A resposta da Rede Sustentabilidade ao artigo sobre a trajetória de Marina Silva

Da Assessoria da Rede

Resposta ao post “Marina e sua verdadeira Rede

Por Tasso Azevedo

Circula há alguns meses na internet um documento sem autor identificado que se propõe a identificar as origens da rede ondeestaria inserida Marina Silva. A narrativa tenta ordenar e criar vinculos inexistentes entre vários fatos para explicar uma teorida da conspiração que seria a origem da Rede Sustentabilidade.

Em essência o texto apresenta as seguintes teses:

·       O manejo florestal sustentável seria uma tentativa depredar de forma dissimulada os recursos florestais da Amazônia e as concessões florestais representa a entrega das florestas para os depredadores em detrimento das comunidades locais.

·       A defesa do promoção de  valor econômico para floresta em pé e o pagamento por serviços ambientas como incentivo para sua conservação seriam parte de uma estratégia neoliberal de mercantilizar os recursos naturais.

·       A propomoção de uma economia verde onde forças de mercado proporcionam o uso sustentável dos recursos naturais seria uma ofensiva do capitalismo neoliberal na Amazônia.

·       Instrumentos como o Cota de Reserva Legal seriam um golpe na reforma agrária porque grades áreas de floreta não poderão ser desapropriadas como improdutivas.

·       Promover alianças de empresários, trabalhadores, ambientalistas e movimentos sociais não seria nada mais do que coaptação destes ultimos pelo poder economico.

O texto me cita com o seguinte enredo: tendo fundado e dirigido o Imaflora, instituição que trabalha com certificação de manejo florestal, teria ido para o governo para defender os interesses escusos do setor madeireiro articulando a lei que criou a figura das concessões florestais. Não satisfeito teria então saido do governo para montar um fundo para investir nestas mesmas empresas fora do governo.

Como sou citado nominalmente no texto como um dos articuladores destas maldades achei de deveria expor, de froma transparente a minha visão sobre estes pontos.

Entendo que as florestas prestam enormes serviços a população global (regulação hidrica e climática, proteção da biodiversidade, proteção do solo entre outros) e  aqueles que ajudam a mantê-las também prestam um serviço a sociedade.

Eu acredito que conservação da floresta e o bem estar das populações que dependem diretamente dela se dará mediante quatro grandes estratégias (i) definir e proteger unidades de conservação das diversas categorias; (ii) garantir o reconhecimento, demarcação e efetivo suporte para terras indígenas, território  quilombolas, reservas extrativistas e demais formas de reconhecimento dos direitos das populações tradicionais; (iii) promoção da governança sobre a gestão do território, incluindo porém não se limitando às ações de monitoramento, controle e fiscalição; e (iv) incentivo e promoção da produção rural sustentável  (como o manejo florestal) e as cadeias de valor associadas através de instrumentos de pesquisa e desenvolvimento, treinamento e capacitação, investimento de risco e financiamento, regulação tributária e fiscal e pagamento por serviços ambientais.

Nada disso é dogma. Estou pronto a ser convencido de que estas não são boas estratégias ou mesmo de que conservar a floresta não constitui um serviço para sociedade. Mas tenho forjado esta convicção com base nos esforços que me envolvi nas ultimas duas décadas.

Através do FSC, uma organização cujo DNA esta na co-criação envolvendo setores empresarial, ambiental e os movimentos sociais foram criados os padrões para a certificação florestal, que avaliam a aplicação das práticas de manejo ambientalmente adequadas, socialmente justas e conomicamente viáveis. Com base nestes padrões implementamos os primeirosmodelos de certificação florestal, envolvendo projetos comunitários e empresariais, todos conduzidos com transparencia, repetidos processo de consulta publica e total transparência dos resultados, pré-condicionantes e condicionantes. Mais de 3 milhões de hectares foram certificados em florestas naturais no Brasil desde 1997.

Em 2003 tive oportunidade de participar maisdiretamente do planejamento e implementação de politicas publicas no setor florestal participando do governo do Lula na Diretoria do Programa Nacional de Florestas. Já no primeiro ano de governo juntamente com vários colegas (Salo, Marcelo, Carlos, Flavio, Bazileu, Hummel, Juliana… só para citar alguns)montamos uma operação que em menos de um ano praticamente acabou com a máfia do mogno no Brasil, apreendendo milhares de m³ de madeira e destinando os produtos da apreensão para constituir o Fundo Dema (homenagem a líder comunitário do Pará assassinado em conflito contra madeireiros ilegais) gerido pelas organizações sociais da região onde o mogno era extraido ilegalmente. Desde 2004 centenas de projetos das comunidades locais foram apoiados com recursos do Fundo Dema.

Ainda durante 2003 identificamos que  quase a totalidade da exploração florestal na Amazônia vinha acontecendo de forma irregular em terras públicas, em muitos casos inclusive com planos de manejo aprovados, mas que eram invalidos. Todos os planos de manejo em florestas públicas foram suspensos ou cancelados e ficou claro a urgência de se definir um marco regulatório para a gestão das floretas públicas que representam pelo menos 75% das florestas na Amazônia.

Em 2004, novamente promovemos o encontro de empresários, movimentos sociais, trabalhadores, academia e ONGs para formar a CONAFLOR – Comissão Nacional de Florestas com o objetivo de propor um novomarco regulatório para a gestão das florestas publicas de forma a garantir que elas permanecessem florestas e continuassem publicas. A CONAFLOR não só foi o local onde se gestou – através de amplo processo de consulta pública – o Projeto de Lei como os representantes dos diversos setores foram fundamentais para pressionar pela aprovação da lei no Congresso Nacional. Esta lei entre outras coisas criou um procedimento inédito de destinação das florestas públicas para uso sustentável, com garantia de prevalência absoluta dos usos pelas comunidades locais, como criou o Serviço Florestal, o Cadastro Nacional de Florestas Públicas, o processo de concessão florestal e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal. 

Este processo de ruptura do circulo vicioso da exploração ilegal do mogno e revisão da gestão de floretas publicas foi uma das inspirações para a criação em 2004 do Plano de Prevenção de Combate ao Desmatamento na Amazônia (PPCDAM) que, envolvendo 13 ministérios, sob coordenação da Casa Civil e do MMA, gerou uma estratégia em três eixos (i) regularização e ordenamento fundiário; (ii) monitoramento e controle e (iii) suporte a atividades produtivas sustentáveis.

Juntamente com dezenas de pessoas participeideste esforço que resultou na apresenção de mais de 1,4 milhão de m3 de madeira ilegal, a prisão de mais 700 contraventores, o cancelamento de mais de 60 mil titulos de terra grilados, a criação de um sistema de alerta mensal do desmatamento, a criação de quase 50 milhões de hectares de Unidades de Conservação – inclusive triplicando a área de Reservas Extrativistas – e dezenas de outras ações que permitiram ao longo dos ultimos 8 anos reduzir o desmatamento de 27 mil para menos de 5 mil km2. Ainda é muito, precisa cair muito mais, mas sem duvida é um tremendo avanço.

A queda do desmatamento levou a maior redução de emissões de gases de efeito estufa produzida por qualquer pais na ultima década e isso permitiu criarmos um mecanismo de captação de recursos internacinais para ajudar a multiplicar ações de controle do desmatamento  e promoção da conservação e uso sustentável da Amazônia. Assim foi montado o Fundo Amazônia, que gerido pelo BNDES é o maior fundo de conservação da floreta do planeta e já apoia mais de 40 projetos de larga escala envolvendo instituições de pesquisa, comunidades locais, ongs, movimentos sociais, setor empresarial e poder publico.  O aporte feito por doadores ao Fundo Amazônia não implicou em créditos de carbono de qualquer natureza por acreditarmos que esta é uma contribuição nossa ao planeta e ao clima.

Na Caatinga, o Serviço Florestal, através do Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal, investiu fortemente na promoção do manejo florestal como alternativa economica sustentável para os assentamentos e hoje milhares de famílias em mais de uma centena de assentamentos tem no manejo da caatinga uma das suas principais fontes de renda e sustentabilidade. Os assentamentos com manejo são os que mais conservam o bioma da caatinga.

Nos últimos anos, atuando na sociedade, lutamos fortemente para manutenção das conquistas do Código Florestal mas fomos derrotados no Congresso e prevaleceu uma lei que reduz ás reas protegidas,amplia as possiblidades de desmatamento e reduz dramaticamente as áreas a serem recuperadas.  A Cota de Reserva Ambiental (CAR) – instrumento ja previsto no Código Florestal anterior com nome de Cota de Reserva Florestal – teve sua aplicação excessivamente ampliada (ex. pode aplicar em outro outro estado) e esta foi mais uma derrota. Um dos poucos avanços foi o reconhecimento em lei do Cadastro Ambiental Rural (CAR) instrumento criado em 2008 como parte das medidas do PPCDAM.

Poderia continuar listando as iniciativas e processos que justificam a minha crença nas quatro estratégias que menciono no inicio do texto.

Estou certo de que a restrição às práticas ilegais, antiéticas e depredatórias, associado a forte estimulo a uma economia em bases sustentáveis que valorize a floresta em pé e reconheça de formaobjetiva aqueles que contribuem para manter e conservar os recursos naturais de que todos dependemos é o caminho para um mundo mais justo e sustentável.

 

Redação

4 Comentários

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  1. Sustentabilidade

    As acusações contra a Rede Sustentabilidade, constantes do documento, são as mesmas que a senadora e presidente da CNA, Kátia Abreu, e demais ruralistas têm feito contra a proteção ambiental, demarcação de terras indígenas e quilombolas. Suspeitas, portanto, em seus objetivos.

  2. o autor do texto reconhece

    o autor do texto reconhece o inequívoco engajamento do Governo Lula, sob a coordenação da Casa Civil e do MMA, é isso mesmo, Casa Civil, na conservação das florestas e do bem estar dos povos que dela dependem. Se não fosse o governo Lula, Marina seria tão importante quanto…o nada.

    Na verdade, Marina têm mais afinidade com a águado que com as florestas: insípida, inodora e incolor.

  3. O texto do post tem a

    O texto do post tem a assinatura do Centro de Memória das Lutas e Movimentos Sociais da Amazônia, de rivais políticos de Marina no Acre, gente que já esteve ligado ao Psol local e agora está no Pstu e se articula em torno (ou por trás) do  lider seringueiro Osmarino Amâncio Rodrigues, contemporâneo de Chico Mendes em Basiléia. Dei uma pesquisada e encontrei esses endereços eletrônicos: http://lutasemovimentosamazonia.wordpress.com e http://osmarinofloresta.wordpress.com/ .

    Agora, o importante é que a descrição dos fatos relativos à trajetória de Marina e seu círculo próximo em  nenhum momento é contestada por Tasso Azevedo.

    Para quem quiser conferir:

     

    Marina e sua verdadeira rede

    No último dia 16 de fevereiro, Marina Silva anunciou o lançamento da Rede Sustentabilidade, seu partido em construção. Muitos questionamentos já têm sido feitos às propostas apresentadas nessa ocasião pela ex-senadora acriana, que vem defendendo uma “nova forma de fazer política”, um “novo tipo de partido”, assim como um “novo tipo de militância”. As críticas têm conseguido demonstrar que Marina abusa de conceitos vazios para elaborar um discurso que tenta agradar ao maior número de eleitores. Também já se destacou a presença, nessa rede, de empresários como Guilherme Leal e Maria Alice Setúbal, apoiadores da campanha eleitoral de Marina à presidência da república em 2010, e a integração de outros políticos, como Heloísa Helena, a esse movimento de “renovação ética”.

    Mas a verdadeira rede de Marina é muito mais ampla e foi sendo construída ao longo de sua trajetória política. Alguns dos elementos centrais dessa trama não farão parte do seu novo partido, mas foram fundamentais para a construção do projeto político que dá sustentação à atuação pública de Marina Silva e à criação da Rede Sustentabilidade.

    Nesse mapa de relações pessoais de Marina, Chico Mendes é a primeira pessoa que deve ser destacada. Afinal, foi a luta dos seringueiros, da qual Chico era uma das principais lideranças, que deu maior projeção à então professora de história e sindicalista, que havia feito parte do movimento estudantil na Universidade Federal do Acre. Ligada às Comunidades Eclesiais de Base que, assim como os movimentos sociais urbanos de Rio Branco, foram importantes para fortalecer a organização e a resistência dos seringueiros na floresta, Marina também participou da criação da CUT e do PT no Acre, ao lado de Chico Mendes e tantos outros.

    A partir dessa relação com Chico, outras duas figuras centrais entraram na rede de Marina: a antropóloga Mary Allegretti, que colaborou com a criação do Conselho Nacional dos Seringueiros, e Steve Schwartzman, antropólogo norte-americano, ligado à ONG Environmental Defense Fund (EDF). Eles foram os principais responsáveis pela projeção internacional da imagem de Chico Mendes (a partir de sua famosa viagem a Washington para denunciar os impactos das obras da BR 364 ao Banco Mundial) e pela tentativa de transformação de seu legado político radicalmente anticapitalista – com fundamentação teórica marxista – apenas em uma luta pela preservação da floresta. Em um extremo quase caricato, chegou-se a apresentá-lo como uma versão amazônica do “pacifismo” de Mahatma Gandhi.

    Chico Mendes: um ambientalista?
    A promoção desta “metamorfose” ocorreu logo após o assassinato de Chico, momento em que esses atores que haviam se aproximado do movimento dos seringueiros, especialmente Mary Allegretti, intencionalmente buscaram dissociá-lo das lutas sindical e pela reforma agrária. A partir das relações que estabeleceu enquanto atuava como “apoiadora” dos povos da floresta nos anos 1980, a antropóloga construiu na década seguinte uma carreira como consultora de projetos para a Amazônia financiados por instituições e agências internacionais. Figura dos bastidores do movimento ambientalista, Allegretti foi elemento importante nas negociações para implantação do PPG7 (Programa Piloto do G7 para proteção das florestas tropicais do Brasil, gerido pelo Banco Mundial, que orientou várias políticas do Ministério do Meio Ambiente). Entre outras coisas, contribuiu para a articulação do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), um grupo de ONGs e movimentos da Amazônia que deveria acompanhar as discussões e negociações dos projetos do PPG7 (essa articulação de ONGs, criada em 1993, teve Fábio Vaz de Lima, marido de Marina Silva, como seu secretário-executivo entre 1996 e 1999).

    Essa imagem de um Chico Mendes “ambientalista” também foi habilmente apropriada ao longo dos anos 1990 pela Frente Popular no Acre (PT e partidos aliados), assim como por Marina Silva. (Especialmente quando foi eleita para o Senado, ela assumiu nacionalmente a identidade de ecologista e “seringueira”, embora já vivesse há vinte anos na cidade de Rio Branco). Depois do assassinato de Chico, além de adotar o discurso da sustentabilidade, os grupos que então eram considerados as organizações de esquerda do Acre fizeram uma aliança fundamental para suas conquistas políticas posteriores: tornaram Jorge Viana, jovem herdeiro de uma tradição política familiar associada à ditadura militar, a principal liderança do PT no estado. Candidato a governador em 1990, quando levou a disputa ao segundo turno, foi eleito prefeito de Rio Branco em 1992. Nessa época era ainda comumente reconhecido como “filho do Wildy” (Wildy Vianna das Neves foi deputado estadual pela ARENA entre 1967 e 1979, e deputado federal entre 1979 e 1987. Seu cunhado, Joaquim Falcão Macedo, tio de Jorge, foi governador do estado entre 1979 e 1983, indicado pelo general Ernesto Geisel).

    O desempenho eleitoral de Jorge Viana conseguiu ajudar a eleger Marina ao Senado em 1994, o que o faz figurar como um elemento de destaque em sua rede de relações políticas. Em pronunciamento de 1998, quando comemorava a chegada da Frente Popular ao governo do Acre (uma aliança entre 12 partidos, entre eles o PSDB), assim como a eleição de Tião Viana, irmão de Jorge, para o Senado, Marina demonstrou sua admiração pela capacidade de articulação do novo governador: “Carismático, convincente e seguro, ele foi capaz de buscar aliados e apoiadores até mesmo em setores historicamente hostis à esquerda e ao Partido dos Trabalhadores” (1).

    Em 2001, o material de divulgação elaborado pelo gabinete da senadora comemorava as realizações dos primeiros anos de governo de Jorge Viana (no qual seu marido, Fábio Vaz, possuía cargo estratégico), destacando que: “Foi-se o tempo em que a ‘turma do Chico Mendes’ e empresários – principalmente madeireiros – eram como água e óleo. As coisas amadureceram nos últimos 15 anos, o mundo girou, o Acre está mudando, a ‘turma do Chico’ chegou ao poder e pôde concretizar suas ideias. Aplacaram-se radicalismos. Viu-se que é possível negociar diferentes interesses com ética e conhecimento técnico. (…) Por incrível que pareça, há madeireiros, pecuaristas e petistas sentados à mesma mesa.” (2). Com esse tipo de declaração, Marina Silva ajudou a legitimar – utilizando levianamente o nome de Chico Mendes – um governo que conseguiu agradar tanto parte da antiga esquerda quanto a direita acriana, não tendo representado nenhuma ruptura significativa com a ordem política anterior.

    Ministério do Meio Ambiente

    Defendendo essa atuação da Frente Popular, Marina foi reeleita senadora em 2002 (quando Jorge Viana foi reeleito governador) e, em 2003, assumiu o Ministério do Meio Ambiente do governo Lula. Nesse período passam a se destacar em sua rede outros atores, que já vinham atuando no Acre e se relacionavam com Marina em seu mandato anterior no Senado. Assim, esse momento não marca o início, mas a consolidação de um projeto, o fortalecimento de uma proposta específica de desenvolvimento para a Amazônia, defendido por esses indivíduos e organizações desde o início da década de 1990.

    O principal pressuposto dessa abordagem é o de que a floresta precisa ter um valor econômico para ser preservada e incentivos financeiros devem ser criados para que os indivíduos se abstenham de destrui-la. Propõe-se uma “economia verde”, em que as forças de mercado (com suas “falhas” devidamente corrigidas) proporcionem um uso sustentável dos recursos naturais. Trata-se de uma clara ofensiva do capitalismo neoliberal sobre a Amazônia. E essa é a lógica de fundo dos projetos do PPG7 (mencionado anteriormente), que definiram as principais políticas para a região nos últimos vinte anos, numa atuação integrada entre financiadores internacionais (Banco Mundial, USAID e agências europeias de “auxílio ao desenvolvimento”) e ONGs. Estes agentes trabalharam em “parceria” com o governo da Frente Popular no Acre (mas também em outros estados da Amazônia Legal) e com o Ministério do Meio Ambiente, antes mesmo da gestão de Marina Silva. Afinal, Mary Allegretti já era Secretária de Coordenação da Amazônia no MMA no governo FHC, durante a gestão de Sarney Filho.

    Marina deu continuidade a esse trabalho, em conjunto com sua equipe. Nela destacam-se ao menos três pessoas, que ainda hoje possuem função estratégica na rede de Marina: os engenheiros florestais Carlos Antônio Vicente e Tasso Azevedo e o biólogo João Paulo Capobianco. O primeiro foi Secretário de Florestas e Extrativismo do estado do Acre, no governo de Jorge Viana, cargo que tinha importância central na proposta de desenvolvimento sustentável da Frente Popular: a promoção do manejo madeireiro nas florestas acrianas. No MMA foi, primeiramente, diretor do Programa Nacional de Florestas (cargo que depois veio a ser assumido por Tasso Azevedo) e passou a ser assessor direto da ministra. Quando Marina voltou ao Senado, Carlos Vicente a acompanhou como assessor parlamentar. Foi exonerado do cargo em 2010 para se dedicar à campanha eleitoral de Marina, pelo PV. Ao fim do mandato da senadora, foi destacado para trabalhar na criação do Instituto Marina Silva.

    Tasso Azevedo, antes de entrar no MMA, era diretor executivo do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (IMAFLORA), trabalhando com a atribuição de um “selo verde” (o FSC) aos produtos provenientes do manejo florestal. Como Diretor do Programa Nacional de Florestas, fez parte da equipe que conseguiu fazer com que o Congresso aprovasse, em poucos meses, a polêmica Lei de Gestão de Florestas Públicas, que autoriza a sua concessão para exploração pelo setor privado e cria o Serviço Florestal Brasileiro, do qual Tasso Azevedo foi o primeiro Diretor Geral (3). Tanto Carlos Vicente quanto Tasso Azevedo possuem relação com a ONG IMAZON (Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia), uma das principais promotoras do manejo madeireiro na Amazônia (incluindo o Acre), que defendeu a aprovação da referida lei.

    O terceiro elemento importante na equipe de Marina no Ministério do Meio Ambiente é João Paulo Capobianco, que foi Secretário de Biodiversidade e Florestas e, ao final, Secretário Executivo do MMA. Capobianco é tido como um dos “mentores” da divisão do IBAMA, que levou à criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO), órgão do qual ele foi o primeiro presidente. Servidores do IBAMA chegaram a acusar Marina e Capobianco de promoverem o sucateamento da fiscalização ambiental no Brasil. Quem acompanha a atuação do ICMBIO na Amazônia pode dar razão a essas denúncias.

    Atualmente, Capobianco preside a ONG Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), da qual também fazem parte Marina, Maria Alice Setúbal, Guilherme Leal e Ricardo Young. Foi o coordenador da campanha de Marina à presidência em 2010. Faz parte do conselho consultivo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e é membro do conselho de administração da Bolsa de Valores Sociais (Bovespa Social). É também pesquisador associado do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), uma das principais ONGs responsáveis pela defesa da criação de sistemas de venda de serviços ambientais na Amazônia (como exemplo, o mercado de créditos de carbono por desmatamento evitado, conhecido pela sigla REDD).

    O vice-presidente do conselho deliberativo do IPAM é Steve Schwartzman, aquele que, junto com Mary Allegretti, levou Chico Mendes aos Estados Unidos. Schwartzman segue atuando no Environmental Defense Fund (EDF), onde trabalha com o tema das florestas tropicais “e incentivos econômicos para proteção florestal em larga escala”. E também Marina Silva, desde 2011, faz parte do Conselho Consultivo do IPAM. Essa ONG, contudo, já estava integrada à sua rede enquanto era ministra de Meio Ambiente, tendo ela participado de debates organizados pelo IPAM nas reuniões da ONU sobre o clima. A parceria com a organização é fundamental também para o estado do Acre, que aprovou em 2010 uma legislação pioneira para promover a venda de serviços ambientais, quando Binho Marques, amigo de Marina desde os tempos da faculdade de História, era governador. Ainda mais interessante é observar que, enquanto Marina participava dessas conferências da ONU como ministra, Binho participava como representante do Acre e era acompanhado por Fábio Vaz de Lima, coordenador da área de desenvolvimento sustentável do governo estadual depois de ter deixado o cargo de assessor parlamentar do senador Sibá Machado.

    capitalismo verde
    Nesse período o governo do Acre não só criou uma legislação extremamente avançada para a comercialização de “serviços ambientais”, como ainda estabeleceu um importante acordo para a venda de créditos de carbono com o governo da Califórnia, nos EUA. Neste processo, Fábio Vaz também é uma figura fundamental, do mesmo modo que Steve Schwartzman, já que sua ONG americana, o EDF, aparece nas negociações como “representante da sociedade civil”. Tendo permanecido no governo de Tião Viana como secretário adjunto da SEDENS (Secretaria de Estado, de Desenvolvimento Florestal, da Indústria, do Comércio e dos Serviços Sustentáveis), atualmente o marido de Marina é o principal responsável pela estruturação da agência criada para promover a venda de créditos de carbono no Acre. Observando a trajetória política de Fábio Vaz é possível perceber que sua atuação, realizada nos bastidores, sempre foi estratégica para o governo da Frente Popular do Acre, mesmo depois do afastamento de Marina Silva do PT.

    Assim, embora a ex-senadora acriana possa buscar dissociar sua imagem da herança deixada ao Acre pelos governos de Jorge e Tião Viana e Binho Marques – especialmente em um momento no qual a Frente Popular e sua proposta de desenvolvimento sustentável passam por um grande desgaste –, a rede de relações que os aproxima demonstra a artificialidade dessa tentativa. É bastante estranho que Marina venha anunciar que seu partido em construção optará por um novo tipo de política quando laços tão fortes a unem à velha forma oligárquica de governar.

    As críticas que Marina tem feito a Jorge Viana, pelo fato de este ter sido relator no Senado da proposta de alteração do Código Florestal e não ter atendido as solicitações dos ambientalistas, não parecem tão duras. E, se olharmos com calma, a “turma de Marina” acabou sendo beneficiada por alguns dos dispositivos da nova lei. Pouca gente percebeu a aprovação do que Gerson Teixeira, presidente da ABRA (Associação Brasileira de Reforma Agrária), chama de “armadilha fundiária e territorial contida no Novo Código Florestal”, resultado da articulação entre setores ambientalistas – esses da rede de Marina – e o capital financeiro, “com reverência da bancada ruralista” (4) .

    Teixeira se refere ao regramento constituído pela lei para amparar e promover o mercado de pagamento por serviços ambientais (PSA), utilizando como principal moeda a chamada “Cota de Reserva Ambiental” (CRA), destinada a “compensar passivos” (áreas desmatadas irregularmente) até julho de 2008. Dito de outra forma, os proprietários de terras com “excedentes” de Reserva Legal estão autorizados a comercializá-los em Bolsa. E os que não possuem área de Reserva Legal suficiente podem recuperá-la através de plantio e regeneração ou adquirir as CRAs no mercado. Além desse esquema, o Código Florestal também prevê a possibilidade de remuneração dos proprietários pela manutenção das APPs (Áreas de Preservação Permanente), das áreas de Reserva Legal e as de uso restrito, que poderá ser feita pelo mercado nacional e internacional de redução de emissões de carbono. Como afirma Teixeira, essa nova legislação, além de ser “mais um golpe contra a reforma agrária no Brasil”, pode transformar o “patrimônio natural do país em alternativa especulativa para o capital financeiro”.

    Pensando de forma distinta, os representantes do IPAM (ONG que tem Marina Silva como associada honorária), no documento que elaboraram com “contribuições para o debate” no Senado, intitulado “Reforma do Código Florestal: qual o caminho para o consenso?”, defendem a adoção desses mecanismos de incentivos econômicos como forma de “recompensar aqueles que buscam a conservação florestal”. E outros parceiros de Marina devem também ter ficado satisfeitos com a criação desses instrumentos de “incentivo positivo”. É o caso, por exemplo, do empresário Guilherme Leal (da Natura Cosméticos, seu vice na chapa da candidatura à presidência em 2010), que é membro do Conselho da Biofílica Investimentos Ambientais, a “primeira empresa brasileira focada na gestão e conservação de florestas na Amazônia a partir da comercialização dos serviços ambientais”. No mesmo Conselho encontram-se figuras como Haakon Lorentzen (presidente do Grupo Lorentzen, fundador da Aracruz Celulose, acionista controlador da Cia de Navegação Norsul, a maior empresa privada brasileira de transporte marítimo) e José Roberto Marinho (vice-presidente das Organizações Globo e presidente da Fundação Roberto Marinho). A Biofílica já trabalha (segundo seu site na internet) na área de compensação de reserva legal criada pelo Novo Código Florestal, realizando a “formatação e transação de instrumentos de compensação de modo a solucionar o passivo de proprietários rurais”.

    Para fomentar o mercado de Cotas de Reserva Ambiental (CRAs), o país já conta com uma “bolsa de valores ambientais”. Criada em dezembro de 2012 para a negociação de contratos ligados ao meio ambiente, a BV Rio é uma ONG que tem em seu Conselho Consultivo a participação dos governos estadual e municipal do Rio de Janeiro. Em sua plataforma de negociação de ativos ambientais, a BVTrade, já estão sendo negociadas as “moedas verdes” do Código Florestal (as CRAs), através de contratos de desenvolvimento e entrega futura, tendo em vista o fato de que a lei ainda necessita de algumas regulamentações. Os criadores da BVRio, os irmão Maurício e Pedro Moura Costa, sócios da empresa E2 Sócio Ambiental, estimam que o “mercado de devedores ambientais pode gerar negócios de R$ 100 bilhões e R$ 500 bilhões, dependendo do custo médio das transações” (5).

    Pedro Moura Costa, presidente executivo da BV Rio, tem em seu currículo o desenvolvimento do primeiro projeto de certificação de crédito de carbono do mundo, na Ásia. Em 1997 fundou sua antiga empresa, a EcoSecurities, que se tornou líder mundial na venda desses créditos e foi comprada pelo banco de investimentos JP Morgan em 2009. Além da BVRIO, a E2, nova empresa de Pedro Costa, está desenvolvendo um programa de pagamentos por serviços ambientais no município de Paragominas, no Pará, em parceria com o IMAZON (aquela ONG da qual fazem parte Carlos Vicente e Tasso Azevedo, como relatado anteriormente, e também o próprio Pedro Moura Costa).

    A E2 ainda integra uma “plataforma de investimentos para a região amazônica” denominada Guardiãm, “fundada por um grupo de profissionais que incluem investidores, empresários, executivos e líderes na causa amazônica”, entre os quais se pode destacar Caio Túlio Costa (co-fundador do UOL, secretário de redação e ombudsman da Folha de São Paulo), Henri Philippe Reichstul (que foi presidente da Petrobrás) e dois dos principais integrantes da rede de Marina Silva: Tasso Azevedo e João Paulo Capobianco. Ao que tudo indica, as pessoas desse grupo não apenas conhecem como poucos o caminho para um lobby eficiente no Congresso Nacional e nas Assembléias Estaduais, conseguindo fazer aprovar legislações favoráveis a seus interesses. Eles parecem possuir também a capacidade “admirável” de aproveitar ao máximo as possibilidades criadas por essa estrutura jurídico-institucional que ajudaram a construir.

    As possibilidades de negócios criadas pelos novos mercados de ativos ambientais também têm chamado a atenção do agronegócio, que identifica as vantagens financeiras de adotar essa “fachada verde” proporcionada por iniciativas como a da BVRio. É o que vem deixando claro a própria porta-voz dos ruralistas, a senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura. Outro “prócer” do agronegócio, o senador Blairo Maggi, já tinha aderido à defesa do mercado de carbono em 2009, quando ONGs que trabalham em conjunto com o IPAM na divulgação desse mecanismo na Amazônia lhe apresentaram as vantagens econômicas que ele poderia trazer aos latifundiários do Mato Grosso. Talvez um dos maiores expoentes do “agronegócio verde” no Brasil, em 2011 o Grupo Maggi fez sua primeira venda de “soja responsável” (um lote de 85 mil toneladas), com o “selo verde” atribuído pela WWF (num programa de “certificação ambiental” realizado em parceria com Bunge, Cargill, Monsanto, Nestlé, Shell, Syngenta, Unilever, etc) (6).

    É possível que Marina Silva ainda não tenha integrado Kátia Abreu e Blairo Maggi diretamente a sua rede, mas a WWF, ONG certificadora de soja e cana-de-açúcar, está nela há bastante tempo. Em 2008, Marina recebeu do Príncipe Philip da Inglaterra (o marido da Rainha), a Medalha Duque de Edimburgo de Conservação, o prêmio mais importante concedido por essa organização internacional. Em 2012, foi a vez da ONG receber um certificado de reconhecimento do governo da Frente Popular do Acre, “entregue a personalidades e instituições que auxiliaram na construção da história local”, na data em que se celebrou o aniversário de 50 anos do estado (7).

    A rede de Marina é mais complexa do que pode parecer à primeira vista. É menos sustentável do que quer fazer crer o “ambientalismo de mercado” promovido por seus integrantes. Está mais envolvida com as transações políticas tradicionais do que quer deixar transparecer a ex-senadora acriana, com seu discurso em defesa da ética e da novidade. A criação de seu partido, apresentada como a busca pela realização de novos sonhos, não pode apagar o fato de que a ascensão política de Marina e a projeção internacional de seu nome ocorreram à custa de sonhos e projetos de outras pessoas, os quais foram sendo destruídos nesse caminho. Essa profunda transfiguração faz com que Chico Mendes, aquele que apareceu no início dessa história, não tenha mais lugar na rede de Marina, a despeito das tentativas cínicas de associação de seu nome às “soluções” do capital para a crise ecológica, já que o líder seringueiro lutou contra esse sistema até o fim de sua vida. Marina encontrou outro rumo, outra “turma”, só não percebe quem não quer enxergar.

    Notas

    (1)Pronunciamento no Senado Federal, em 15/10/1998. Disponível em:
    http://www.senado.gov.br/atividade/pronunciamento/detTexto.asp?t=232864

    (2)Revista da Marina. Publicação do Gabinete da Senadora Marina Silva, 2001.

    (3) No período em que o tema foi debatido no Congresso, Fábio Vaz de Lima, marido de Marina, era assessor parlamentar de Sibá Machado, suplente de Marina no Senado.

    (4) “Novo código florestal na estrutura agrária brasileira”. Análise de Gerson Teixeira, jornal Brasil de Fato, edição de 28/09/2012. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/10733.

    (5) “Eles negociam florestas”, reportagem da Revista Época, edição de 10 de dezembro de 2012, p. 102.

    (6) “Grupo Maggi inicia venda de soja com selo verde”. Jornal Valor Econômico, 16/06/2011. Disponível em:
    http://www.grupoandremaggi.com.br/wp-content/uploads/2012/06/rtrs1.pdf

    (7) Fábio Vaz Lima, marido de Marina, esclarece a importância da WWF para o Acre nesse vídeo, em que apresenta um projeto feito pela ONG em parceria com a SKY Reino Unido: http://www.youtube.com/watch?v=6qQZ0pdZHaQ.

    Sítios eletrônicos das ONGs e outras instituições citadas:

    IPAM (Instituto de Pesquisas da Amazônia) – http://www.ipam.org.br
    Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) – http://www.imazon.org.br
    IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade) – http://www.idsbrasil.net
    EDF (Environmental Defense Fund) – http://www.edf.org
    Biofílica Investimentos Ambientais – http://www.biofilica.com.br
    Guardiãm – http://www.guardiam.com
    BV RIO (Bolsa Verde do Rio de Janeiro) – http://www.bvrio.org

       

    Responder, Responder a t

  4. Se pretendia ser uma

    Se pretendia ser uma resposta, falhou!! Não rebate os pontos relaticos à montagem da “rede”. Como defesa da economia verde, faltou listar os contrapontos (que não são poucos). Como propaganda do manejo florestal e das concessões, um sucesso!! Marketing de rede?? Florestasfree???

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