandes jornais, como “O Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “Jornal do Brasil” e o “Correio da Manhã”, para citar apenas alguns.”

[…]

E encerra com a retórica frase:  “A democracia é um valor absoluto. E, quando em risco, ela só pode ser salva por si mesma.”

A Globo não tem compromisso fático com as palavras, pois apoiou um impeachment sem provas de improbidade praticada por Dilma, e serviu de apoio logístico, com vazamentos ilegais, à lava jato do ex-juiz Moro e seus áulicos do MPF.

É a mesma mídia, apontada por ela mesma no editorial, que está, como um mantra, a cobrar do Lula e do PT autocrítica. Se fossem esses os autores da cobrança, recorreríamos ao Brizola que ensinava, na dúvida fique em posição contrária à da Globo, pois ela é inimiga do povo e do Brasil. Ocorre que alguns do campo progressista embarcaram nessa toada.

Recente foi a vez ex-deputado federal Chico Alencar, não pela primeira vez, pela undécima, exatamente quando um preso político tem a primeira oportunidade de falar numa entrevista para a sociedade. E o faz bem, mas não querendo reconhecer por completo, faz coro à mídia e engrossa o mantra da autocrítica. 

“O que me chamou atenção, esse um aspecto negativo, foi que Lula não refletiu ou pelo menos não manifestou que fez reflexão nesse tempo enorme que está tendo para repensar tudo da vida, sobre os equívocos também cometidos quando foi presidente, a famosa autocrítica que muitos dizem que não deve ser feita nessa conjuntura porque pode levar água para o moinho do adversário”, comentou ele.

“Acho que a autocrítica sempre é boa em toda etapa da vida, na hora da vitória, do conforto, na hora da derrota, do sofrimento, e aí parece que a experiência foi só exitosa. Se tivesse só acertos, não haveria essa situação atual inclusive com a extrema-direita no poder”, completou o ex-deputado.

Qual a concepção de autocrítica tem o ex-deputado? “Na vitória, no conforto”, quais reconhecimentos de erros pode haver? Se teve vitória é porque houve acertos que levaram a ela, se está bem consigo próprio, também tem que reconhecer desacertos? E no sofrimento idem? Há algo de religioso, místico nessa concepção. Há embutido um sentido em perseguir a perfeição, sempre buscando encontrar e reconhecer os erros da imperfeição própria da humanidade e de seu processo social.

Fui da mesma época da JEC – Juventude Estudantil Católica – do Chico Alencar e do Frei Beto, este da direção nacional, eu da regional (Guanabara, Estado do Rio e Espirito Santo) e o xará fora de uma das equipes de base, nos anos de 1965/66, período no qual fui também presidente da AMES, entidade dos estudantes secundaristas do Rio.

Na Ação Católica aprendemos, incorporamos, divulgamos, um método chamado de revisão de vida, o qual consistia num tripé: Ver, Julgar, Agir. Ver significava levantar a realidade, julgar equivalia a diagnosticá-la à luz dos valores cristãos, e o agir tinha o sentido de fortalecer os acertos e corrigir os erros com ações de fermento na massa. Portanto, o Ver e Jugar para não serem diletantes e estéreis precisavam apontar para o futuro. E apontava para o futuro na perspectiva de ser cada vez um cristão melhor, num vetor perfeccionista-humanista, sem perder a humildade para não cair na arrogância, na prepotência e presunção de donos da verdade. Na JEC fiquei por longo período encarregado de ensinar a aplicação do método, não só na região que coordenava. Quando passei a militar e a dirigir organizações revolucionárias levei o método e adaptei-o como balanço crítico e autocrítico à luz da concepção materialista da história.

Autocrítica na política não pode ser entendida e exigida como purgação, ablução, nem como ato de contrição, de sentimento de arrependimento, de remorso, de culpa pelos pecados, cuja correção é a penitência, o flagelo (chicote utilizado pelos membros de algumas ordens religiosas para disciplinar o espirito mortificando a carne), mas reconhecer os erros através de propostas e ações diferentes daquelas consideradas como erradas, enfim, é tirar lições do passado, dos ensinamentos da história para o devir.

Será ingenuidade ou devoção ao flagelo querer que Lula ou o PT façam o mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa, para delírio e uso capcioso dos adversários de classe? E como seria, batendo no peito ou usando o chicote para golpear o dorso? Não está sendo produzida uma paranoia de perseguição? Quando não são os grilhões dos inimigos de classe, são os flagelos dos parceiros do mesmo campo democrático.

No teatro de operação da politica, cujo eixo é a luta de classes, (gostemos ou não), não cabe a purificação, a compunção, cabe corrigir os rumos, adotar outros caminhos. Não precisa fixar no Ver e Julgar, o que precisa ser examinado é se nas preposições presentes e futuras estão implícitas as correções, ou seja: se no novo AGIR está o aprendizado do pretérito e do geral da história.

Autocrítica para construir, não para demolir.

Quando Lula e o PT apontam não mais para a conciliação de classes; quando dão nomes aos principais adversários da democracia como a Globo; quando apontam a mobilização e as ruas como caminhos para enfrentar o protofascismo do governo e das instituições que o apoiam; quando reconhecem que não terem enfrentado como deviam a necessária democratização dos meios de comunicação foi um crasso erro; quando apontam os EUA como conquistador e explorador de riquezas alheias; quando assertivam que os amigos dos EUA são os EUA e que o Brasil não pode ser submisso, ter complexo de vira-lata, porque somos um grande povo e uma grande nação; enfim, aí reside a autocrítica, aí reside o aprendizado com a história para Agir no presente em construção do futuro.

Lula não é nem nunca foi candidato à santidade, e sim a lutador do povo brasileiro, e o faz até com sacrifício da sua liberdade.

Muito antes da autocritica dos governos Lula e Dilma, que beneficiaram 52 milhões de brasileiros, exigimos em nome da memória, da verdade e da justiça, que as elites façam autocrítica prática pelo etnocídio dos indígenas, do genocídio dos negros, pelas torturas, prisões políticas, estupros e assassinatos dos opositores ao Estado Novo, à ditadura  militar, com reparações a todos os sobreviventes e descendentes desses períodos traumáticos da história do Brasil, pedindo perdão e assumindo o compromisso de não mais repeti-los.

Numa próxima quadra democrática, o Brasil não poderá fraquejar em constituir uma plena, sólida e consistente Comissão da Verdade, que traga a lume as verdades desses longos períodos da vergonhosa história brasileira, bem como as do atual Estado Policial militarizado, de natureza ideológica protofascista, cujas graves violações aos DHs, à Constituição e a leis vigentes se acumulam diuturnamente, tendo como expressões desses crimes a morte de Dona Marisa, a execução miliciana de Marielle, o assassinado de Evaldo e Luciano pelos disparos de oitenta tiros pelo exército brasileiro, a prisão de Lula e tantas outras barbaridades que já atingiram os Sem terras e Sem tetos.

O 1º de maio deste ano foi de uma dupla comemoração: pelas lutas históricas de conquistas da classe trabalhadora e pela unidade nos atos promovidos por todas as Centrais contra a deforma da Previdência.

Vamos agarrar as novas mãos para não mais soltá-las, mesmo que os adversários e os divisionistas permaneçam em seu delírio persecutório a Lula e às Marielles.

As greves estão na pauta imediata, sejamos fermentos convergentes na massa para fazê-las acontecer com êxitos.

Francisco Celso Calmon é Advogado, Administrador, Coordenador do Fórum Memória, Verdade e Justiça do ES; autor do livro Combates pela Democracia (2012) e autor de artigos nos livros A Resistência ao Golpe de 2016 (2016) e Comentários a uma Sentença Anunciada: O Processo Lula (2017).

Francisco Celso Calmon

Francisco Celso Calmon, analista de TI, administrador, advogado, autor dos livros Sequestro Moral - E o PT com isso?; Combates Pela Democracia; coautor em Resistência ao Golpe de 2016 e em Uma Sentença Anunciada – o Processo Lula.

7 Comentários

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  1. A pauta da autocritica do PT e do Lula, isso ja tornou-se uma pauta, é fazer com que o PT e o Lula digam publicamente: erramos, somos corruptos; a elite estava certa em promover o golpe porque destruimos o Brasil. Grosso modo é isso. Em todo caso é isso que a sociedade em geral vai entender. Lula que não é burro não caiu nessa e, ao contrario, reafirmou sua inocência. O PT errou, como errou o PSDB, FHC, PMDB etc. A Imprensa que vive dando golpes em todos os sentidos que tem essa palavra, não faz quase nunca autocritica. Quando um Ouvidor de Jornal resolve fazê-la, ele é logo colocado de lado. Toda a oligarquia que diz conduzir esse Pais deveria fazer autocritica publica por ter apoiado bolsonaro. Mas não veremos Nação nenhuma.

  2. Excelente o artigo do autor Francisco Celso Calmon!!!
    Assino embaixo.
    Uma das poucas luzes a decifrar certos discursos demagógicos e outros perspicazes no intento à manutenção de elites poderosas a serviço de uma ressurreição escravista contemporânea e que nunca nos livramos de vez – dizimando líderes como Lula preso e povo sem direito a dignidade mínima.
    Apontou o verdadeiro conceito de auto crítica que num divisor de águas define o quão certos discursos evasivos em torno das palavras e por ignorância se prestam ao serviço do que hoje estamos vivendo. A barbárie no seu mais sofisticado rigor…

  3. esses golpístas infames é que deveriam
    fazer autocrítica e sairem do governo o quanto antes
    para o bem do país…

  4. Chico Alencar já fez a sua autocrítica pública por ir puxar o saco de Aécio Neves no aniversário do senador que propôs matar o próprio primo, para evitar ser delatado? Quem não viu Aécio propor ao Chico Alencar criarem juntos um partido da ética, contra a corrupção etc etc etc? e o Chico Alencar todo risos para o senador que só não está preso porque protegido do juiz Sérgio Moro (com quem costuma conversar de rosto colado)? Não é a toa que a sigla PSOL é conhecida como Partido Socialista de Lancheira! Essa pseudoesquerda é tão nociva quanto a direita xucra!

  5. O discurso da famigerada “auto crítica” fundamenta-se em diferentes motivações, a depender de quem é o locutor emissor.
    Para a GLOBO serve à ESTRATÉGIA de motivação à sua selecta audiência para emprestar cores de legitimidade à perseguição cruel que pratica contra seu inimigo político.
    Para o Chico Vigilante esse discurso serve para mitigar o ressentimento associado à sua própria irrelevância, em relação àqueles que se destacaram e ousaram lutar e ousaram vencer na ação política e, em consequência, tornaram-se alvos de denúncias, calúnias, capmanhas de difamação e perseguição criminosa empreendida pelo cartel das lalvanderias de dinheiro ilícito e sonegação de tributos constituído de empresas de comunicação que, por sua vez, obedecem aos seus controladores, integrantes do complexo de lavanderias e sonegação composto pelos grandes conglomerados de empresas do ramo da agiotagem financeira nacional e internacional.
    Nesse contexto, o papel da GLOBO se destaca para além dessa qualificação, por ser essa organização criminosa associada às principais quadrilhas dominantes nas instituições do judiciário e, principalmente, por ser, referida organização, fiel representate dos interesses estrangeiros no país. Condição evidenciada em sua formação, em 1965, a partir de uma negociata ilegal patrocinada pela Time Life e hoje comprovada pelo tratamento especial que recebeu do FBI nas investigações da corrupção na FIFA e na CBF. Tanto que, nesse processo foram investigados, denunciados, indiciados e/ou presos todos os operadores da GLOBO, mas, de forma inacreditável, mas perfeitamente compreensível, os chefes das quadrilhas que operavam nos esquemas de corrupção investigados não foram sequer citados ou investigados, em respeito aos interesses de Estado das organizações criminosas norte americanas.

  6. Excelente artigo

    E o LULA, na entrevista fez sua autocritica, não bater de frente com a Globo, então chega deste assunto de autocritica do PT

    Vamos cobrar a autocritica das elites

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