Odeio hipérboles, porque elas empobrecem o discurso, por Wilson Gomes

É preciso realmente comprar a hipérbole de que neste país está em curso um genocídio de negros para que a gente possa se posicionar contra a violência interminável contra pobres, pretos, moradores de favelas ou da periferia?

Odeio hipérboles, porque elas empobrecem o discurso

por Wilson Gomes

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Odeio hipérboles em questões políticas. Hipérbole é o exagero retórico (poupo a ida ao Google dos que não são do ramo, desta vez). Adoro hipérbole em tudo – no futebol, no mercado amoroso, nos encantos e desencantos do dia – mas não em política.

Não curto, por exemplo, essa história de “cultura do estupro” que certos feminismos adoram usar para explicar tudo, do odioso assédio verbal a uma propaganda de cerveja machista. Se tudo é já estupro, diante do estupro mesmo o que digo? Que é igual a uma cantada bruta, à propaganda misógina, ao machismo nosso de cada dia? Não é. Todo o conjunto é detestável, mas é importante salvar distinções. Não preciso aceitar a premissa de que todos os nossos ambientes sociais aderem aos e compartilham os significados e (des)valores envolvidos na violação de mulheres para me indignar com todas as notas da escala da violência contra mulheres. Estão erradas todas as escalas de intensidade do desrespeito contra a mulher, até a violência sexual e o assassinato. Não preciso elevar tudo à máxima potência para dizer que isso precisa urgentemente mudar.

Na mesma linha, me incomoda a história do Genocídio do Povo Negro. Aqui se juntam hipérbole e simplificação. A simplificação está no “povo negro”. Quer dizer que todas pessoas pretas formam um único povo? Por que? Existe também um povo branco ou esta classificação unitária é reservada apenas aos negros? Engraçado é que vejo pessoas de todos os matizes de pele, mas que se decidiram (ou foram decididas) “brancas”, reivindicando-se italianas, alemães, até portuguesas. Mas fazendo parte do Povo Branco, nunca vi. A Europa Ocidental deve ter por volta de 15 países, a África tem mais de 50, mas os descendentes dos cinco ou seis países europeus com presença marcante aqui são referidos a nações, enquanto os descendentes de africanos são todos de um mesmo povo. Um povo que não se reconhece na África nem em qualquer outro lugar, o Povo Negro. Adoro o racismo benevolente.

Depois vem a hipérbole: genocídio do Povo Negro. Genocídio é o assassinato em massa e deliberado com base em diferenças culturais, étnicas, nacionais, religiosas. Quer dizer que há um genocídio em curso no Brasil? Entendam bem: dados são dados e no Brasil quanto mais escura for a sua pele menores as chances de você chegar aos trinta anos. Um dia fui sequestrado e os sujeitos acharam que estavam sendo perseguidos pela polícia. Foi quando tremi, sabia que eu era o cara mais preto no carro e sabia que a semiótica básica da polícia me colocaria como sequestrador e não como sequestrado. Mas, genocídio? Quem é o genocida? Mesmo porque os policiais em questão quase certamente não seriam brancos. Os praticamente do genocídio seriam também negros ou seriam parte de um outro Povo? Nem vou entrar na questão sobre o fato de que parecer pobre neste país e ser negro são conceitos que se confundem. Mas, me digam uma coisa, é preciso realmente comprar a hipérbole de que neste país está em curso um genocídio de negros para que a gente possa se posicionar contra a violência interminável contra pobres, pretos, moradores de favelas ou da periferia (todos conceitos convergentes)? Se não for genocídio, então, não nos importaremos?

Odeio hipérboles, porque elas empobrecem o discurso, achatam as diferenças e supõem que sejamos brutos insensíveis que só saltam da cadeira quando o sangue chega ao meio das nossas canelas.

#tbt 14/8/2014

Redação

6 Comentários

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  1. Bom, para mim existe um genocídio ou massacre das pessoas pobres, negras e mestiças neste país. Afirmar que o genocídio da população negra no Brasil é exagero… Dê um giro pelo país.

    Significado de Genocídio
    substantivo masculino
    Extermínio que, feito de maneira deliberada, aniquila (mata) uma comunidade, um grupo étnico ou religioso, uma cultura e/ou civilização etc.: o genocídio dos índios das Américas.
    Massacre que atinge um grande número de pessoas (populações ou povos).
    Ação de aniquilar grupos humanos através da utilização de diferentes formas de extermínio como: a pobreza ou a fome em certas regiões do mundo; sequestro permanente de crianças e refugiados etc.

    1. Esse é o famoso isentão: para falar (mal) da direita, paga pedágio falando mal do Lula e do que ele chama de “esquerdista tatuado”, uma boutade idiota que ele deve ter inventado para ver se pegava, como é de praxe nos isentões.

      TRECHOS DE COMENTÁRIOS SEUS NO FACEBOOK:

      “Pelo menos alguém aprendeu com o brutal erro de Lula em 2018, que achou que o petismo tinha força o bastante para enfrentar o antipetismo. Só ele e os petistas tatuados acreditaram nessa fantasia, e assim Haddad foi parar embaixo do machado de Bolsonaro

      Esquerdistas tatuados têm sérios problemas de negociação com a realidade. ‘Não, não há problema no Brasil, no governo ou no PT, é que ver muita tevê põe brumas no nosso sentido, ler Veja alucina o nosso olhar’. Esquerdistas tatuados têm que odiar a mídia – de coração, com entrega, inteiramente. Esquerdistas tatuados acha que o povo é parvo e vulnerável e que a grande mídia e a elite dominante lhe induz a pensar coisas ruins da esquerda e a tomar más decisões. A não ser que a esquerda tatuada tome providências para “desmascarar” a elite e o seu braço armado, a mídia. Esquerdistas tatuados acham que a História do Brasil só teve duas fases – “a época deles”, quando tudo demorava em ser tão ruim – e “agora”. Esquerdistas tatuados não toleram hesitação, ceticismo, distinções – quem não está conosco, tatuado e pintado para a guerra, está certamente contra nós.

    2. Desculpe, mas se está em curso um genocídio de negros no Brasil, como você explica que todo recenseamento afirma que a população negra vem crescendo?

      Se houve no passado um genocídio da população indígena no Brasil, como você explica que tantos brasileiros sejam caboclos? Se o propósito dos colonos portugueses era promover um genocídio de índios, então fizeram um serviço muito mal feito. Hitler com certeza lhes daria um zero. Os colonos nunca tiveram a intenção de exterminar a população indígena, mas de usa-la como força de trabalho. Paulatinamente os índios abandonaram a vida tribal e se misturaram aos colonos, ou seja, foram “exterminados” no sentido antropológico, e não no biológico.

      Os negros são vítimas de assassinatos porque em geral são pobres e vivem em locais de alta criminalidade. São mortos por balas perdidas, ações criminosas ou guerras entre quadrilhas, não por obra de um plano elaborado por racistas brancos para exterminá-los, isso é fantasia.

  2. Essa bosta de texto (isso não é uma hipérbole) é o resultado dessa formação culturalista e particularista que se tornou uma espécie de “moda” entre segmentos da juventude.

    Esse texto é a prova de que o método de análise da economia política é infinitamente superior ao culturalismo em profundidade, precisão, relevância e abrangêcia.

    Vá ler Marx e aprenda o que é o estado, aí talvez isso te esclareça uma ou duas coisas.

  3. O que fazer,se não existe outra referência identitária de um conjunto social que não seja a cor de sua pele?
    O racismo no Brasil é complexo. Há negros que não se sentem negros ou que não se identificam com seus semelhantes, ou ainda, são cooptados pelas forças hegemônicas para servirem de “capitão do mato” ou de “escrava de casa”, usufruindo de alguns mínimos privilégios em relação aos demais. Não seria portanto, uma hipérbole, chamar de “racismo benevolente” o uso de um termo generalizante preferido por conferir identidade às vítimas (e não ao algozes e seus colaboradores dissidentes) da violência institucional direcionada e preferencial? Não que aquilo que define o negro seja sua vitimização mas, em verdade, a identidade do “povo negro” vai muito além de sua pele ou de seu sofrimento. Existe sim, uma identidade construída a partir das raízes africanas que se mostra capaz de extrapolar até mesmo a cor da pele. Mais do que ser negro, é a “negritude” de sua identidade que potencializa a violência contra o indivíduo por parte do sistema. Esta negritude é algo que pode ser palpável, visível ou somente intuído. Mas, existe. E serve de referência – positiva ou negativa – a todos os agentes sociais. Até mesmo para recusá-la, é preciso admitir que esta existe. E pode ser identificada obviamente, pela cor da pele, pela situação social quase homogênea, mas também pelo falar, pela religião, pela atitude, pela musicalidade ou qualquer subjetividade que permita tal percepção.
    O autor tem razão em partes: ser negro é muito pouco pra se definir alguém. Mas, quem disse que os que discriminam estão interessados em definições mais profundas? Se a perseguição e o tratamento diferenciado é dirigido horizontalmente a todos de pele escura, ou com algum nível de identificação com este corte social como não falar em genocídio de negros?

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