É preciso mesmo vender os ativos da Petrobras?, por Felipe Coutinho e J. Carlos de Assis

Existe alternativa para reduzir a dívida da Petrobrás sem vender seus ativos

por Felipe Coutinho e J. Carlos de Assis

A Petrobrás não precisa vender ativos para reduzir seu nível de endividamento. Ao contrário, na medida em que vende ativos ela reduz sua capacidade de pagamento da dívida no médio prazo e desestrutura sua cadeia produtiva, em prejuízo à geração futura de caixa, além de assumir riscos empresariais desnecessários. A avaliação resumida abaixo (tabela), mostra o equívoco dessa escolha política e empresarial de alienação de ativos, e revela que ela é desnecessária. A alternativa proposta preserva a integridade corporativa e sua capacidade de investir na medida do desenvolvimento nacional e em suporte a ele. Enquanto garante a sustentação financeira, tanto pela redução da dívida, quanto pela preservação da geração de caixa a médio prazo.

O desinvestimento – ou seja, a venda de ativos operacionais, muitos deles altamente lucrativos –  prevê acumular 19,5 bilhões de US$ no biênio 2017/18. Resultaria numa redução antecipada da dívida, com a alavancagem – relação dívida líquida/geração de caixa após dividendos – caindo de 4,5 para 2,5 até 2018. A meta de redução da alavancagem e seu prazo são arbitrários, embora possam ser apresentadas de forma dogmática. Trata-se de uma decisão de natureza política e empresarial que é frequentemente elevada à condição de verdade científica ou algo similar a uma revelação divina.

Na alternativa estudada a partir de parâmetros públicos da Petrobrás, sem vender um único ativo, a alavancagem poderia cair de 4,5 para 3,1 em 2018, indicador inteiramente razoável. A amortização anual da dívida, com recursos de parte da geração de caixa, resultaria na redução da alavancagem para 2,5 em meados de 2021. O estudo é conservador na medida em que não contabiliza a geração de caixa adicional pela preservação dos ativos rentáveis que se pretende vender até 2018.

A Petrobrás tem pujante receita operacional, proporcional ao porte de uma empresa que é a maior do Brasil e da América Latina. Apenas usando parte da geração de caixa, na mesma proporção alocada em seu plano atual, a companhia pode ir amortizando sua dívida e trazê-la para um nível razoável, sem afetar a distribuição de dividendos e os investimentos previstos. A venda de ativos produz exatamente o oposto, no médio prazo. Reduziria a capacidade futura de geração de caixa da empresa, pois os ativos que se pretende privatizar como BR Distribuidora, Liquigás, Termoelétricas e Transpetro são altamente lucrativos.

O plano da Petrobrás tem viés de curtíssimo prazo e obtusamente financeiro. Ignora a essência de uma empresa integrada de energia que usa a verticalização em cadeia para equilibrar suas receitas, compensando a inevitável variação do preço do petróleo, de seus derivados e da energia elétrica, característica essencial para minimizar os riscos empresariais. Na medida em que a Petrobrás seja fatiada, o agente privado tende a buscar o lucro máximo por negócio, majorando os custos ao consumidor, o que restringe o crescimento do mercado interno cujo dinamismo é muito importante para a geração de valor pela Petrobrás.

A alternativa apresentada evita a saída integral das áreas de produção de biocombustíveis e fertilizantes, distribuição de GLP e petroquímica. Além de preservar as reservas de petróleo e os ativos do refino que são alvos das parcerias mediante desinvestimento. Basta alterar a alavancagem projetada para 2018 de 2,5 para 3,1 e ajustar o prazo da meta de 2,5 na alavancagem, de 2018 para meados de 2021.

Dispomos de alternativa técnica viável que encontra barreiras de natureza ideológica cuja influência na política empresarial da Petrobrás não é recente. A gestão Dilma-Bendine apresentou um Plano de Negócios similar ao atual. Previa vendas de ativos da ordem de 57 bilhões de US$ até 2020, cerca de um terço do patrimônio da Petrobrás. A atual gestão Temer-Parente planeja privatizar 34,6 bilhões de US$ até 2021, sendo 15,1 bi até 2016 e 19,5 bi até 2018.

É exemplar o que ocorre a infraestrutura de gasodutos. Atividade tipicamente monopolista, as redes de gasoduto do Sudeste e do Nordeste, incorporam um enorme investimento histórico da Petrobrás, estão integradas à empresa pela própria natureza do serviço que prestam. Não obstante, a rede Sudeste, a mais lucrativa, foi vendida a um fundo canadense que atuará como intermediário privado monopolista. Isso sem a constituição prévia da ordem reguladora, condição essencial para a operação de monopólios privados em qualquer economia capitalista.

Entretanto, nada é mais simbólico do que a desintegração do Cenpes, o Centro de Pesquisas da Petrobrás. O Cenpes é fundamental para os avanços tecnológicos da companhia, responsável por resultados reconhecidos internacionalmente. Na recente reestruturação da Petrobrás o Cenpes foi desmembrado, com o fim do reconhecido modelo de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia básica (PD&E) que vigorava há 40 anos. O modelo articulava a relação entre a pesquisa nas universidades, a experiência operacional da companhia e os fornecedores de bens e serviços. A Engenharia Básica do Cenpes foi extinta e seus profissionais transferidos à área de projeto e empreendimento. A reestruturação revela que o imperativo do curto prazo permeia toda a corporação e não se limita à estratégia financeira.

A mídia oligopolista repete “não há alternativas, é necessário privatizar para lidar com o endividamento da Petrobrás”. Assim se constrói o senso comum que não corresponde à realidade, mas serve aos interesses de poucos. Além de alertar para as consequências deletérias da privatização para a Petrobras e para a maioria dos brasileiros, apresentamos alternativa viável para a sustentação financeira, preservando a integridade corporativa, sua capacidade de gerar valor, investir e garantir a segurança energética brasileira.

Felipe Coutinho – Engenheiro químico, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)

J. Carlos de Assis – Economista e professor

Redação

6 Comentários

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  1. Ao predar o Pré sal nossos bisnetos vão comprar Petróleo caro?

    A nação de otários esta dando suas reservas para outras Nações dilapidarem.

    Não é necessário sair vendendo petróleo barato pra depois comprar caro.

    Alguem discutiu quanto temp dura nossas reservas e quanto duram as reservas mundiais.

    A Indonésia se ferrou , predaram o pouco etr´leo que tinham  ganhando pouco mais de um dolar o barril e aora compra petróleo.

    Fico chocado com a visão míope e a falta de brasiidade dos Industriai brasileiros .

    “O Pré Sal tem que ser explorado na justa medida dos interesses nacionais.”

    “Nas Bacias que  as Multinacionais  tiverem cem por cento do controle quem vai viajar 300 kilometros da costa para medir o Petróleo sugado e enviado para o exterior?

    “Com a palavra as Forças Armadas”

    E a Quarta Frota Americana?

    Martin Luterking; Não me preocupa o barulho dos maus , preocupo com o silêncio dos bons”.

  2. Não entendo

    Porque os funcionários da Petrobras (que eu conheço) estão aceitando passivamente o discurso de que não há outra saída, a não ser o arrocho, o programa de demissões, a venda dos ativos. Como pessoas de elevado nível intelectual podeiram estar sendo enganadas a ponto de ir para o sacrifício? Por que o sindicato não parte botar as cartas na mesa? É preciso abrir estas contas, ver qual é a real situação deste rombo e partir para um planejamento viável de recuperação. E são os funcionários, parte muito interessada, que deriam segurar este pepino. Greve por greve, só terá força quando a maioria dos funcionários pararem de achar culpados e se convencerem de que eles podem reverter isso.

  3. %

    Sem venda não há comi$$ão.

    Alguma comissão foi paga por adiantamento a phuturos serviços prestados (Wikileaks).

    E os “corretores” são gente de palavra, líderes danação.

  4. Pessoa está “endividada” porque comprou um imóvel financiado…

    Divida por prejuizo x divida por investimento são bastante diferentes.

    Como sempre, na (de)formação de opinião pública, a mÍrdia transformou a palavra “dívida” em uma palavra maldita.

    Ela trata a Petrobrás como uma pessoa bem sucedida que está(ria) “endividada” porque comprou (investiu n’) um imóvel financiado em 5 ou 10 anos. E este imóvel, além do seu próprio valor, tem uma capacidade excepcional de geração de caixa (seja por ex. por aluguel, por produção agrícola, por recursos minerais exploráveis, por água, por turismo, etc.).

    Um “desastre”! Esta pessoa é “louca, inconsequente, irresponsável, incompetente”…

    Então, pelo “bem dela”, parentes (êpa!) corretores interessados resolvem torná-la “incapaz” e assumir a tutela de seus bens, vendendo-os junto com suas empresas que a capacitaram na compra este “imóvel”, inclusive loteando o tal imóvel.

    NENHUMA empresa no mundo seria capaz de explorar a maior descoberta do século sem endividamento. Mas TODAS as empresas do mundo gostariam de ter hoje tal descoberta e poder se endividar.

    Nós vivemos num país onde a “nata” (medíocre) de condutores (?) da economia  pensa apenas como contadores, numa visão onde o ministro da Fazenda (um bancário) declara publicamente (e ridiculamente) o chavão contábil de que a nação é uma “família” que não pode gastar mais do que ganha!

    Enquanto isso, a dívida (por ex.) do país mais “avançado” do mundo cresce para mais de US$ 15 trilhões e continua, como há muito, “gastando muito mais do que arrecada”. Assim como a de todo o G7…

    E nós aqui (e no mundo também) com bancos que na realidade não gastam nada (reservas fracionárias*) e ganham muito. O “gasto” deles é apenas extrair suco de dinheiro. Dinheiro este que cada vez mais se afasta do financiamento da economia e gruda em excêntricas fórmulas derivadas que transformam fantásticos lucros próprios em fantásticos prejuízos à economia.

    Ou seja, enquanto não formos um país cm espírito de nação, principalmente na sua “elite” que é medíocre, embora com o pressuposto papel de liderança, seremos um país de merda.

    E esse “enquanto” tem prazo de validade, pois quando formos um país onde nossas riquezas estiverem todas vendidas e exploradas para o bem estar alheio, sermos um grande deserto, uma terra arrasada não só de recursos naturais, mas também humanos.

    Pior ainda do que infeliz e desarrazoadamente já somos há séculos.

     

    (*) notem que com reservas fracionárias de uns 9×1, bastaria 1/9 destas “reservas” (um delírio de realidade virtual) para cobrir os “gastos” dos bancos…isso se eles não os cobrissem comfolga pela cobrança de taxas.

  5. Comentário.

    Só como paralelo, o caso da Oi.

    Foi colocada, em outros termos, a seguinte questão: o que pode ser vendido da Oi sem que comprometa a sua capacidade de operação como empresa?

    A resposta foi constrangedora: não tinha o que se vender.

    No caso da Petrobras, o que se vê é a venda daquilo que lhe é mais caro e que compromete a sua operação.

    No fim de tudo, quando estiver reduzida a quase nada, não será capaz de se colocar, em plena concorrência, com uma Statoil, por exemplo. Que se beneficiou dela, a propósito.

    Só a primeira parte do artigo é não apenas esclarecedor. Ele é óbvio, evidente e demonstrável. E em tempos mistificados, o óbvio é o mais importante.

  6. a pegadinha da taxa de desconto

    Outro aspecto que precisa ser denunciado:

    Fazer venda de ativos operacionais em momento que a taxa de juro é alta diminui o valor dos negócios, pois a avaliação é feita descontando o fluxo de caixa previsto para os anos seguintes com uso da taxa atual. A taxa atual, que é uma media ponderada entre juros das dívidas e desejo de lucro do acionista, é mais alta agora.

    Com a perda de rating a Petrobrá tem que pagar juros maiores agora, mas todos sabem que estes mesmos juros cairão depois que a dívida for reduzida.

    Da mesma forma, a taxa de retorno pretendida pelos acionistas é maior neste momento de aversão exacerbada ao risco por parte de todos os investidores.

    O WACC, taxa media ponderada do custo de capital, é o maior possível justamente no momento em que se quer realizar a venda. Basta a venda ocorrer para o WACC cair em pouco tempo e o comprador ter um aumento estetacular do valor presente do negócio. Aí pode repassar a um operador do ramo por preço muito mais justo.

    Esta é a grande sacada da financeirização da economia: aplicar aos recurso futuros a avaliação de risco atual, que todos sabem que só poderá cair no futuro.

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