As seis alterações propostas pela PEC 33

Por Joabe Souza

Comentário ao post “Congresso e STF: quem intimidou quem, por Inês Nassif

Motivado por este belo texto, resolvi fazer alguns comentários sobre as alterações propostas pela PEC 33. São especificamente seis alterações, que não chegam a ser o prenúncio do fim dos tempos, como se pintou na imprensa.

1 – Aumenta o quórum qualificado para declaração de inconstitucionalidade de lei pelos tribunais, que hoje é de maioria absoluta, para quatro quintos. No caso do STF, o quórum passaria de seis para nove ministros.

Este me parece o ponto mais controvertido. As decisões mais importantes do STF em matéria de constitucionalidade são, sem dúvida, aquelas que resguardam os direitos fundamentais, que são fortemente contramajoritários. Potencializar a regra da maioria nesses casos teria efeito contraproducente.

2 – Aumenta o quórum qualificado para aprovação de súmula vinculante, que hoje é de dois terços, para quatro quintos, ou seja, de oito para nove ministros. Esta situação é completamente diferente da do item 1. A atividade do STF na edição de súmulas vinculantes se aproxima muito da do legislador, sendo completamente adequada a exigência de um quórum maior. Só me parece um tanto desnecessário aumentar esse quórum, que já é alto, em um ministro.

3 – Passa a exigir que as súmulas vinculantes guardem coerência com os precedentes da Corte. A rigor, esta alteração é desnecessária se se observar o que já dispõe o caput do artigo 103-A da Constituição. (O STF poderá… após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula…);

4 – Atribui ao Congresso Nacional a função de deliberar no prazo de noventa dias quanto ao efeito vinculante da súmula, num processo muito parecido ao que ocorre hoje em relação aos vetos presidenciais.

Este ponto é muito interessante.

Se a súmula vinculante é espécie de interpretação oficial, impositiva da norma, se aproximando muito (talvez completamente) da interpretação autêntica (a que é feita pelo próprio legislador), nada mais natural que o legitimado para esta interpretação a controle. Afinal, nada impede hoje que o Congresso, após a edição da súmula vinculante, aprove lei interpretativa em sentido contrário àquela. Pelo texto constitucional que já está em vigor, a súmula não tem efeito vinculante em relação ao Poder Legislativo.

Outro ponto a ressaltar é que não é o conteúdo da súmula, mas apenas o seu efeito vinculante (o dever de observância pelos demais órgãos judiciais e pelo Poder Executivo) o que seria apreciado pelo Congresso. Pela PEC, nada impediria que rejeitado o seu efeito vinculante, a súmula passasse a integrar o rol de súmulas “ordinárias” do STF;

5 – Institui processo específico para o controle de constitucionalidade das emendas constitucionais, que poderia vir a ter até três fases. i) apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, nos moldes em que é feita hoje. Não alcançado o quórum para declarar inconstitucional a emenda (hoje de seis ministros, passaria a nove pela PEC), a emenda é declarada constitucional. Alcançado o quórum, passa-se à segunda fase. ii) a decisão do STF segue para a apreciação do Congresso Nacional, que pode se manifestar contrariamente a esta por quórum qualificado de 3/5 dos seus membros. Não alcançado o quórum ou passados noventa dias sem que haja a apreciação, a decisão do STF é mantida, ou seja, a emenda é declarada inconstitucional. Alcançado o quórum de três quintos contrários à decisão do STF, passa-se à terceira e última fase. iii) a “controvérsia é submetida a consulta popular”. Ou seja, no caso de uma bola dividida entre o Congresso e o STF, a decisão final caberia ao povo, certamente por submissão da emenda a referendo.

É claro que essa parte é muito problemática, mas não porque subordine o STF ao Congresso – já que o máximo que este poderá fazer é levar a matéria a consulta popular – e sim porque isso poderia levar a retrocessos na proteção aos direitos fundamentais, constantes do texto constitucional, desde que aprovados pela maioria da população.

Ainda que seja problemática, essa parte da PEC 33 traz o embrião de uma medida muito salutar, que é a consulta popular nas alterações da Constituição. Não me parece má ideia que esse dispositivo proposto fosse modificado no sentido inverso. Algo como: “as emendas à Constituição, após a promulgação pelo Congresso Nacional, serão submetidas à apreciação pelo Supremo Tribunal Federal e somente entrarão em vigor após aprovação em referendo”.

6 – Por fim, veda a suspensão da eficácia de emenda constitucional por medida cautelar pelo Supremo Tribunal Federal.

Na verdade, o grande problema hoje é que essas medidas podem ser tomadas monocraticamente pelos ministros do STF. Que sentido faz a Constituição exigir quórum qualificado de maioria absoluta para a declaração de inconstitucionalidade se um ministro pode, sozinho, decidir pela suspensão da eficácia da lei, sem qualquer prazo para apreciação do mérito pelo plenário do tribunal?

Mas como esse não é um problema exclusivo das emendas, a proposta foi muito tímida nesse aspecto.

Por outro lado, não há como negar que a vedação total à possibilidade de suspensão da eficácia da norma por medida cautelar retiraria do Tribunal um instrumento importante, talvez indispensável, à manutenção da segurança jurídica em alguns casos. A meu ver, uma ideia interessante seria retirar do relator, individualmente, a competência para a suspensão da eficácia do texto normativo (seja emenda, lei ou qualquer outro), e deixá-la como exclusividade do plenário do STF, observado o quórum qualificado constitucional.

Enfim, é claro que a PEC 33 tem problemas, mas me parece que ela está longe de ser o absurdo que se disse nos últimos dias. Pelo contrário, a violência das reações é que causa muita estranheza.

Luis Nassif

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