Saudação às Caravelas, por Jean Pierre Chauvin

Saudação às Caravelas, por Jean Pierre Chauvin

Saudações, estrangeiros em sua própria terra! *

[Compartilhada com Júlio Clímaco]

 

Desembarque de seu carro grande, financiado em setenta e duas suaves prestações; amarre os coturnos, aprochegue. Isso, isso… Uma pausa para comentar amenidades, antes da luta em frente ao prédio da FIESP. Descanse a bandeira do território Brasil/Banana ao lado da poltrona que quiser. Estará confortável? Porventura aceitaria um café? Sim, sim. For Export, que é o melhor produto nacional. Tudo a ver com os eventos que estamos a assistir, uns mais emudecidos que outros.

Cogitei falar sobre alguma arbritariedade seletiva na “aplicação” das leis (que, segundo alardeia o senso-comum, “é para todos”), mas repensei. Dirão que sou parcial, lulista e que por ter emprego relativamente estável, na universidade, estaria a reclamar “de barriga cheia”. Talvez proclamem: “deixe lá de ideologia! não temos nada que ver com o que os peixes grandes** discutem”.

Ah, bem, decerto estamos a tratar de coisas diferentes, sob ângulos diversos. Ah, perdoe-me. Sooei ofensivo? “O senhor mire veja”***, é que sou ingênuo e compartilho diversas autocríticas. Sim, sabem como é: há que se aprimorar a capacidade de fazer autoexame. Ah, pois não. O assunto já “deu o que falar”.  Bem, bem. Discutamos outra coisa. Que tal futebol? Ou melhor, aquele jogador brasileiro que apoiou a outra chapa — entreguista, privatista, neo-liberal, tão ou mais corrupta e baixa que os acusados da hora.

Prescreveu. Sim. Este é o verbo mais recorrente, quando se trata dos azuis e amarelos. Por que isso não acontece com o que sobrou da esquerda? Ah, bem, você sabe. A história é a a”lternância de poderes”. Deve ser a tal democracia, não? Isso talvez explique a permanência do reinado das aves em São Paulo — terra dos antigos barões de café e dos atuais gestores da máquina pública em favor de seus amigos.

Deseja mudar de assunto? Mas é claro. Sobre o que quer dissertar? Ah, o grande mal é a corrupção. Pois é. Mas, se me permite, data venia, uma reconsideração: diga lá por que os autoproclamados “homens de bem” mentem o tempo todo e se dizem contra o que eles também fazem, sob o manto da jurisprudência? Por que dizem defender o país, se fazem tudo pelos Estados Unidos? 

Será o desejo de resgatar a patriótica definição maior de quintal da América Lat(r)ina, “Estados Unidos do Brasil”, como se dizia na República Velha? E eu sou lá profissional, para receber o nome análogo à liga de basquete (NBB)? Ah, bem. Precisa partir. Entendo quase perfeitamente. O senhor, que é homem esclarecido e acima da miséria, não vê saída? Ah, bem, ao menos reparou quando entramos na epopeia ridícula que vigora?

Adeus, ao diabo. Desculpe-me, se declino do honroso convite de visitar os seus sponsors, acomodados nas caravelas****. Sabe como é: não dou fé a quem defende a colônia frente à “ameaça” comunista, em nome de um “bem” que só colabora na concentração de renda, assimetria social e desigualdade no tratamento das gentes.

Ah, “fora todos”, né? Bem, bem. Porventura Vossa Senhoria resista àquele empreendimento de viajar para Miami. Diz-me para ir, mas parte primeiro. Entendo. Tem pressa de ver o país de mais alto e longe. “Miami” ou me deixe, será? Trocadilho infame, o senhor releve: tentei ser agudo, mas transmiti arrogância.

Perdão, perdão. A partir de hoje, prometo: não posto nada sobre política. Não visto vermelho. Não defendo a democracia. Não acharei que os senhores agem com parcialidade. Não, não, não. Assim reaprenderei a encontrar brechas, com a fé cega na justiça, a crença resignante na divindade que me recomendar, sabedor de que a única saída é a manutenção da ordem.

Do progresso, of course, nem preciso falar. Até a selic baixou.

 

*Alusão a Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda.

**Alusão ao Sermão de Santo Antônio aos Peixes” (1654), de Antônio Vieira.

***Alusão a Grande Sertão: Veredas (1956), de João Guimarães Rosa.

****Alusão à Carta (1500), de Pero Vaz de Caminha. 

Redação

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