Raposas gerem o galinheiro, por Thiago Antônio de Oliveira Sá

Sem dúvida, o patrimonialismo é universal. O que caracteriza sua manifestação no Brasil é a absoluta falta de controles institucionais a esta circulação de agentes entre o público o privado.

Raposas gerem o galinheiro

por Thiago Antônio de Oliveira Sá

Remonta às nossas origens históricas nosso apego às relações primárias e familiares e nosso desprezo pelos vínculos formais e regras impessoais. Buscamos sempre contornar a lei, mas exigimos que nossos adversários a cumpram inapelavelmente. No Brasil, não queremos ser cidadãos. Queremos ser filhos de fulano. Não admitimos o tratamento indiferenciado, como indivíduos; queremos ser reconhecidos como pessoas.

O patrimonialismo, isto é, a apropriação privada dos recursos do Estado e sua conversão em aparelho a serviço de interesses pessoais, encontram terreno fértil no Brasil. O público é um anexo do privado. Não vemos problemas em nepotismos e nem na colonização de cargos públicos estratégicos por grupos diretamente interessados. A perícia cede lugar à malícia.

Vejamos na prática tal corrosão institucional: obscurantistas e mal educados como ministros da Educação; um ecocida que passa sua boiada sobre o meio ambiente; uma ruralista à frente da agricultura nos envenena com seus mais de 500 agrotóxicos legalizados; uma evangélica fundamentalista cuida das mulheres e demais minorias com seu machismo e sua obsessão com a sexualidade alheia. Não nos esqueçamos do primeiro ministro da Saúde, lobista dos planos privados, a estender sua mão visível sobre o SUS. Um emissário do mercado financeiro dirige o ministério da economia. Um maluco, pária orgulhoso e antiglobalista (seja lá o que isso for), faz do Brasil vexame internacional nas relações exteriores. Um racista à frente da Fundação Palmares. Polícia federal convertida em guarda-costas particular da presidência e de seus filhos. A Procuradoria Geral da República a livrar a cara do empreendedor das rachadinhas. Um militar na Saúde dispensa maiores explicações.

Agora mais esta: a independência do Banco Central. Significa que ele não deve ser mais passível de intervenções públicas, às quais respondem aos interesses econômicos dos cidadãos. Agora, passa às mãos de banqueiros. A diretoria do time escalou o juiz da partida.

Aliás, falando em juízes que têm lado, vejam-se os novos vazamentos das tramóias nada republicanas de Moro, Dallagnol e seus comparsas. Absurdo, mas não surpreendente: a velha conversão das instâncias judiciais em arma de grupos dominantes. Para perseguição de adversários, para inviabilizar suas candidaturas em favor de outros e, assim, cavar-se uma vaga num ministério que seria trampolim para outra, no STF. Só no Brasil, mesmo.

Sem dúvida, o patrimonialismo é universal. O que caracteriza sua manifestação no Brasil é a absoluta falta de controles institucionais a esta circulação de agentes entre o público o privado. Um estamento privilegiado ocupa livremente postos estratégicos, sem qualquer mediação pública, sem quaisquer dispositivos legais a prevenir conflito de interesses. A especificidade brasileira é esta acomodação descarada de contradições nas entranhas estatais. O Brasil reafirma suas raízes, sua vocação colonial e sua sina de ser um negócio. Por aqui, é natural – e sempre foi – raposas gerirem o galinheiro.

Thiago Antônio de Oliveira Sá é sociólogo, professor e doutor em Sociologia.

Redação

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