Qual é o valor da militância? Ou, quem corre por gosto, não cansa, por Rogerio Maestri

Qual é o valor da militância? Ou, quem corre por gosto, não cansa

por Rogerio Maestri

O sábio provérbio português, “Quem corre por gosto, não cansa”, responde à pergunta da frase. Qual é o valor da militância?

Pois estou falando de algo que muitas vezes é esquecido pelos governos de esquerda quando os mesmos estão no poder, o valor que tem uma militância engajada pelas convicções e não pelos lucros e recompensas financeiras que podem advir da ocupação de cargos no poder.

Explico melhor. Ao tentar ler o denso texto escrito pelo Professor Euclides André Mance, professor de Lógica, Filosofia da Ciência e mais meia página de denominações honoríficas que são escondidas na última página do excelente trabalho denominado “Falácias de Moro: Análise Lógica da Sentença Condenatória de Luiz Inácio Lula da Silva”, não consegui numa única sentada cobrir as brilhantes 276 páginas, porque as quatro horas da manhã o sono me venceu. Fui vencido pelo sono não por deficiências do texto, mas exatamente ao contrário, pela beleza do texto que cobre com maestria uma análise lógica de todas as falácias da sentença condenatória escrita pelo juiz Moro.

Em suas 276 páginas, o autor nos dá uma inestimável aula de lógica de análise crítica de um discurso, mostrando vários de erros lógicos cometidos pelo Juiz Sérgio Moro, no seu ímpeto condenatório contra o Presidente Lula. Porém a descrição do texto não procurarei fazer uma resenha e nem mesmo um mero resumo, pois certamente tanto um como o outro não farão jus ao texto. Mas sim farei um julgamento do valor deste trabalho, um valor intangível que pode ser comparado com o valor monetário do trabalho de técnicos de Marketing político, que em termos comparado em termos do valor deste que podemos dizer que é enorme em termos de recursos financeiros e negativo em termos de resultado político.

Quanto custou em termos econômicos o trabalho do Professor Euclides Mance, não sei e provavelmente nem o autor saberia quantificar. Porém, por outro lado, os trabalhos dos profissionais de Marketing político que foram contratados nas campanhas do PT, quando este partido já estava no poder, parece algo que pode ser quantificado em termos monetários.

E aí que vem o cerne do problema, o valor da militância em contraposição ao valor de serviços profissionais, e talvez esteja aí todo o erro de estratégia da direção, burocratizada ou não do PT, após a chegada de Lula a presidência da república.

Para não ficar no PT como o exemplo vou regredir ainda mais no tempo, vou falar na campanha de 1978 para deputados estaduais, onde ainda havia o MDB e a Arena disputando os cargos, pois naquelas eleições o deputado mais eleito foi o Professor José Fogaça. Quem era na época José Fogaça? E como ele conseguiu ser o deputado mais votado contra a poderosa e bem nutrida de recursos Arena?

Pois bem, José Fogaça era um professor de cursinho pré-vestibular, que dentro da política repressiva do sistema na época da vigente ditadura militar, apresentava na época uma imagem descolada e aparentemente contestatória que na verdade ninguém se sabia se ele era de esquerda ou não, pois esboçar um discurso claro de esquerda era uma temeridade que poderia ser punida com cadeia ou mesmo tortura.

Lembro que de 1976 até 1984 a única propaganda permitida na TV era regida pela bizarra e ultra autoritária Lei Falcão. Esta lei permitia somente que uma foto estática, sem música e sem movimento, fosse apresentada na TV com um currículo do candidato que era lido por um estéril narrador.

Além de sua atividade de ensino, limitada a professor de cursinho o Professor Fogaça era conhecida por sua. Já conhecida regionalmente milonga estilizada. Vento Negro, composta em 1971 que terminou sendo a primeira e última música famosa do compositor político José Fogaça.

Não falarei mais na figura do Fogaça, pois com o tempo a pouca fala do mesmo que durante a ditadura era confundida com um pudor e medo de mostrar o que ele realmente pensava, foi com o tempo e com sua evolução política ficando patente que o sua imagem política era como a sua Música, meio indecifrável onde as pessoas preenchiam as lacunas com o que sentiam e que se tornou única e realmente mais preenchida de ambições de uma geração amordaçada (ele escreve um livro, posteriormente com este título) que muitas vezes tirada a mordaça aparece o que não gostamos.

Porém o mais importante é falar da militância que fez a campanha de Fogaça, simplesmente jovens universitários de centro, que na época da ditadura já era um grande avanço, que na falta de algo melhor simplesmente começaram a escrever com o tradicional giz nos postes de Porto Alegre o nome Fogaça, isto foi feito não em dezenas e nem em centenas, mas nos milhares de postes da cidade.

Numa época bicuda, em que uma esquerda simplesmente ou estava na clandestinidade, ou presa ou ainda exilada, a simples “ousadia” de escrever com um giz nos postes da cidade era um ato revolucionário (dá quase vontade de chorar de tão pueril que eram as coisas), pois com este simples ato voluntário de centenas de militantes (não há uma palavra mais leve para quem escrevia nos postes) o nome de Fogaça foi relembrado e ele se elegeu com aproximadamente 60.000 votos.

Comparar em termos absolutos a militância dos jovens meninas e rapazes que escreveram nos postes uma palavra com o excelente trabalho do Professor Mance é quase uma covardia, assim como comparar um expoente da política nacional que é o Presidente Lula com um legítimo representante de uma geração de medíocres políticos gaúchos (atenção, extensível desde a direita a esquerda) é mais que uma covardia, é um massacre. Porém o importante a destacar que de forma anacrônica não podemos julgar as duas militâncias, entretanto o âmago da palavra militância é conservada na analogia dos dois casos, voluntária, desinteressada e baseada na própria visão de mundo.

O que deve também ser guardado pela esquerda brasileira, que por mais recursos financeiros que tenham para uma campanha eleitoral, nunca, principalmente durante o mandato, esqueçam que a sua base deve ser considerada, ouvida e respeitada acima de tudo, pois da interação continuada entre a base e a burocracia governante é que faça que a base continue sempre aliada ao comando partidário e a burocracia estatal não se torne uma burocracia no sentido perverso desta palavra.

Redação

13 Comentários

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  1. Professor Maestri, do

    Professor Maestri, do IPH/UFRGS? Aquele do “Fora Bonin e Maestri” no muro da Escola de Engenharia Nova?

     

      1. Claro que fazia parte do rolo, mas do lado do CEUE.

        Eu em 1974 fui presidente do CEUE, e conheço muito bem a história daqueles que me seguiram, principalmente na década de 90. Mas deixa para lá, isto é outro assunto.

    1. Exatamente o próprio, e o motivo fica claro nos dias atuais.

      O que tanto EU (Maestri) como o Bonin estávamos querendo fazer era evitar que alunos de engenharia do primeiro e segundo ano se tornassem mão de obra barata para as empresas de engenharia, pois um aluno de primeiro e segundo ano, praticamente não tem disciplinas profissionalizantes, estudam matemática, física, química e outras disciplinas básicas e as empresas utilizam estagiários deste tipo para funções de motorista, operador de máquina Xerox ou fazedores de café.

      Lembro que este fato foi anterior a lei que regulamenta o estágio que só entrou em vigor em 25/09/2008 (LEI Nº 11.788 DE 25/09/2008), pois com esta lei fica obrigatório a concessão de férias, limita o número de estagiários por empresa, limita o tempo de estágio e mais um número grande de coisas que nos dias atuais não favorece a contratação de estagiários para serviços diversos.

      Na época haviam estagiários que trabalhavam mais de cinco anos em tempo integral em empresas, nunca conseguiam terminar o curso e continuavam décadas ganhando menos que o salário mínimo (alguns oito anos!!!!).

      Ou seja, o MAESTRI foi pichado no muro por ir contra a precarização do trabalho e foi atacado pelo Centro acadêmico de “centro-esquerda (???)” da época. Espero que não fizeste parte dos rapazes que não entenderam o que queríamos.

      1. precarização

        “…pichado no muro por ir contra a precarização do trabalho…”

        A precarização já no começo da década de 70. Confesso que não fazia idéia.

         

        1. A precarização do trabalho tem várias facetas.

          Todos acham e sabem que a economia alemão é a mais forte e que tem menor desemprego, mas tudo isto foi feito a custa da precarização do trabalho e o que ninguém fala é que a economia alemã é a que produziu e restou com a maior quantidade de POBRES nos últimos anos, ou seja, tem baixo iíndice de desemprego, mas a maior quantidade destes empregos é de pessoas em tempo PARCIAL, ou seja, pessoas que trabalham 10 horas por semana ou menos e recebem proporcional a este período.

          Em resumo, na Alemanha se institucionalizou o bico e não o trabalho.

  2. Só peço desculpas aos leitores pelos inúmeros erros de pontuação

    Como não me dei o trabalho de revisar o artigo com cuidado (mais preguiça do que outra coisa), ao lê-lo mais uma vez percebi que há inúmeros erros de pontuação. Por isto peço que os leitores não me absolvam por tal ato, mas que tenham paciência.

  3. Patrocinadores do Comissário Rui, Entenderam Maestri?

    O escancarado mais que óbvio, que internistas comandados nesse tempo pelo comissário Rui Falcão (que com Gleise eleita parece ainda tocar operacionalmente o partido) menosprezam, insistindo em ‘isola-la’ e distancia-la do aparelho orgânico em que transformaram o partido. Corpo sem sangue é corpo inerte.

    Aqui em São Paulo, em 2004, com abundância disponível à campanha, o ‘cisma’ aconteceu na da reeleição de Marta, quando  importaram esse marqueteiro delator e a militância foi antecipadamente afastada no planejamento da campanha, com a conversa que agora deixaria de ser amadora e passaria a ser profissional, como nos ‘States’.

    E assim fizeram, trazendo e remunerando alto os tais profissionais, que entupiram a cidade de kombis e de pessoas remuneradas para agitarem bandeiras em esquinas, uniformizados com formas estilizadas das marcas históricas do partido, como jamais visto em qualquer outra de nossas campanhas em qualquer lugar do Brasil, com a militância sendo mantida a distância e convocada apenas para aplaudir em eventos gelados hiper-produzidos e votar.

    Não deu outra, Marta não se reelege, perdendo para o futuro Zé Bolinha, hoje conhecido como ‘Careca’. 

    Começava aí a ‘separação’, a distância perigosa, entre a militância e a parte orgânica do partido, transformada em aparelho partidário para satisfação dos internistas, chegando ao suprassumo em 2015, com a ‘separação’ agora, do governo da eleita Dilma com o aparelho partidário internista, e, por tabela, com a militância do partido que com sangue, suór, lágrimas e a participação  fundamental e inestimável de toda as esquerda (salvo exceções ‘ortodoxas’ até no câncer), conseguiram garantir a reeleição de Dilma, derrotando Aécio, exatamente para evitar que o programa desse fosse vitorioso, o que parece não ter sido entendido pela eleita e seus novos conselheiros: Zé Cardozo, Mercadante, Pepe Vargas, Miguel Rossetto e Giles de Azevedo.

    Ói nóis aqui traveis, pela simples razão que o PT ‘somos nós’ e continua sendo ‘nossa voz’, entendeu comissário Rui? 

    1. só tem cabo eleitoral..

      O PT tornou-se um partido de cabos eleitorais..

      Há meses tento implantar uma rede de filiados, com alta capilaridade na periferia, exclusivo para a setorial ct&ti de São Paulo, um projeto óbvio, aceito pela maioria dos militantes, mas não vai.. sempre tem uma reunião com alguém que “não deu tempo de fazer”, o fato é que o projeto não sai do papel: me parece claro que o que tem dentro do PT hoje são cabos eleitorais reservando posições.. o país se acabando e os caras se lixando.

      Tenho a impressão de que a revolução precisa acontecer primeiro dentro do PT.

      1. Sacudir a Poeira e Dar a Volta por Cima

        Enquanto não acabarmos com o internismo e o aparelho em que transformaram o partido organicamente, não haverá solução, pois não retomaremos a integração partido orgânico e militância, que o torna forte e ímpar, ao mesmo tempo que não permite que sujeitos, oportunistas, paraquedistas e alpinistas, da política, chegados a acomodação, acomodem-se conforme interesses próprios ou de grupelhos, e não do partido que ‘somos nós’, orgânicos ou não.  

        A militância, filiada ou não, tem que entender que precisa não apenas sustentar a existência ideal  e eleitoral do partido como vem fazendo, desde 2005, quando os orgânicos escafederam-se todos e o partido virou saco de pancadas, sem a menor reação orgânica, restando a militância inorgânica segurar o rojão na planície, enquanto escondiam-se eles todos no planalto, salvas honrosas e reduzidas exceções de sempre, e tomar democraticamente, com participação e pressão, queiram ou não, o PT novamente para si.   

        Não é impressão, de fato necessário é a revolução acontecer primeiro dentro do PT, de baixo para cima.

        PS: Esperar que os atuais internistas levem qualquer coisa que areje e conecte o partido e os coloque em risco, para frente, é chover no molhado.

        1. No auge das críticas contra a Dilma, eu coloquei minha cara…..

          No auge das críticas contra a Dilma, eu coloquei minha cara para bater, isto que não sou filiado ao PT e nem ocupei jamais nenhum cargo. Porém muito dos militontos aproveitaram para somente criticar o governo e fazer coro com a direita.

          Neste ponto o Rui do PCO tem razão, o PT transformou-se num partido legislativo em que o que interessava eram os discursos nos órgão parlamentares.

    2. Caro Francisco, não fui direto na canela, mas concordo…..

      Sem desfigurar o texto, fico mais livre aqui para fazer outros comentários.

      Há pouco terminei de ler o primeiro livro da biografia de Stalin feita por Stephen Kotkin, que é um professor universitário de direita norte-americano que tem um mérito, simplesmente ele descreve passo a passo toda a trajetória de Stalin chegando no primeiro volume e mostra claramente que foi Lenin que indicou e apoiou Stalin para Secretário Geral sendo eleito por 193 votos contra 16. Na época Trotsky tinha mais de 15 aliados no Comitê Central, porém pelo visto não havia muito interesse para o cargo que era considerado simplesmente “burocrático”, e tanto Trotsky como outros teóricos não se interessaram muito pelo cargo.

      O que quero dizer que muitas vezes postos chaves e importantes não interessam a muitos porque dá muito trabalho! E se deixa para qualquer um que seja esforçado e trabalhador, sem achar que suas convicções e articulações pessoais são importantes. Deu no que deu, e dá no que dá.

      Uma máquina partidária dá imenso trabalho, e quando a base de tudo são os próprios militantes a tendência é de se multiplicar por dez o trabalho, logo fica mais fácil muitas vezes trabalhar com “militância” paga do que com a legítima militância, pois na primeira tu mandas e na segunda tu discutes.

  4. Maestri concordo com sua fala

    Maestri concordo com sua fala e lembro muito bem quando ainda se cumpria as tarefas necessárias de rodar no mimiógrafo até altas madrugadas o material para panfletagem, pixação e etc e tal. Sobretudo, rodar pra cima e pra baixo de aparelho em aparelho, transportando mercadoria e pessoal. A troco exclusivamente da conciência e convicção de estar fazendo o que deveria ser feito. Ponto

    Haveremos de concordar, que essa guerra da lógica da buifunfa, em boa parte foi perdida pela esquerda. Primeiro, por certo preconceito ao labutar com dinheiro. Até os dias de hoje, dificilmente vosmecê encontrará um cabra de esquerda, não me refiro focando o PT . Que por exemplo, recebendo uma boa proposta em dinheiro vivo, venda a própria mãe. Estes caras, da esquerda, são ainda muito antiquados e cheios de preconceitos com o mundo globalizado dos negócios e das transações comerciais.

    O diabo é que alguns petistas mais moderninhos. Os mais babaquaras, logo aderiram e avançaram na tal profissionalização e, deram com os burros n’água. Não desconsidere, o safado do infiltrado Palocci. Aquilo foi uma arapuca pra pegar exclusivamente noviço petista nos afazeres da política.

    Um marmanjo forjado na esquerda não cairia tão facilmente numa esparrela daquela. Ou seja, a isca atirada para os peixes do PT tinha anzol visível por debaixo do petisco. Veja se fisgaram algum roubalo gordo do tucanato?

    Até ontem, o roubalão FHC navegava em mar de brigadeiro e cagando-regra, fazendo discurso moralista pros jornalões de aluguel. Até traficante de cocaína tucano, flagrado, no transporte de pacotes de “pasta” via aérea em veículo de asa móvel, tá livre e solto. Nem a mercadoria foi a leilão. Teriam cheirado aquilo tudo em família? Eu hem?…

    Orlando

    PS. Por favor, parte das consideraçães contidas no texto são meros deboches com a turma mercadista da deusa bufunfa.

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