Dilma aprendeu com os erros?, por Cláudio Gonçalves Couto

Errar ensina?

Por Cláudio Gonçalves Couto

Do Valor Econômico

Entre as minhas memórias infantis está um dito popular que era frequentemente enunciado em desenhos animados: “Se não pode vencê-los, junte-se a eles”. Pelo jeito, esse ditado não é conhecido nem da presidente Dilma, nem de muitos de seus auxiliares responsáveis pela atribulação, digo, articulação política. Talvez porque não tivessem o hábito de assistir a desenhos animados. Ou, o que seria melhor, talvez porque não tenham lido Maquiavel. Ou ainda – o que seria pior – porque talvez sejam incapazes de ler com objetividade o contexto que lhes cerca.

Esta semana que se encerra pode ser descrita como a de um verdadeiro inferno astral para o governo. Começou com a patética derrota na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados; desenrolou-se com a ópera bufa em que se transformou a demissão de Graça Foster (primeiramente, ventilada como algo a ocorrer em algum tempo, mas logo depois precipitada com a saída repentina de Foster e mais uma penca de diretores); aprofundou-se com a aprovação de uma nova CPI da Petrobrás e o encaminhamento da votação do orçamento impositivo na Câmara; terminou (será?) com a condução coercitiva do tesoureiro do PT para depoimentos à Polícia Federal.

Em meio a esse tsunami de problemas, a vitória na eleição para a Presidência do Senado mal representa um alívio. Mesmo porque, tal vitória se deu com o apoio inescapável a um aliado custoso, como é de Renan Calheiros. Custoso por custoso, e tendo de qualquer forma que contar com o PMDB, o governo e o PT bem que poderiam ter evitado a humilhação sofrida na Câmara. O poder, a influência e a esperteza de Eduardo Cunha já eram fatos conhecidos de longa data por qualquer um que acompanhasse a cena política nacional nos últimos anos. Se era algo evidente para quem acompanha, mais ainda deveria ser para quem dela participa. Mas, pelo jeito, não foi.

Ou, ao menos, não foi para todos. O presidente Lula, muito mais esperto e habilidoso do que alguns de seus aloprados correligionários, já vinha há tempos alertando os companheiros da necessidade de se compor com Cunha: “se não pode vencê-los…”. Porém, tais companheiros fizeram ouvidos de Mercadante, digo, de mercador ao aconselhamento do prócer. As consequências ficaram evidentes.

Sumarizando o problema, os custos da governabilidade aumentaram para o governo. E isso por uma razão muito simples: porque a fragilização política aumenta a dependência em relação aos aliados. E como tais aliados não são exatamente altruístas, exigirão mais para manter o apoio. Um resultado imediato desta situação foi a já noticiada concessão de cargos do segundo escalão com “porteira fechada” aos partidos que controlarem os ministérios correspondentes. Fosse o governo mais forte, teria mais condições de impor limites às concessões feitas. Porém, o governo Dilma já vem enfraquecido ao menos desde junho de 2013. Quando se observam as votações nominais no Congresso, isso fica nítido: diminuem os votos fiéis dos partidos da base, aumentam os votos da oposição. Isto é, o governo já vinha cedendo mais (inclusive à oposição) para aprovar o que precisa. Provavelmente, agora, terá de ceder mais ainda.

Os números da derrota na Câmara, por um lado, evidenciaram a fragilidade. Por outro, foram tão vexaminosos que aprofundaram-na. Derrotas aviltantes têm o condão de tornar prováveis novas derrotas; a não ser que ensinem algo.

Erros e derrotas duras são boas oportunidades para aprender, só que tal aprendizado se torna impossível sem que haja humildade. Esta é um ingrediente indispensável para que se possa avaliar os próprios erros com objetividade, compreender porque foram cometidos e vislumbrar o caminho para não repeti-los – inclusive em questões diferentes, mas análogas. Depois de muito bater a cabeça e teimar na questão das privatizações, a presidente Dilma finalmente optou por concessões na infraestrutura. Depois de afundar a economia nacional com um desenvolvimentismo incapaz de convencer investidores a investir, ela optou por mudar os rumos da política econômica. Será que este imbróglio político irá também ensinar-lhe algo sobre a condução política? Ou será que ela fará ouvidos de Mercadante?

Um companheiro seu de partido, o prefeito paulistano Fernando Haddad, mostrou-se mais pragmático e começou uma mudança de rota. Atraiu o PMDB para seu governo – inclusive entregando-lhe a Secretaria de Educação -, compôs com os vereadores na Câmara e procura reforçar-se politicamente.

Uma leitura possível é a de que já pavimenta o caminho para a busca da reeleição. Só que mais importante do que a reeleição (até por ser um pressuposto dela) é o fortalecimento político nos dois anos que ainda terá pela frente. Se terá sucesso ou não no objetivo último é algo que depende também de outras variáveis, mas passa por esse fortalecimento político – que é uma condição necessária, embora insuficiente.

Fazer concessões é a essência da atividade política. Como gosta de dizer o professor Bresser-Pereira, a política é a arte do compromisso – ou seja, do estabelecimento de soluções de compromisso. E tais soluções na política passam pelo reconhecimento inelutável do poder. O grande erro do PT e do governo no embate com Eduardo Cunha foi não reconhecer algo óbvio: ele tem poder. E contra poderosos, voluntarismo ou belos ideais não bastam. É preciso saber do que abrir mão para se buscar o que é mais importante. Isso, frequentemente, gera soluções desagradáveis, que ofendem purismos ideológicos e inclusive morais. Produz coisas feias. Contudo, definitivamente, a política (em particular a democrática) não é um projeto estético.

Voltando a Lula, ele parece compreender bem tal problema, mas não vem tendo sucesso no convencimento da companheira presidenta. Pelo que se nota, embora tenha grande faro político – e, consequentemente, para as soluções de compromisso -, cometeu um erro crasso: escolheu para suceder-lhe alguém que não tem faro algum. Talvez este tenha sido, politicamente, o seu maior erro.

Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP e colunista convidado do “Valor”. Maria Cristina Fernandes volta a escrever na próxima semana

E-mail: [email protected]

Redação

5 Comentários

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  1. Sem mais…

    O resumo da ópera: 

    ‘Voltando a Lula, ele parece compreender bem tal problema, mas não vem tendo sucesso no convencimento da companheira presidenta. Pelo que se nota, embora tenha grande faro político – e, consequentemente, para as soluções de compromisso -, cometeu um erro crasso: escolheu para suceder-lhe alguém que não tem faro algum. Talvez este tenha sido, politicamente, o seu maior erro.’

  2. Contradição do começo ao fim

    O articulista começa dizendo que Dilma e seus Ministros palacianos não souberam aliar-se a Eduardo Cunha para minimizar perdas na eleição da mesa diretora e nas votações na Câmara dos Deputados.

    Mas, em seguida, critica a aliança com Renan Calheiros para a eleição da mesa do Senado: “um aliado custoso”

    A situação de Dilma é interessante: faz-me lembrar da Geni.

    Apanha da oposição, apanha dos aliados, apanha dos críticos bem intencionados,, apanha pela falta de água, apanha por uma suposta falta de energia que ainda não ocorreu, apanha porque reduziu a conta de energia, apanha porque está explorando com sucesso o pré-sal, apanha pela corrupção na Petrobrás da qual não tem a menor responsabilidade, apanha porque “mentiu” (?) na campanha eleitoral, apanha porque ganhou a eleição, agora, começou, também, a apanhar dos blogs “sujos” e, agora, apanha todos os dias do Nassif e dos articulistas e comentaristas do blog do Nassif, um blog p’ra lá de limpinho.

    Só alguém de muita fibra, curtida na tortura do pau-de-arara, tem condições de enfrentar uma situação como essa.  

    Por isto, ela dorme de sapatos.

    1. Inacreditável!

      É inacreditável como a claque petista ficou completamente cega!

      Estão caminhando com os olhos vendados decididamente em direção ao abismo, e mesmo que alguém lhes diga que não é prudente ir nessa direção, eles vão de teimosos, porque acham que sempre estarão absolutamente certos.

      Fanatismo tem remédio? Ou só se cura com uma porrada bem grande?

      1. Caramba !!! Um torturador em

        Caramba !!! Um torturador em potencial, escondido pela coragem do anonimato.

        Se você vai mandar me tocaiar com uma dupla de motoqueiros, empregados da tua milícia tucana, faz, antes, seguro de vida para a família dos meliantes.

  3. um contra-senso esse

    um contra-senso esse comentário.

    quer que dilma se alie a cunha, mas não a renan…

    isso é argumento típico de quem quer que o governo

    perca mais batalhas, senão a guerra.

    a eleição de cunha é questão do legislativo,não somente da presidencia.

    mudar dirigentes da petrobrás, de qualquer maneira, seria inexorável….

    é preciso dar um tempo a dilma. ….

    é melhor ter inimigos declarados do que supostos amigos

    que descem o pau todo santo dia como essa gente da grande mídia….

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