Netanyahu, o braço de Javé no genocídio dos palestinos em Gaza, por Ruben Rosenthal

Os soldados e colonos israelenses bloquearam o acesso dos aldeões, e usaram retroescavadeiras para arrancar pela raiz, oliveiras centenárias.

Benjamin Netanyahu recorre à Biblia para ganhar apoio contra o Hamas\Foto ilustração: Salon/Getty Images

do blog Chacoalhando

Netanyahu, o braço de Javé no genocídio dos palestinos em Gaza

por Ruben Rosenthal

O primeiro-ministro recorre a passagens bíblicas para garantir a continuidade do apoio dos supremacistas judeus e dos cristãos evangélicos estadunidenses de direita, em seu confronto com o Hamas. 

Em 28 de outubro, ao anunciar a segunda fase da guerra em Gaza, Netanyahu dirigiu uma advertência aos israelenses judeus: “Se lembrem do que Amaleque fez”. Para muitos não judeus, ou mesmo para judeus com pouco conhecimento da Bíblia, a citação é obscura e incompreensível.

Para entender o significado da fala de Netanyahu é necessário recorrer às “sagradas escrituras”, algo que uma busca no Google resolve em um piscar de olhos. Entretanto, quais foram as reais intenções do primeiro-ministro israelense ao citar Amaleque?

Consta na Bíblia que, quando estavam a caminho da Terra Prometida, os israelitas foram atacados por guerreiros amalequitas. Ainda segundo o Velho Testamento, Javé ordenou a Moisés que exterminasse o povo de Amaleque, e que apagasse sua memória da face da Terra. Coube ao rei Saul, concluir essa tarefa, mas Agag, o rei amalequita, foi poupado na ocasião, contrariando a determinação de Javé.

Samuel cumpriu a vontade de Deus, eliminando Agag. Para punir Saul pela desobediência, Javé colocou a David no trono unificado de Israel e Judá (Samuel 15:11).

Mas, mesmo tendo sido exterminado, o povo de Amaleque permanece em espírito, a atormentar Israel. Consta em Exodus 17:16: “por Seu trono, o Senhor fará guerra contra os amalequitas, de geração a geração”. Os rabinos ensinam que sucessivas gerações de judeus foram forçadas a enfrentar recorrentes manifestações corpóreas do espírito malevolente de Amaleque, como Nabucodonosor, os Cruzados, Torquemada, Hitler e Stalin.

Recentemente, o espírito maligno voltou a se manifestar na forma do programa nuclear do Irã. Um assessor próximo a Netanyahu associou Amaleque ao risco existencial a Israel que um arsenal atômico iraniano traria. Após o ataque do Hamas de 7 de outubro, Netanyahu fez uso da mesma figura de retórica, para justificar a limpeza étnica e o genocídio do povo palestino que está colocando em marcha.

Em outra de suas falas, Netanyahu citou o herói bíblico Josué, que liderou a conquista de Canaã. Só que a terra prometida por Javé aos judeus já era habitada por outros povos naqueles tempos bíblicos. E Deus disse aos israelitas que não tinha problema matar, roubar e saquear nessa conquista.

Conforme o Livro de Josué 6:21, homens e mulheres, jovens e velhos de Canaã foram mortos pela lâmina da espada. E consta em Deuteronômio 6:10-12: “quando Javé, teu Deus, te fizer entrar na Terra Prometida a teus pais, Abraão, Isaque e Jacó, terra com grandes e boas cidades que tu não construíste, com casas repletas de tudo o que há de melhor, de obras e bens que não produziste, com cisternas que não cavaste, com vinhas e oliveiras que não plantaste…. não te esqueças de Javé, que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão”.

Voltando aos séculos 20 e 21, a formação do moderno Estado de Israel em 1948 e sua expansão nas décadas que se seguiram, repetiram a tomada de Canaã e a formação dos reinos de Israel e Judá: mortes, roubo de terras e de bens dos povos que lá habitavam.

Agora, em 2023, Netanyahu dá prosseguimento ao processo de eliminação e expulsão dos palestinos para expandir as terras do estado-nação judaico e pilhar seus bens, como os depósitos de gás na costa do mar de Gaza. Será que Netanyahu espera contar com uma ajudinha de Javé, mesmo não sendo conhecido por adotar práticas religiosas em sua vida privada?

Para Ariel Gold, analista de política do Oriente Médio, e diretora-executiva da organização Fellowship of Reconciliation-EUA, o primeiro-ministro recorre a passagens bíblicas como forma de garantir a continuidade do apoio dos supremacistas judeus e dos cristãos evangélicos estadunidenses de direita, em seu confronto com o Hamas.

Na verdade, antes mesmo que Netanyahu fizesse uso da retórica de Amaleque, o grupo evangélico  International Christian Embassy Jerusalem já havia feito uma declaração em que afirmava que o ataque do Hamas em 7 de outubro “não ocorreu em protesto pela ocupação israelense ou devido a riscos que a mesquita de al-Aqsa estivesse correndo, mas sim, pelo antigo “espírito de Amaleque”, que sempre visou mulheres e crianças judias, e aos fracos e frágeis em Israel”.

Em uma linha de análise semelhante a de Gold, o rabino Elhanan Miller, sediado em Jerusalém, e que também é escritor e jornalista, avalia que o crescente uso por Netanyahu de referências bíblicas em seus discursos não passaria de uma tentativa de salvar seu prestígio, que ficou fortemente abalado com o ataque surpresa conduzido pelo Hamas em 7 de outubro.

Miller acrescentou ainda que “em tempos de guerra, as lideranças muitas vezes se baseiam na Torá e em textos religiosos. Em guerras anteriores, até mesmo os comandantes de brigadas proferiram citações da Torá”. Ainda segundo o rabino Miller, Netanyahu está obcecado com relações públicas, e usa ferramentas de mídia a seu favor.

Mesmo que as citações bíblicas de Netanyahu tenham o objetivo primordial de relações públicas, a atuação do exército israelense em Gaza pode reproduzir os efeitos nefastos das ações de Josué e seus guerreiros, tendo sido estas reais ou fictícias: “não restou mais ninguém; ele destruiu completamente tudo o que respirava, como ordenou o Senhor, Deus de Israel” (Josué 10:40).

E, enquanto isso, o ministro de Segurança de Israel, Itamar Ben Gvir, de extrema-direita, adquiriu 10 mil rifles para armar civis nos assentamentos da Cisjordânia, em cidades próximas da fronteira do país, e em cidades com populações mistas de árabes e judeus. Na Cisjordânia, após o ataque do Hamas de 7 de outubro, os colonos fundamentalistas judeus já causaram a morte de dezenas de palestinos, além de destruírem milhares de pés de oliveiras.

Os palestinos aguardam o ano inteiro pelo momento no outono, em que as olivas passam de verdes para pretas. Os dois meses da colheita constituem um ritual especial e trazem um reforço nas finanças.  Os soldados e colonos israelenses bloquearam o acesso dos aldeões, e usaram retroescavadeiras para arrancar pela raiz, oliveiras centenárias.

Ao contrário de Netanyahu, as convicções religiosas desses colonos ultranacionalistas não têm nada de fake. Para eles, não existe Cisjordânia, e sim, as bíblicas Judeia e Samaria. Os discursos de Netanyahu servem para atiçar ainda mais os colonos a promover ataques contra os palestinos.

Por enquanto, a paz duradoura na região ainda é uma miragem.

Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF, responsável pelo blogue Chacoalhando e pelo programa de entrevistas Agenda Mundo, veiculado no canal da TV GGN e da TV Chacoalhando.

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